Fosse o Robin, do divertido seriado pop Batman, ele diria: Santa coincidência, Joba!
Será? É que estava pesquisando sobre a escritora e cronista Júlia da Costa (1844-1911), para postagem nesta Semana da Mulher, confundi com a notória professora paranaense Júlia Wanderley (1874-1918), e, por erro de digitação, encontrei a escritora carioca Júlia Lopes de Almeida, que morreu há oitenta anos, mais precisamente em 30/05/1934. Fuxicando pela rede, o primeiro material da escritora que encontrei
foi a edição de crônicas Livro das Donas
e Donzellas (Francisco Alves & Cia, 1906),
no site Biblioteca Virtual de Literatura, que disponibiliza obras de Domínio
Público. Entre as curiosas crônicas de um ontem de contradições (?) estão estas
três: O Vestuário Feminino, A Arte de Envelhecer e a atualíssima A Mulher Brasileira. Ia postar somente
a última, sobre a mítica mulher brasileira que, ainda hoje, é conhecida (no
Brasil) e no mundo como desfrutável. Mas, ao ler as duas outras, achei que a
liga das três provoca um curto ou longo circuito na contemporaneidade. Confira
a terceira postagem:
A Mulher Brasileira
Júlia Lopes de Almeida
O
europeu tem a respeito da mulher brasileira uma noção falsíssima. Para ele nós
só nascemos para o amor e a idolatria dos homens, sendo para tudo mais o
protótipo da nulidade.
Dir-se-ia
que a existência para nós desliza como um rio de rosas sem espinhos e que
recebemos do céu o dom escultural da formosura, que impõe a adoração... Nem uma
nem outra coisa. Nem a mulher brasileira é bonita, se não nos curtos anos da
primeira mocidade, nem tão pouco a sociedade lhe alcatifa a vida de
facilidades. Ela é exatamente digna de observação elogiosa pelo seu caráter
independente, pela presteza com que se submete aos sacrifícios, a bem dos seus,
e pela sua virtude. A brasileira não se contenta com o ser amada: ama; não se
resigna a ser inútil: age, vibrando à felicidade ou à dor, sem ofender os
tristes com a sua alegria e sabendo subjugar o sofrimento. Parecerá por isso
indiferente ou sossegada, a quem não a conhecer senão pelas exterioridades. Mas
não tivesse ela capacidade para a luta e ainda as portas das academias não se
lhe teriam aberto, nem teria conseguido lecionar em colégios superiores. A
esses lugares de responsabilidade ninguém vai por fantasia nem chega sem
sacrifícios e coragem. Apesar da antipatia do homem pela mulher intelectual,
que ele agride e ridiculariza, a brasileira de hoje procura enriquecer a sua
inteligência frequentando cursos que lhe ilustrem o espírito e lhe proporcionem
um escudo para a vida, tão sujeita a mutabilidades....
Se
o seu temperamento é cálido e voluptuoso, a sua índole é honesta e ativa e o
seu pensamento despido de preconceitos.
Se
uma mulher brasileira, (se há exceções? há-as de certo!) cai de uma posição
ornamental em outra humilde, é de rosto descoberto que dia procura trabalho
então vai ser costureira, mestra, tipógrafa, telegrafista, aia, qualquer coisa,
conforme a educação recebida, ou o ambiente em que vive...
Nessas
ações, não há simplicidade, - há estoicismo e uma compreensão perfeita da vida
moderna: que é a guerra das competências. A brasileira vive ociosa; é uma frase
injusta e que anda a correr mundo, infelizmente sem protesto. Porque?
Toda
a gente sabe que no Brasil só não amamenta os filhos a mulher doente, aquela
que não tem leite ou que o sabe prejudicial em vez de benéfico!
Ricas
ou pobres, as mães só tem uma aspiração: - aleitar, criar os seus filhos! Este
exemplo devia ser citado, porque, à proporção que esta virtude se acentua entre
nós, parece que nos países mais civilizados vai se tornando escassa!
A
mulher brasileira ama com mais intensidade, talvez; dedica-se toda, sem medo de
estragar a sua beleza, às comoções da vida. Aí vemos as pobres mulheres dos
soldados, seguindo-os à guerra, acompanhando-os nas batalhas, matando quem os
fere, ferindo quem os ameaça, erguendo-lhes das mãos moribundas a espingarda
com que os vingam!
Estas
energias não são filhas do acaso, vêm-nos da mistura de sangues com que fomos
geradas, vêm-nos desta natureza portentosa e que por toda a parte nos ensina
que a vida é uma grande fonte que não deve secar inutilmente!
*
Nos
países tropicais a precocidade é tamanha que a existência da menina passa como
um sopro e começam bem cedo as responsabilidades da mulher. Por vezes o assalto
é tão repentino que não há tempo de preparar na criança o espírito da donzela.
Namorada de si mesma, no deslumbramento da mocidade, ela afigurasse-nos então
frívola e perigosa. Receia a gente pelo futuro da pobre criança, estonteada
pela vida como uma mariposa pela luz. Quanto mais melindrosa é essa quadra,
quanto mais vagares tem a imaginação, alvoroçada pelos sentidos, de arquitetar
castelos mentirosos! Felizes as donzelas pobres, obrigadas pelas circunstâncias
apertadas da vida a empregar a sua inteligência e a sua atividade no trabalho e
no estudo! São as mocinhas que, para irem às aulas que frequentam, engomam as
suas saias ou cosem as suas blusas, as mais habilitadas para a resistência das
paixões ruins. Decididamente, o trabalho é o melhor saneador de almas! E nós
precisamos da nossa muito sã, porque só a virtude da mulher pode salvar os
homens, seus filhos e seus irmãos, no descalabro das sociedades arruinadas ou
em deliquescência... A nossa força está na nossa bondade e no nosso critério,
coisas que, quando não são naturais, fazem-se pela vontade.
Nós,
as brasileiras, perdemo-nos pelo excesso de sentimento. Ainda não aprendemos a
dominar o nosso coração, que se dá em demasia, sem colher por isso grandes
resultados...
O
europeu, tratado com rigor pela mãe, não tem por ela menos respeito (talvez
tenha mais!) nem menos carinhos que os nossos filhos têm por nós... que nos
desfazemos por eles em sacrifícios e ternuras! Parece que a blandície perene
enfraquece a alma do indivíduo, tornando-o um pouco indiferente...
*
Há
muito quem afirme que no Brasil a mulher domina como soberana; e já um escritor
português disse dela, relatando as suas observações em um livro de viagem:
"...
A mulher deve ser, entre esta raça, superior a todas as coisas. Vê-la passar na
rua e compreender a comoção que ela causa é ter reconhecido todo o alcance do
seu prestígio. Inspira devoção, tem um culto. Não é mulher companheira do
homem, sua irmã de trabalhos e de penas; é a mulher ídolo, a mulher sacrário.
Mãe, filha, esposa ou cortesã, ela será neste país e para este povo a suprema
instigadora, e a sua vontade, como o seu capricho, terão o cunho autêntico de
leis, assim no lar como nas alcovas. Será ela quem predomine e da sua boa ou má
influência dependerá, talvez, o destino histórico desta nacionalidade."
É
possível que assim seja de futuro, visto que a brasileira de hoje tem mais
ampla noção da vida; a lição passado, porém, desgraçadamente, é outra.
A
verdade, que deve aparecer aqui, é que nos acontecimentos culminantes da nossa
história, aqueles que nos fatos da nacionalidade brasileira iniciam períodos de
renovação e de progresso - a independência, a abolição, a república - a
intervenção da mulher, direta ou indiretamente considerada, quando não foi nula
foi hostil.
Entretanto,
estes fatos, para só falar dos príncipes, tiveram todos longa, persistente,
tenacíssima propaganda, e realizaram-se sem a mulher ou... apesar da mulher!
A
sinceridade deste livro, exige este desabafo doloroso.
*
Foto-Ilustração de Joba Tridente - 2014
Júlia Lopes
de Almeida (Rio de Janeiro: 1862 - 1934), foi escritora, cronista,
teatróloga. Seus primeiros artigos foram publicados aos 19 anos na A Gazeta de Campinas e, depois, em O País, Jornal do Commercio, A
Semana, Ilustração Brasileira,
Tribuna Liberal. Foi casada com o
escritor português Felinto
de Almeida. Seus filhos Afonso Lopes de Almeida, Albano Lopes de Almeida e
Margarida Lopes de Almeida também seguiram a carreira literária. Aos 24 anos
lançou em Portugal o seu primeiro livro: Traços
e Iluminuras. Entre os mais de 40 livros de contos, romances, teatro,
crônicas, estão: Romance: Memórias de Marta (1889); A Família Medeiros (1892); A Viúva Simões (1897); A Falência (1901); A Intrusa (1908); Cruel Amor
(1911); Correio da Roça (1913); A Silveirinha (1914); A Casa Verde - com Filinto de Almeida
(1932); Pássaro Tonto - póstumo
(1934); Conto: Traços e Iluminuras (1887); Ânsia
Eterna (1903); Era uma Vez
(1917); A Isca (1922); Teatro: A Herança (1909); Quem Não
Perdoa; Doidos de Amor; Nos Jardins de Saul (1917); Crônica: Livro das Donas e Donzelas – 1906; Jornadas no Meu País (1920); Infantil
e juvenil: Contos Infantis - com
Adelina da Silveira Lopes (1886); Histórias
da Nossa Terra (1907); A Árvore -
com Afonso Lopes de Almeida(1916); Ensaio:
Livro das Noivas (1896); Eles e Elas (1910); Jardim
Florido (1922); Maternidade
(1925). Fontes Biográficas: Wikipédia; Enciclopédia
Itaú Cultural - Literatura Brasileira e Biblioteca Virtual de Literatura.
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