sábado, 26 de outubro de 2013

Marcílio Farias: Moebius


..., conheci Marcílio Farias em meados dos anos 1970, na redação do Correio Braziliense, em Brasília. No final dos anos 1980 vim parar em Curitiba e ele nos EUA. A gente se reencontrou em uma rede social, frequentadas por outros grandes amigos que continuaram candangos e ou buscaram novos rumos, Brasil afora e adentro. Afiadíssimo no verbo e no verso, articulista sem teias nos dedos e muito menos papas na língua, ele lançou recentemente dois livros de poemas: O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007) e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), pela Scortecci Editora. Em um e em outro, poemas cosem poemas em uma perturbadora epopeia de resistência social, política..., e amorosa. Uma saga que vai muito além de sua “aldeia”. Com autorização de Marcílio publicarei cinco poemas no Falas ao Acaso. Os três primeiros são de Rito para Ressuscitar um Elefante e os dois últimos de O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa. Na postagem dos longos Moebius e (John) optei apenas por fragmentos. 
  

  








Moebius (2 fragmentos)

Essa minha língua afugenta, alarma e estarrece,
Irrefletindo a distância que separa
Um definido artigo que não escolho,
Do indefinido artigo que não intento.
Entre a voz e o silêncio da voz,
Onde se situam os outros,
E para quê?
Ruas vagas, rios morosos,
Dunas que disputam espaço com
Hotéis, pousadas e turistas –
Como enfeixar essa carga de
Escambos, legado civilizatório engessado nas regras do
Método histórico, como enfeixar tudo isso
Em palavras que
Eu sei que não são minhas, nem tuas, nem de ninguém?


(...)
Como página ensolarada por 230 lâmpadas,
Velas de vidro e filete que
Fazem da noite um pleno dia,
Os olhos se recusam ao sono, que cerca o
Quarto e a vida, a história dos homens,
E o cansaço que faz da noite
Um longo dia.
As costas suportam fardos e mosquitos,
Únicas vozes que cercam o
Quarto, vida, um cigarro depois do outro
Vela cortante que seca a paisagem,
Esturricada paisagem que
Contamina o verão dessas praias,
Áspera paisagem que sufoca e
Massacra visões de uma História feita
De sangue, destruição e enganos.
Muro alto esse, que não se pula.
No meio dessa madrugada, fantasmas antigos
Cercam a minha memória
Com imagens afogadas no fundo do açude.

Em minhas mãos, o desejo de tocar tuas mãos e
Esquecer por minutos o ranço dessa história sombria
Esquecida de todos os turistas que trafegam felizes por
Esse balneário requintado.

Como a minha história não mais existe,
Encharcada de sangue, receio e ignorância,
Pelos lideres de tantas novas repúblicas,
Só me resta o mar que pouco a pouco se dissolve em
Petróleo e fezes.
E 0 horizonte pontilhado de cargueiros levando para
Longe essa terra esturricada.

Nas paredes de casa as faces lindas de nós todos
Cem anos atrás e anteontem
Cem anos atrás ou anteontem
Riem e celebram o imóvel instante em que existiram.
Eu entre eles,
Eu entre os vivos e os mortos,
Saga sem o cheiro de suor e sangue daqueles
Vivos e de tantos outros mortos,
Seara sem fruto, beco sem saída,
Lendas sem heróis e castelos.


(*)
Ilustração de Joba Tridente: 2013


Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Nos anos 70/80 trabalhou para a UNICEF/Brasil, USIS - Brasil e WHO, como consultor e assessor de assuntos públicos e culturais, respectivamente. Atuou como secretário particular do escultor Rubem Valentim, professor visitante da Universidade de Brasília e da Fundação Nacional de Teatro, editor assistente do Jornal de Brasília, colaborador do Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora, Jornal do Unicef e The Brazilians (NY). No ano de 74, integrou a equipe vencedora do Prêmio Esso para Melhor Contribuição à Edição Jornalística/Jornal de Brasília. No final da década de 80, escreveu e dirigiu o curta-metragem "Digitais" hors-concours em Lausanne e no Festival de Salvador, vetado pelo Concine logo em seguida.

Em 1989, emigrou legalmente para os Estados Unidos. Atuou como assessor cultural e adido cultural ad hoc do Consulado Geral do Brasil, em Boston, de 1993 a 2003. Professor visitante da Universidade de Massachusetts - Boston, conferencista convidado do David Rockefeller Center for Latin American Studies (Harvard University) e Sloan School of Management (MIT). Professor de Comunicação Impressa e de História da Cultura na Universidade de Phoenix, AZ, EUA. Membro Honorário da American Academy of Poets (Owing Mills, MD), da International Society of Poets (Washington, DC) e da Society of Friends of The Longfellow House (Cambridge, MA). Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA).

Obras publicadas: Visual Field (poemas), 1996 - Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (poemas), 2007, e Rito para Ressuscitar um Elefante (poemas), 2010, ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Os livros podem ser encontrados nas livrarias Cultura e Martins Fontes, em São Paulo, ou diretamente na editora Scortecci.

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