quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Nicanor Parra: Desordem no Céu

No dia 23 de janeiro de 2018 o antipoeta chileno Nicanor Parra fez a sua antipassagem espiritual para o antimundo e, em sua memória, o Falas ao Acaso abre um pós-espaço para mais uma vez homenageá-lo. Em 2015, em aplauso aos seus 101 anos, publiquei Dos Chistes; Se Canta Al Mar; Autorretrato; Cartas A Una Desconocida e Epitáfio, presentes na antologia digital bilíngue Nicanor Parra e Vinícius de Moraes (2009), com tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández, disponibilizada pela Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena de la Lengua.

Nesta nova série você acompanha a postagem de cinco antipoemas de Nicanor Parra, em espanhol e em traduções de Carlos Nejar e de João Carlos Martins. Ontem você conheceu o Solo de Piano e leu um trecho do perfil do escritor chileno..., hoje fica com Desordem no Céu (Desordien en el Cielo), do livro Poemas e Antipoemas (1954), em tradução de João Carlos Martins para a edição digital NicanorParra - Poemas e antipoemas (2014), disponibilizada pela kza1/editora livre.
  
                  
                 
DESORDEN EN EL CIELO
Nicanor Parra

Un cura sin saber cómo
Llegó a las puertas del cielo,
Tocó la aldaba de bronce,
A abrirle vino San Pedro:
"Si no me dejas entrar
Te corto los crisantemos".
Con voz respondióle el santo
Que se parecía al trueno:
"Retírate de mi vista
Caballo de mal agüero,
Cristo Jesús no se compra
Con.mandas ni con dinero
Y no se llega a sus pies
Con dichos de marinero.
Aquí no se necesita
Del brillo de tu esqueleto
Para amenizar el baile
De Dios y de sus adeptos.
Viviste entre los humanos
Del miedo de los enfermos
Vendiendo medallas falsas
Y cruces de cementerio.
Mientras los demás mordían
Un mísero pan de afrecho
Tú te llenabas la panza
De carne y de huevos frescos.
La araña de la lujuria
Se multiplicó en tu cuerpo
Paraguas chorreando sangre
¡Murciélago del infierno!"

Después resonó un portazo,
Un ray o iluminó el cielo,
Temblaron los corredores
Y el ánima sin respeto
Del fraile rodó de espaldas
Al hoyo de los infiernos.



DESORDEM NO CÉU
Nicanor Parra
tradução: João Carlos Martins

Um padre sem saber como
Chegou às portas do céu,
Bateu a campainha de bronze,
E ao abrir viu São Pedro:
“Se não me deixa entrar
Te corto os crisântemos”.
Com voz respondeu o santo
Que se sentava ao trono:
“Se retire da minha frente
Cavalo de mau auspício,
Jesus Cristo não se compra
Com mandado, nem com dinheiro
E não chega aos seus pés
Com falas de marinheiro.
Aqui não se precisa
Do brilho de teu esqueleto
Para melhorar a dança
De Deus e seus adeptos.
Você viveu entre os humanos
Do medo dos doentes
Vendendo medalhas falsas
E cruzes de cemitério
Enquanto os demais mordiam
Um mísero pão sovado
Você enchia a pança
De carne e ovos frescos.
A aranha da luxúria
Se multiplicou em seu corpo.
Guarda-chuva pingando sangue
Morcego dos infernos!”

Depois ressoou uma batida de porta
Um raio iluminou o céu,
Os corredores tremeram
E o espírito sem respeito
Do frade virou de costas
E deu direto no olho dos infernos.
  
*
ilustração de Joba Tridente.2018
  

Nicanor Parra (San Fabián de Alico, Chile em 5 de setembro de 1914 - La Reina, Chile em 23 de janeiro de 2018). Formou-se em Matemática e Física no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Estudou Mecânica avançada na Universidade de Brown, Rhode Island (1943-1945). Foi diretor interino da Escola de Engenharia da Universidade do Chile, discípulo do Cosmólogo E.A. Miner em Oxford e professor de Mecânica Teórica na Universidade do Chile. Nicanor Parra tinha grande afinidade com as obras de Federico Garcia Lorca e Walt Whitman e os seus antipoemas teriam sido influenciados por filmes de Charles Chaplin, e o surrealismo de autores como Franz Kafka, Thomas Stearns EliotEzra PoundJohn Donne e William Blake. O escritor chileno, que recebeu, em 2011, o Prêmio Cervantes, oferecido pelo Ministério da Cultura da Espanha, estreou na literatura com Cancioneiro sem Nome (1937). A publicação da obra que o consagrou deu-se em 1954, Poemas y Antipoemas. Em seguida vieram: La cueca larga (1958) e Versos de Salón (1962), Manifiesto (1963), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969), Los professores (1971), Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1977), Nuevos sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1979), El anti-Lázaro (1981), Plaza Sésamo (1981), Poema y antipoema de Eduardo Frei (1982), Cachureos, ecopoemas, guatapiques, últimas prédicas (1983), Chistes para desorientar a la policía (1983), Coplas de Navidad (1983), Poesía política (1983), Hojas de Parra (1985), Poemas para combatir la calvície (1993), Páginas en blanco (2001), Lear Rey & Mendigo (2004), Obras completas I & algo + (2006), Discursos de Sobremesa (2006), Antiprosa (2015). Fontes: Wikipedia e Antologia de Nicanor Parra e Vinicius de Moraes - ABL/ACL.
Nota: O Portal da Universidad de Chile disponibiliza a obra de Nicanor Parra e de outros grandes nomes em Retablo de Literatura Chilena.

João Carlos Martins (?). Não encontrei informação alguma sobre o tradutor, nem no site da editora kza1. Não sei se é homônimo do pianista e maestro brasileiro e ou se o próprio.

2 comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...