Há
exatos sete dias, o antipoeta chileno Nicanor
Parra fez a sua antipassagem espiritual para o antimundo e, em sua
memória, o Falas ao Acaso abre um pós-espaço para mais uma vez homenageá-lo. Em
2015, em aplauso aos seus 101 anos, publiquei publiquei Dos Chistes; Se Canta Al Mar; Autorretrato; Cartas A Una Desconocida e Epitáfio, presentes na antologia
digital bilíngue Nicanor Parra e Vinícius de Moraes
(2009), com tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández,
disponibilizada pela Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena de la
Lengua.
Hoje
e nos próximos quatro dias você acompanha a postagem de mais cinco antipoemas de
Nicanor Parra, em espanhol e em traduções de Carlos Nejar e de João Carlos
Martins. O primeiro deles é Solo de
Piano, do livro Poemas y Antipoemas (1954), em tradução de Carlos Nejar
para a antologia Nicanor Parra e Vinícius
de Moraes, da ABL/ACL.
Para
quem não conhece o escritor Nicanor
Parra, o irmão da magnífica Violeta Parra (1917-1967), um trecho do seu
perfil na apresentação de Carlos Nejar: “...
rebelde, contrário ao sistema que impõe suas regras, às vezes estranho,
fantástico, antissentimental, forjou seus antipoemas, ainda que “com odor
delicado de violetas”, para expressar seu descontentamento com o rumo da
literatura tradicional, operando com força desmistificadora. E escrever é
nomear. E o antipoema abriga a poesia ao avesso, poesia integralmente, sem
rasuras, caminhando contra a maré das leis canônicas de uma criação estética
bem comportada, em geral modulando a técnica do ritmo, sem o estuário das rimas
(o que não quer dizer que não as use, episodicamente) que singularizam a lira
tradicional. Ora lacônico e absurdo, ora concentradamente mordaz, ora
fraturando o sentido para alcançar outro maior, ora na enumeração que se
desvaira para configurar o revés das coisas, ora um surrealismo que se
fragmenta atiçado pela própria lucidez, ora com humor desavisado, ora quebrando
o protocolo e o pescoço da eloquência, através da paradoxal digressão e o
antilirismo. Kafkiano no espantoso; poundiano no uso de dialogismo; de Michaux,
fica-lhe o humor negro; de Vallejo certa erupção sintática; de Becket, o tom
satírico. É antipomposo, e, proverbialmente alegórico, teatral, nunca deixando
de ser ele mesmo, com sua máscara de um Chile ancestral, com rosto de efígie
asteca, imenso Poeta, parreira plantada na
linguagem. E não é em vão que um dos seus livros se chama Folha de Parra. (...)
Seu canto é civilizatório,
mas também conhece a barbárie. Poeta muitas vezes parabólico, sarcástico,
corrosivamente crítico de um mundo que não escolheu e nem o aceita, não busca
criar formas. As formas que o criam.”
SOLO DE PIANO
Nicanor Parra
Ya que la vida del hombre no es sino
una acción a distancia,
Un poco de espuma que brilla en el
interior de un vaso;
Ya que los árboles no son sino
muebles que se agitan:
No, son sino sillas y mesas en
movimiento perpetuo;
Ya que nosotros mismos no somos más
que seres
(Como el dios mismo no es otra cosa
que dios)
Ya que no hablamos para ser
escuchados,
Sino que para que los demás hablen
Y el eco es anterior a las voces que
lo producen;
Ya que ni siquiera tenemos el
consuelo de un caos
En el jardín que bosteza y que se
llena de aire,
Un rompecabezas que es preciso
resolver antes de morir
Para poder resucitar después
tranquilamente
Cuando se ha usado en exceso de la
mujer;
Ya que también existe un cielo en el
infierno,
Dejad que yo también haga algunas
cosas:
Yo quiero hacer un ruido con los pies
Y quiero que mi alma encuentre su
cuerpo.
SOLO DE PIANO
Nicanor Parra
tradução: Carlos Nejar
Já que a vida do homem não é senão
uma ação à distância,
um pouco de espuma que cintila no
interior de um vaso;
já que as árvores não são senão
móveis que se agitam:
não são senão cadeiras e mesas em
movimento perpétuo;
já que nós mesmos não somos mais que
seres
(como o deus mesmo não é outra coisa
que deus);
já que não falamos para sermos escutados
senão para que os demais falem
e o eco é anterior às vozes que o
produzem;
já que nem sequer temos o consolo de
um caos
no jardim que boceja e que se enche
de ar,
um quebra-cabeças que é preciso
resolver antes de morrer
para poder ressuscitar depois
tranquilamente
quando se usou em excesso a mulher;
já que também existe um céu no
inferno,
deixa que eu também faça algumas
coisas:
Eu quero fazer rumor com os pés
e quero que minha alma encontre seu
corpo.
*
ilustração de Joba Tridente.2018
Nicanor Parra (San
Fabián de Alico, Chile em 5 de setembro de 1914 - La Reina, Chile em 23 de
janeiro de 2018). Formou-se em Matemática e Física no Instituto Pedagógico da
Universidade do Chile. Estudou Mecânica avançada na Universidade de Brown,
Rhode Island (1943-1945). Foi diretor interino da Escola de Engenharia da
Universidade do Chile, discípulo do Cosmólogo E.A. Miner em Oxford e professor
de Mecânica Teórica na Universidade do Chile. Nicanor Parra tinha grande
afinidade com as obras de Federico Garcia Lorca e Walt Whitman e os seus
antipoemas teriam sido influenciados por filmes de Charles Chaplin, e o
surrealismo de autores como Franz Kafka, Thomas Stearns Eliot, Ezra Pound, John
Donne e William Blake. O escritor chileno, que recebeu, em 2011, o Prêmio
Cervantes, oferecido pelo Ministério da Cultura da Espanha, estreou
na literatura com Cancioneiro sem Nome (1937).
A publicação da obra que o consagrou deu-se em 1954, Poemas
y Antipoemas. Em seguida vieram: La
cueca larga (1958) e Versos
de Salón (1962), Manifiesto (1963), Canciones rusas (1967), Obra
gruesa (1969), Los professores (1971),
Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui
(1977), Nuevos sermones y prédicas del
Cristo de Elqui (1979), El anti-Lázaro
(1981), Plaza Sésamo (1981), Poema y antipoema de Eduardo Frei (1982),
Cachureos, ecopoemas, guatapiques,
últimas prédicas (1983), Chistes para
desorientar a la policía (1983), Coplas
de Navidad (1983), Poesía política
(1983), Hojas de Parra (1985), Poemas para combatir la calvície (1993),
Páginas en blanco (2001), Lear Rey & Mendigo (2004), Obras completas I & algo + (2006), Discursos de Sobremesa (2006), Antiprosa
(2015). Fontes: Wikipedia e Antologia de Nicanor
Parra e Vinicius de Moraes - ABL/ACL.
Nota: O Portal da Universidad de Chile
disponibiliza a obra de Nicanor Parra e de outros grandes
nomes em Retablo de Literatura Chilena.
Carlos Nejar: Poeta, Ficcionista e Crítico.
Pertence à Academia Brasileira de Letras e à Academia Brasileira de Filosofia. O premiado escritor e tradutor de Jorge Luis Borges, Pablo Neruda e Nicanor Parra, tem a sua significativa obra literária publicada no Brasil e no Exterior. Confira AQUI a sua biografia e AQUI
a sua extensa bibliografia.
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