quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Joba Tridente: Conto de Outono no Inverno


Conto de Outono no Inverno
Joba Tridente (1998)

Manhã fria. Gelada no 14º. andar. A névoa foi chegando. Devagar. No princípio da noite anterior. E continuou. Logo após a madrugada, a vista não alcançava algo visível a mais de meio palmo do nariz. Dentro do quarto ainda o calor das cobertas, do corpo. Fora, apenas o nada. Desapareceram as montanhas além dos prédios. Mas, quais prédios existiam aquém das montanhas? Eram altos, baixos, bonitos, feios como quase todos os prédios modernos? Não sabia. Não lembrava. Abri a janela e estiquei um braço, para sentir o clima. Frio de menos grau. Idiotice. Mão e braço desapareceram na névoa. Tocaram nada. É claro. Havia um silêncio de cidade morta, esquecida, ao redor. Um silêncio apavorante. Os recolhi rapidamente. Nem mesmo o bem-te-vi de todas as manhãs e tardes apareceu para defender o seu território. Por certo também acreditava que tudo acabara. Porém, como acreditar na existência daquilo que não se vê e nem se consegue imaginar? Como acreditar naquilo que existia até ontem ao entardecer? Qualquer fantasma se perderia naquela brancura. Era como se não existisse coisa alguma, além de mim e dos objetos do quarto. Hipnotizado, nem me lembrei de sair à busca de outros compartimentos. À busca de outras pessoas. Apenas tentava entender aquela ilusão do existir inexistindo. Tentava ler os últimos traços do que aquela borracha esfumaçada apagava.

Nos segundos em que a janela permaneceu aberta a névoa tentou entrar. Não deixei. Se tivesse entrado, eu é que deixaria de existir. Se é que estava vivo. 


*
Ilustração de Joba Tridente.2015



Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais; Quase Hai-Kai; em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida; 101 Poetas Paranaenses; Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela; Ebulição da Escrivatura; em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás; Cidades Minguantes; O Vazio no Olho do Dragão. Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

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