A escritora Clarice
Lispector nasceu em Tchetchelmik, Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920.
Amanhã completaria 95 anos, não tivesse morrido há 38, no dia 09 de dezembro de
1977, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Diva? Musa? Bruxa? Não importa o
aglomerado, mas a essência, a substância da sua imortal obra literária. Das
suas intensas e saborosas crônicas, reunidas em títulos diversos: Para não esquecer; A descoberta do mundo; Clarice na Cabeceira, selecionei duas. Leia
hoje: as três experiências..., e amanhã, saiba das vantagens de ser bobo.
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Pintura de Clarice Lispector: sem título - 1975 (?) |
as três experiências
Clarice Lispector
11 de maio de 1968
Há três
coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para
amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O “amar os
outros” é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As
três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me
apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida.
Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará
perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
E nasci para
escrever. A palavra é meu domínio sobre o mundo. Eu tive desde a infância
várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E
não sei por quê, foi esta que eu segui. Talvez porque para as outras vocações
eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado
é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós. É que não sei estudar. E,
para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Adestrei-me desde os sete anos
de idade para que um dia eu tivesse a língua em meu poder. E no entanto cada
vez que eu vou escrever, é como se fosse a primeira vez. Cada livro meu é uma estreia
penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é
o que eu chamo de viver e escrever.
Quanto aos
meus filhos, o nascimento deles não foi casual. Eu quis ser mãe. Meus dois
filhos foram gerados voluntariamente. Os dois meninos estão aqui, ao meu lado.
Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e
angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Se eu não fosse mãe, seria sozinha
no mundo. Mas tenho uma descendência, e para eles no futuro eu preparo meu nome
dia a dia. Sei que um dia abrirão as asas para o voo necessário, e eu ficarei
sozinha. É fatal, porque a gente não cria os filhos para a gente, nós os
criamos para eles mesmos. Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino
de todas as mulheres.
Sempre me
restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair
e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo
e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma
garantia.
Ao passo que
amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse
à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.
Espero em
Deus não viver do passado. Ter sempre o tempo presente e, mesmo ilusório, ter
algo no futuro.
O tempo
corre, o tempo é curto: preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver como se
esta minha vida fosse eterna. E depois morrer vai ser o final de alguma coisa
fulgurante: morrer será um dos atos mais importantes de minha vida. Eu tenho
medo de morrer: não sei que nebulosas e vias-lácteas me esperam. Quero morrer
dando ênfase à vida e à morte. Só peço uma coisa: na hora de morrer eu queria
ter uma pessoa amada por mim ao meu lado para me segurar a mão. Então não terei
medo, e estarei acompanhada quando atravessar a grande passagem. Eu queria que
houvesse encarnação: que eu renascesse depois de morta e desse a minha alma
viva para uma pessoa nova. Eu queria, no entanto, um aviso. Se é verdade que
existe uma reencarnação, a vida que levo agora não é propriamente minha: uma
alma me foi dada ao corpo.
Eu quero
renascer sempre. E na próxima encarnação vou ler meus livros como uma leitora
comum e interessada, e não saberei que nesta encarnação fui eu que os escrevi.
Está-me
faltando um aviso, um sinal. Virá como intuição? Virá ao abrir um livro? Virá
esse sinal quando eu estiver ouvindo música? Uma das coisas mais solitárias que
eu conheço é não ter a premonição.
*
Clarice
Lispector (1920 - 1977), a voz feminina mais intensa e triste da
literatura brasileira, é autora de Romances: Perto
do Coração Selvagem (1943); O Lustre
(1946); A Cidade Sitiada (1949); A Maçã no Escuro (1961); A Paixão segundo G.H. (1964); Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres
(1969); Água Viva (1973); Um Sopro de Vida (1978)..., Novela: A hora da estrela (1977)..., Contos:
Alguns contos (1952); Laços de família (1960); A legião estrangeira (1964); Felicidade clandestina (1971); A imitação da rosa (1973); A via crucis do corpo (1974); Onde estivestes de noite? (1974); A bela e a fera (1979)..., Crônicas: Visão do esplendor - Impressões leves (1975); Para não esquecer (1978); A
descoberta do mundo (1984); Clarice
na Cabeceira (2009)..., Literatura
infantil: O mistério do coelho
pensante (1967); A mulher que matou
os peixes (1968); A vida íntima de
Laura (1974); Quase de verdade
(1978); Como nasceram as estrelas
(1987). Há vasto material sobre
ela na web: Releituras ou Clarice Lispector ou Wikipédia,
entre outros.
Lo mas inportante en la vida es ser madre y como tal tambien ser padre es enseñar a un ser vivo lo que es la vida, darle la vida ,eso lo podemos aprender nosotros y transmitirlo .respecto a la muerte nadie nos enseña como se muere,es algo que tenemos que aprender o mejor dicho intuir lo que puede ser ,de aqui,el miedo ,al no saver .y el deseo de que alguien nos acompañe,en el trayecto ,sabemos que hay que morir ,es ley de vida ,pero la forma es sorpresa que nos depara Dios ,yo me inclino que sera dulce , como un sueño largo ,y quiero pensar que hay otro lugar y alli me encontrare con mi amor ,qe me prometio hantes de irse ,que me esperaria y desde alli me acompañaria y me protejeria .
ResponderExcluir..., grato, Paquita Costa, por sua leitura e observações!
ExcluirEmocionante! Amo Clarice Lispector! 👏🏾🧡🙏🏾
ResponderExcluir..., arrebatadora para todos os seus leitores, Unknown!
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