Escrevi
Cidades Minguantes quando
participava do Projeto Comboio Cultural,
que durante um ano rodou todo o Paraná, levando literatura, teatro, música,
dança, às cidades mais periféricas do estado. As seis crônicas foram publicadas,
originalmente, no jornal
Gazeta do Povo ,
aqui de Curitiba, entre outubro e novembro de 2001. Postei no Falas ao Acaso em abril de 2011. Mas, como em 2014 elas finalmente servirão
de base para a concretização de um antigo projeto, em fase de planejamento, decidi
fazer uma nova postagem!
Joba
Tridente
Viajar
ao interior, como Oficineiro Cultural,
mais que levar informação é acolher o desconhecido. É descer do pedestal e reler
a si mesmo.
Há seis
anos viajo pelo interior do Paraná, como Oficineiro Cultural de literatura e arte,
mas nunca tinha ido tão longe, como recentemente, e nem visto cidades
murcharem. Num artigo anterior, de mesmo título, disse que viajar ao interior, mais
que levar informação, é acolher o desconhecido. É descer do pedestal e reler a si
mesmo. Ao preparar esta série de crônicas, conjugando os cinco sentidos das cidades
minguantes, compreendi que ir ao interior pode ser muito mais que força de expressão.
Viajar
ao interior e conhecer este ser tão simples, que aos olhos viciados de capital
parece ser tão outro, é preciso, antes de reler-se, acostumar-se com o avelhentado
sentido do novo. É preciso deixar o olhar buscar o pouso. Sem pressa, que a pressa
assusta os mandaruvás que se encasulam até mesmo nas calças do velho aposentado
esquecendo-se sob a sibipiruna. O olhar apressado também assusta as douradas pétalas
que o vento faz chover sobre ele, perfumando seu sono. Um olhar apressado cala
os pássaros na balbúrdia habitual da colheita de grãos no asfalto. Um olhar apressado
não se dá conta da lágrima que corre do olho do piá que recolhe mais um pardal
atropelado na avenida e o coloca na sarjeta, junto a um montículo de flores de ipê
roxo, para talvez ser carregado pela próxima chuva. Um olhar apressado não registra
o engraxate amanhecendo no banco da praça, ofertado por uma antiga sapataria há
muito falida, sonhando talvez como uma cidade crescente. A pressa cega-nos na simples
cidade. Aí, a mão foge ligeira do besouro metalizado, o pé salta sobre a lacraia,
mas a cabeça descontrolada é batizada pela rolinha.
Noutra cidade,
algo familiar nem sempre está onde se espera. Excetuando a igreja, sempre
plantada no meio de uma praça. O olhar capital, acostumado a catedrais, demora compreender
a arquitetura interior. A alvenaria sustenta estranhas formas. A madeira
apodrecida sustenta-se na fé. Crédulas ou não, as pombas dominam a frágil torre
do sino, despensa farta para rapinantes noturnos. Dentro, o piso guarda as marcas
dos fiéis em trilhas que rumam ao altar e ao confessionário. Sobre a pia
batismal a estátua de um pombo, representando o Espírito Santo, parece olhar
uma asa branca manchada de sangue, no chão ainda por varrer, bem no entreaberto
da porta da torre do sino. Nessa manhã uma pomba não envelheceu.
Quando
o olhar alcança enfim o pouso natural do ser tão interior é hora de se aperceber
da luz que filtra o tempo. É hora do olhar se estender ao redor e conhecer a anatomia
dos gestos quase imperceptíveis na sutileza. Um quase aceno da mulher. Um quase
balbucio da filha. Um quase arqueio de sobrancelha do homem. Um quase tirar o chapéu
do peão. Um quase sorriso do comerciante. Um quase gritar da criança. Um quase inexistente
na esperança de cada um buscando respostas no olhar curioso que agora pousa
querendo ouvir.
(*)
Ilustração: Fotoarte de Joba Tridente
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