quinta-feira, 25 de julho de 2013

Contos Para A Infância: Presente por Presente

Em seu livro Contos Para a Infância (1877), Guerra Junqueiro selecionou belos contos, fábulas e parábolas da tradição oral europeia. Em alguns trabalhos o moralismo e ou a religiosidade exagerada me incomodam. Prefiro os mais sutis como: Boa Sentença, O Ermitão, Presente por Presente. Atualizei levemente a grafia das postagens.



Presente por Presente

Um grande fidalgo, que se tinha perdido numa floresta, foi dar de noite à choupana de um pobre carvoeiro. Como este ainda não tinha chegado, foi a mulher que recebeu o importante personagem. Acolheu-o o melhor que pôde, desculpando-se da miserável hospitalidade que lhe ia dar, porque eram batatas cozidas a única coisa que lhe poderia oferecer; cama não a tinha, por conseguinte dormiria sobre a palha. Mas o estrangeiro estava morto de fome e de fadiga; as batatas souberam-lhe mais do que faisões, e dormiu melhor em cima da palha do que num leito de príncipes. Ao outro dia pela manhã disse isto mesmo à pobre mulher, gratificando-a ao despedir-se com uma moeda de ouro. Mas, como o desconhecido lhe tinha dito que a guardasse como uma pequena lembrança, a boa camponesa julgou que seria uma medalha, e sentiu que não tivesse um buraquinho para a trazer ao pescoço. Quando o carvoeiro chegou a casa, contou-lhe logo o que lhe tinha acontecido, mostrando-lhe a moeda preciosa. O carvoeiro examinou os cunhos e o valor da moeda de ouro, e disse para a mulher:

- Esse forasteiro era nada mais nada menos do que o nosso príncipe!

E o bom do homem não podia conter-se de alegria, por sua alteza ter achado as suas batatas melhores do que faisões.

É necessário confessar, disse ele com um ar triunfante, que não há talvez no mundo um terreno mais favorável do que este para a cultura das batatas; hei de lhe levar um cesto delas, já que as acha tão boas.

E partiu imediatamente para o palácio com uma provisão de batatas escolhidas. Os lacaios e as sentinelas ao princípio não o queriam deixar entrar; mas insistiu energicamente, dizendo que não vinha pedir nada, e que pelo contrário vinha trazer alguma coisa.

Foi, pois, introduzido na sala da audiência.

- Meu senhor, disse ele ao príncipe: Vossa alteza dignou-se recentemente pedir hospitalidade à minha mulher, e dar-lhe uma peça de ouro, em troca duma enxerga miserável e de um prato de batatas cozidas. Era pagar demasiadamente, apesar de serdes um príncipe muito rico e poderoso. Eis o motivo porque eu venho trazer ainda a vossa alteza um cestinho das batatas, que vos souberam melhor do que os vossos faisões. Dignai-vos aceitá-las, e, se nos fizerdes de novo a honra de ser nosso hóspede, lá as encontrareis sempre ao vosso dispor.

A honrada simplicidade do camponês agradou ao príncipe, e, como estava num momento de bom humor, fez-lhe doação de uma quinta com trinta jeiras de terra.

Ora o carvoeiro tinha um irmão muito rico, mas invejoso e avarento, que, sabendo da fortuna do irmão mais novo, disse consigo: - Porque não me há de suceder a mim outro tanto? O príncipe gosta do meu cavalo, pelo qual lhe pedi sessenta libras, que ele me recusou. Vou lhe fazer presente dele: se deu ao João uma quinta com trinta jeiras de terra, simplesmente por um cesto de batatas, a mim com certeza me há de recompensar ainda mais generosamente.

Tirou o cavalo da estrebaria e levou-o para defronte das portas do palácio; recomendou ao criado que o segurasse, e, atravessando com ar altivo as alas dos lacaios, penetrou na sala da audiência.

- Ouvi dizer, disse ele, que vossa alteza gosta do meu cavalo; não tenho querido trocá-lo a dinheiro, mas dignai-vos permitir-me que lhe ofereça.

O príncipe viu imediatamente onde o nosso homem queria chegar, e disse consigo: - Deixa estar, tratante, que te vou dar a paga que mereces.

Depois dirigindo-se a ele:

- Aceito a tua dádiva, mas não sei como agradecer-te condignamente. Oh! espera um pouco: Eis aqui um cesto de batatas mais saborosas do que faisões. Custaram-me trinta jeiras de terra. Parece-me que é um bom preço para um cavalo, que eu poderia ter comprado por sessenta libras.

E entregando-lhe o cesto, mandou-o embora.


*
Ilustração de Joba Tridente - 2013


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (17.9.1850 - 7.7.1923) foi jornalista, escritor, e também se envolveu com política. Um dos mais importantes escritores portugueses é autor, entre outros, de: Viagem À Roda Da Parvónia, A Morte De D. João (1874), Contos para a Infância (1875), A Musa Em Férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os Simples (1892), Oração Ao Pão (1903), Oração À Luz (1904), Gritos da Alma (1912), Pátria (1915), Poesias Dispersas (1920). Algumas obras estão disponibilizadas gratuitamente no Projeto Gutemberg.

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