Conheci o
livro Poesia da Viola (Folclore Paulista),
de Amadeu Amaral, lançado em 1921,
vasculhando o fascinante arquivo digital do projeto Brasiliana USP. Trata-se de uma interessante “Conferência proferida em S. José do Rio Pardo, em 8 de Junho de 1921,
a beneficio integral do Asilo de Inválidos «Padre Euclides Carneiro», daquela
cidade, e mandada imprimir pela mesma instituição, ainda a seu beneficio.”
Compilei três distintas modas,
acompanhadas da análise de Amadeu Amaral.
Poesia
da Viola (Folclore Paulista)
Flores do Campo e a Poesia do Povo.
(...) Essa poesia do povo é singela, é humilde e
é rude como as florezinhas do campo. Mas, convém que se note, muitas vezes ela
é menos singela, menos humilde e menos rude do que se nos afigura. Assim como
entre aquelas flores algumas há que apenas parecem ligeira diferenciação de
folhas, com as quais por pouco se não confundem, assim, entre os versos do
povo, há as que mal se destacam da prosa corriqueira por um ligeiro artificio
de ritmo e de rima. Mas também há versos que lembram aquela corola de há
pouco, a denunciarem um trabalho já relativamente adiantado. Há coisas que são
aleijões; há outros que são milagres de arte, reunindo a maior espontaneidade à
maior força de expressão, o mais doce lirismo ao realismo mais intenso, -
límpidas condensações de verdade, de beleza e de graça. O ponto está em se lhes
dispensar alguma atenção, e algum carinho, em se examinarem de perto - como
quem toma entre os dedos, amorosamente, uma florinha do campo.
A "Moda" Romântica
Encontram-se entre as modas coisas encantadoras pelo perfume de poesia silvestre, ora
acre, ora suave, que desprendem. Escute-se esta curiosa narrativa, colhida por
um de meus amigos em Porto Ferreira:
No tempo que fui tropeiro,
por esse mundo viajava.
A besta de cabeçada
de flores eu enfeitava.
Batia a carga no rancho,
as cangalhas arrumava;
botava um couro no centro,
a minha cama arranjava.
De noite eu pegava o pinho,
lindas canções eu cantava...
Lembrei-me da moreninha
que no meu bairro morava.
Foi numa noite estrelada,
vespra do
galo cantar;
eu junto com a moreninha
sentemo de se
apartar.
Na hora da despedida,
nós não pudemos falar;
nós dois chorava baixinho
pra ninguém não escutar.
Uma despedida oculta
é custoso de aguentar ;
ante uma
bala no peito,
morrer sim, mas não penar. (*)
(*) É
curioso notar como as ideias poéticas se repetem, até com grandes distancias e
muitos séculos de permeio. Compare-se esse final com o remate desta estrofe de
Enzo re, poeta dos primeiros tempos da literatura italiana:
Giorno
non ho di posa,
come
nel mare l'onda:
core,
chè non ti smembri?
Esci
di pene e dal corpo ti parte:
ch’assai
val meglio un'ora
morir,
che ognor penare.
(Francesco
De Sanctis - Storia de la Letteratura Italiana, I.)
*
Foto-Ilustração
de Joba Tridente - 2014
Amadeu Amaral (1875-1929), poeta, folclorista,
filólogo e ensaísta. Autodidata (assistiu algumas aulas do Curso Anexo da
Faculdade de Direito), ingressou no jornalismo trabalhando no Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo, Gazeta
de Notícias. No Brasil, foi o primeiro a estudar cientificamente um dialeto
regional. Dialeto Caipira, publicado
em 1920, escrito à luz da linguística, estuda o linguajar do caipira paulista
da área do vale do rio Paraíba, analisando suas formas e esmiuçando-lhe o
vocabulário. Poesia: Urzes (1899); Névoa (1902); Espumas
(1917); Lâmpada Antiga (1924). Ensaios: Letras floridas (1920); O
dialeto caipira (1920); A Poesia da
Viola - Folclore Paulista (1921), O
elogio da mediocridade (1924). Póstumo:
Memorial de um passageiro de bonde
(1931), Tradições populares (1948).
Fonte: Academia Brasileira de
Letras.
Nota: Link da versão pdf do livro Storia
de la Letteratura Italiana I.,
de Francesco De Sanctis (1817-1883), lançado em 1870, que encontrei na web.
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