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Carolina Maria de Jesus - Acervo Última Hora (?) |
Assim como a um pintor acadêmico é praticamente impossível
pintar como um artista primitivista (naif),
por lhe faltar a espontaneidade técnica alheia às perspectivas das regras do
pincel..., a um escritor de muitas graduações é praticamente impossível relatar
vivências de miserabilidade que não viveu..., por lhe faltar a veracidade
periférica do carvão.
Carolina de Jesus,
de catadora de papel à escritora à catadora de papel, uma vida permeada por
conceitos do mundo ao seu redor e de preconceitos do mundo ao seu redor.
Mulher. Negra. Favelada. Mãe solteira de três filhos. Cada dia um dia a menos
ou a mais na conta do seu destino incerto na boa lida das palavras escritas com
dor e catarse do desabafo. Carolina frequentou por dois anos a escola primária,
tempo suficiente apenas para aprender a escrever e a ler. Conhecimento mínimo,
porém, primordial para lhe servir de guia na fuga do círculo vicioso de miséria
que a perseguia. Catou papel, revistas e cadernos..., para vender, aprender e registrar
a sua história. Conjugações verbais mais que presente na sua pertinência de
mudar de vida, garantindo o alimento para o corpo, o cérebro e o espírito
guerreiro.
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Carolina Maria de Jesus e Audálio Dantas - Acervo Última Hora |
Muitos a conhecem apenas pelas narrativas, por isso a minha homenagem
à Carolina Maria de Jesus se dá com
uma seleção de cinco poemas presente na Antologia
Pessoal, organizada por José Carlos Sebe Bom Meihy, publicada postumamente
pela Editora UFRJ (1996). Nesta antologia, com poemas ao estilo tudo junto e
misturado, ainda que vestimenta seja outra, a poeta se desvela numa carência
afetiva muito grande, bem como apego à fé, ao patriotismo e aos desassistidos socialmente.
Uma poesia urbana, popular, capaz de fazer ecoar o menosprezo social de ontem
no preconceito racial hoje. A ordem dos substantivos não faz diferença...
O PEQUENINO
Carolina Maria de Jesus
Encontrei um pequenino
Vagando ao léu sem destino
Sem ter onde descansar
Talvez lhe falte um amigo
Tem o aspecto de um mendigo
O infeliz não tem lar.
Quando souber meditar
Entristece e vai chorar
Tudo é sombrio ao seu redor
É uma haste abandonada
E por não ser cultivada
Não tem viço. Não dá flor.
O infeliz não vai à escola
Passa os dias pedindo esmola
E não aprende uma profissão
Quando este infausto crescer
- O que vai ser?
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Um hóspede da prisão.
*
ilustração de
Joba Tridente.2015
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Carolina Maria de Jesus - Acervo Última Hora (?) |
Carolina Maria de
Jesus (1914-1977), escritora brasileira de prosa e verso. O seu aclamado Quarto de Despejo – Diário de uma favelada
(1960) foi traduzido para quinze línguas (alemão, catalão, dinamarquês,
espanhol, francês, holandês, húngaro, inglês, iraniano, italiano, japonês,
polonês, romeno, tcheco, turco). O merecido sucesso dos diários de Carolina
acabou servindo também a “interesses” da esquerda e da direita brasileiras e
das elites festivas. Passado o calor dos aplausos, que foram rareando com o
lançamento de Casa de Alvenaria - Diário
de uma ex-favelada (1961), Pedaços da
Fome (1963) e Provérbios (1963),
a escritora (sensação negra!) foi sendo alijada do burburinho intelectual
branco. Postumamente foram lançados Diário
de Bitita, primeiramente na França (1982) e depois no Brasil (1986), Meu estranho diário (1996), Antologia Pessoal (1996) e diversos
textos outros em revistas.
Nem sempre o material disponibilizado na web traz a sua grafia
original, com erros ortográficos e gramaticais. Pode facilitar a leitura, mas
lhe tira a originalidade. Para saber mais, indico os links: Templo
Cultural Delfos; Radio
Batuta; Revista
Palmares; Livres
Pensadores; Arquivo
Fotográfico Carolina Maria de Jesus; Enciclopédia
Itaú Cultural; animação: Quarto de Despejo.
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