quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Carolina Maria de Jesus: O Pequenino

Carolina Maria de Jesus - Acervo Última Hora (?)
Assim como a um pintor acadêmico é praticamente impossível pintar como um artista primitivista (naif), por lhe faltar a espontaneidade técnica alheia às perspectivas das regras do pincel..., a um escritor de muitas graduações é praticamente impossível relatar vivências de miserabilidade que não viveu..., por lhe faltar a veracidade periférica do carvão.

Carolina de Jesus, de catadora de papel à escritora à catadora de papel, uma vida permeada por conceitos do mundo ao seu redor e de preconceitos do mundo ao seu redor. Mulher. Negra. Favelada. Mãe solteira de três filhos. Cada dia um dia a menos ou a mais na conta do seu destino incerto na boa lida das palavras escritas com dor e catarse do desabafo. Carolina frequentou por dois anos a escola primária, tempo suficiente apenas para aprender a escrever e a ler. Conhecimento mínimo, porém, primordial para lhe servir de guia na fuga do círculo vicioso de miséria que a perseguia. Catou papel, revistas e cadernos..., para vender, aprender e registrar a sua história. Conjugações verbais mais que presente na sua pertinência de mudar de vida, garantindo o alimento para o corpo, o cérebro e o espírito guerreiro.

Carolina Maria de Jesus e Audálio Dantas - Acervo Última Hora
A descoberta casual da escritora (de prosa e verso) Carolina Maria de Jesus se deu em abril de 1958, quando o jornalista Audálio Dantas, ao fazer a cobertura de inauguração de um Parque Municipal, na periferia de São Paulo, conheceu Carolina e seus 35 Cadernos de Anotações. Dantas, extasiado com o que leu, escreveu um artigo para o jornal Folha da Noite. Em 1959, ele publicou trechos dos relatos de Carolina, na revista O Cruzeiro, e se empenhou na publicação de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, lançado em 1960. O livro fez enorme sucesso no Brasil e, traduzido em quinze línguas, virou best-seller no exterior. Carolina recebeu diversas homenagens e prêmios e gravou um disco homônimo, cantando as próprias composições, que você pode ouvir na íntegra na Radio Batuta. Com o dinheiro da venda de Quarto de Despejo, se mudou da favela do Canindé, para uma casa de alvenaria e continuou na sua lida literária, mas sem alcançar o mesmo sucesso. Carolina Maria de Jesus morreu pobre e esquecida em 1977. Todavia, a sua obra, ainda hoje é motivo de teses, estudos, projetos cinematográficos e teatrais, HQs em diversas partes do mundo.

Muitos a conhecem apenas pelas narrativas, por isso a minha homenagem à Carolina Maria de Jesus se dá com uma seleção de cinco poemas presente na Antologia Pessoal, organizada por José Carlos Sebe Bom Meihy, publicada postumamente pela Editora UFRJ (1996). Nesta antologia, com poemas ao estilo tudo junto e misturado, ainda que vestimenta seja outra, a poeta se desvela numa carência afetiva muito grande, bem como apego à fé, ao patriotismo e aos desassistidos socialmente. Uma poesia urbana, popular, capaz de fazer ecoar o menosprezo social de ontem no preconceito racial hoje. A ordem dos substantivos não faz diferença...



O PEQUENINO
Carolina Maria de Jesus

Encontrei um pequenino
Vagando ao léu sem destino
Sem ter onde descansar
Talvez lhe falte um amigo
Tem o aspecto de um mendigo
O infeliz não tem lar.

Quando souber meditar
Entristece e vai chorar
Tudo é sombrio ao seu redor
É uma haste abandonada
E por não ser cultivada
Não tem viço. Não dá flor.

O infeliz não vai à escola
Passa os dias pedindo esmola
E não aprende uma profissão
Quando este infausto crescer
- O que vai ser?
***************************
Um hóspede da prisão.

*
ilustração de Joba Tridente.2015



Carolina Maria de Jesus - Acervo Última Hora (?)

Carolina Maria de Jesus (1914-1977), escritora brasileira de prosa e verso. O seu aclamado Quarto de Despejo – Diário de uma favelada (1960) foi traduzido para quinze línguas (alemão, catalão, dinamarquês, espanhol, francês, holandês, húngaro, inglês, iraniano, italiano, japonês, polonês, romeno, tcheco, turco). O merecido sucesso dos diários de Carolina acabou servindo também a “interesses” da esquerda e da direita brasileiras e das elites festivas. Passado o calor dos aplausos, que foram rareando com o lançamento de Casa de Alvenaria - Diário de uma ex-favelada (1961), Pedaços da Fome (1963) e Provérbios (1963), a escritora (sensação negra!) foi sendo alijada do burburinho intelectual branco. Postumamente foram lançados Diário de Bitita, primeiramente na França (1982) e depois no Brasil (1986), Meu estranho diário (1996), Antologia Pessoal (1996) e diversos textos outros em revistas.

Nem sempre o material disponibilizado na web traz a sua grafia original, com erros ortográficos e gramaticais. Pode facilitar a leitura, mas lhe tira a originalidade. Para saber mais, indico os links: Templo Cultural Delfos; Radio Batuta; Revista Palmares; Livres Pensadores; Arquivo Fotográfico Carolina Maria de Jesus; Enciclopédia Itaú Cultural; animação: Quarto de Despejo.

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