domingo, 21 de janeiro de 2018

Thomas Merton: Macarius e o Pônei

Já comentei anteriormente que conheci os poemas do mestre Thomas Merton a partir das excelentes traduções livres do escritor e tradutor brasileiro Marcílio Farias que são distribuídas apenas para seus amigos no FB. Porém, diante de tão bela obra, não tenho resistido e, sempre que possível, publico algo deles por aqui (confira nos links abaixo).

Macarius e o Pônei (Macarius and the Pony) é um poema fascinante..., uma joia que a cada (re)leitura brilha ainda mais. Segundo o tradutor Marcílio Farias: “Esta é uma tradução livre de Macarius and the pony, publicado em 1962 na coletânea The Original Child Bomb, que Merton escreveu depois de sua primeira viagem ao Oriente. O Poema é baseado nas crônicas de Rufinus de Aquileia (345-411), o asceta romano acusado pelo Vaticano de heresia por defender as teorias de Pelágio e Origenes, dois autores que Merton estudou profundamente nos seus primeiros anos no mosteiro cisterciense, onde viveu, no Kentucky. New Orleans, Novembro de 2017.”

                 
                 
Macarius e o Pônei
Thomas Merton
tradução de Marcílio Farias

Era uma vez..., moradores de
uma vila na margem do deserto
tinham uma filha transformada
(assim pensavam)
em um pônei pelas artes de
um homem feiticeiro
(pelo menos era isso o
que pensavam)

E no principio suas línguas não poupavam
malicia nem veneno e castigavam:
"porque você tinha de aceitar
a forma do cavalo, a forma de uma égua?"
(Ela, em silencio, mergulhava seus
olhos nas águas do deserto)

Um dia então, com arreio estribo e
tudo o mais levaram a égua para
o meio do deserto quente e seco onde
um eremita chamado
Macarius residia

"Mestre", disseram ao chegar,
"Essa jovem égua aqui na
sua frente, um dia foi ou inda é
o que se chama nossa filha.
Os inimigos, homens sem
caráter, donos de almas feiticeiras,
dela fizeram o animal que
você vê aqui de arreio e estribo. Mas
nós sabemos que suas palavras são
espelho das vozes de um deus e
podem reverter o sortilégio
trazendo de volta a nossa filha ao
estado feliz em que existia."

"Oração minha", Macarius disse,
"Mudará coisa nenhuma,
pois não vejo um animal na minha frente."
(E levou os pais e a menina à sua tenda e
lá falou palavras refletindo
as vozes do deus e ungiu a criança com
óleo de oliveira. E quando os pais
da menina viram o Amor com que
sua mão ungiu o cabelo da criança
entenderam na hora - raio e
trovão - que ela jamais se
transformara, e que sempre tinha sido
e era o que é, uma garota.)

"Os olhos de vocês"
(falou Macarius)
"é que são o inimigo e a cegueira"
"Os pensamentos de vocês
(disse o eremita)
são tortos e obtusos e
transformam todos aqueles
que os escutam em
aves de rapina e bestas enlouquecidas;
suas vontades sem-honra
(disse aquele que Enxergava)
transformam os povos do
mundo em fantasmas e cadáveres.


Macarius and the Pony
Thomas Merton

People in a village
At the desert's edge
Had a daughter
Who was changed (they thought)
By magic arts
Into a pony.

At first they berated her
"Why do you have to be a horse?"
She could think of no reply.

So they led her out with a halter 
Into the hot waste land
Where there was a saint
Called Macarius
Living in a cell.

"Father" they said
"This young mare here
Is, or was, our daughter.
Enemies, wicked men,
Magicians, have made her
The animal you see.
Now by your prayers to God
Change her back
Into the girl she used to be."

"My prayers" said Macarius,
"Will change nothing,
For I see no mare.
Why do you call this good child
An animal?"

But he led her into his cell
With her parents:
There he spoke to God 
Anointing the girl with oil;
And when they saw with what love 
He placed his hand upon her head
They realized, at once.
She was no animal.
She had never changed.
She had been a girl from the beginning.

"Your own eyes
(said Macarius)
Are your enemies.
Your own crooked thoughts
(said the anchorite)
Change people around you
Into birds and animals.
Your own ill-will
(said the clear-eyed one)
Peoples the world with specters."

*
ilustração de Joba Tridente.2018


Thomas Merton  (1915-1968), escritor e monge trapista da Abadia de Getsêmani, Kentuchy, foi ativista social, pacifista e estudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros de prosa e verso, a maioria sobre espiritualidade. Em 1944 publicou Thirty Poems. O segundo livro, A Man in the Divided Sea, foi lançado em 1946. Entre suas obras de grande repercussão se destacam The Seven Storey Mountain (1948); No Man Is An Island (1955); The Way of Chuang Tzu (1965). Fontes: Wikipédia e Thomas Merton Center. Links de Thomas Merton: 05.12.2015: Thomas Merton: Paisagem com Criança; 28.04.2016: Thomas Merton: Primeira lição sobre o homem; 29.04.2016: Thomas Merton: Três Epigramas; 30.04.2016: Thomas Merton: Desalentados e Criminosos; 01.05.2016: Thomas Merton: A Queda; 02.05.2016: Thomas Merton: Deus é Bom; 02.07.2016: Thomas Merton: Para Fazer Krishna Dormir

Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Links de Marcílio FariaCurrículo completo. Poemas: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé

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