domingo, 19 de janeiro de 2014

Joba Tridente: Cidades Minguantes

Escrevi Cidades Minguantes quando participava do Projeto Comboio Cultural, que durante um ano rodou todo o Paraná, levando literatura, teatro, música, dança, às cidades mais periféricas do estado. As seis crônicas foram publicadas, originalmente, no jornal Gazeta do Povo, aqui de Curitiba, entre outubro e novembro de 2001. Postei no Falas ao Acaso em abril de 2011. Mas, como em 2014 elas finalmente servirão de base para a concretização de um antigo projeto, em fase de planejamento, decidi fazer uma nova postagem!


Cidades Minguantes
Joba Tridente

Viajar ao interior, como Oficineiro Cultural, mais que levar informação é acolher o desconhecido. É descer do pedestal e reler a si mesmo.

Ser tão estranho este do interior. Ser tão externo ao capital interior. Ser tão carente de afago e de afeto, este que mora quase no sertão paranaense. Ser tão curioso sobre o lado de fora da sua cidade que mingua a olhos vistos. Que mingua indiferente a todos os sentidos. Que mingua mesmo repovoando o território esquecido com centenas de Vítor. Talvez um deles seja o salvador da minguante cidade, aquele que trará de volta a fase crescente ao quase (de novo) vilarejo. Ou quem sabe a esperança de queAmanhã será um novo dia!” esteja nas mãos da linda menina, de boa fala, que vende produtos de beleza e se orgulha de ser chamada de Scarlet. Uma menina que ainda não chegou aos doze anos, que sonha ser advogada, mas que opina sobre moda, conforme aprende em programas de TV e revistas velhas, compradas em bancas de cidades que longe se avizinham. Ali, sabe-se de cada um a intimidade. Ali, sabe-se sobre as torres gêmeas americanas atacadas por terroristas, mas não sobre o mar ou o nome da árvore de flores douradas. Apenas um poeta, ignorado, velho e desdentado, um quase mendigo, se arrisca: “Sibipiruna!” Ah, se ouvissem o tal genioso poeta andarilho, saberiam dos poemas feitos para cada cidade em que passou!
 
Viajar pelo interior é deparar-se com o obsoletismo. É encontrar o que está fora de ordem, de lugar e de tempo: material humano ou não. É encarar a desmemória dos velhos cidadãos na praça anuviada com seus velhos bancos de granito em ruínas, lembrando tristes lápides do que outrora foram chiques ofertas de comerciantes e famílias ricas. É sentir o vazio. Ninguém para contar o ontem. Ninguém para ouvir o amanhã. Se a história está interrompida, os cemitérios esperam impacientes os vivos. Os velhos mofados hotéis, com banheiro coletivo, esperam os viajantes de uma noite . As velhas igrejas esperam parcos fiéis que esperam garantir, ao menos, os céus. Tudo parece estar por um fio religioso ou comercial. Nas casas antigas, a madeira velha, cinza, deixa-se tatuar abstrações por veios negros. Parecem estar em apenas por uma questão de vento. Nas casas novas, a imponência da fase crescente tropeça na impotência minguante. A capelinha de novena doméstica, que trazia uma imagem, virou um portarretrato, em forma de igreja, com a foto do santo, simplificando a . Olhando assim, somente os aparelhos de televisão preto e branco parecem combinar com lugar. Talvez pela falta de sintonia.

Na indiferença de quem chega ou sai, cães e gatos entrecruzam-se nas ruas. São de ninguém e, buscando comida, atendem a qualquer nome. Rolinhas e pardais aninham-se nas velhas árvores. Galos cantam na madrugada. Um peão, pedalando uma velha bicicleta, tange a boiada na estrada asfaltada, com um cabo de guarda-chuva...

(*)
Ilustração: Fotoarte de Joba Tridente

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