Ah, as coincidência! Na quinta-feira, 5/6/2014,
vi uma postagem curiosa no Facebook: Um
pinto contra Francisco Sá, sobre uma estudante diariamente cantada
por um porteiro, no Rio de Janeiro. Cansada do assédio, exatamente no dia e
hora em que resolveu reagir, ia passando uma repórter que aproveitou o desabafo
da garota para fazer uma matéria. O que deu algum pano pra manga! Neste dia eu
estava terminando de ler Contos Populares
do Brasil 2 (1897), recolhidos por Silvio Romero, e, para a minha surpresa,
eis que, entre os últimos contos da Seção
Terceira: Contos de Origem Africana e Mestiça, encontrei O Caboclo Namorado (Sergipe) e Mulher Gaiteira (Rio de Janeiro) que,
coincidentemente, falam de cantada, de assédio sexual etc. Divirta-se..., ou
não. Ai! Ai! Ai!!!!
O Caboclo Namorado
Havia uma moça casada muito
bonita. Por sua porta passava sempre um caboclo e numa ocasião virou-se para
ela e disse-lhe: “Adeus, meu cravo.” A
moça fez que não ouviu e calou-se. No outro dia o caboclo passou e tomou a
dizer a mesma coisa. A moça, não podendo mais chegar à janela, porque todas as
vezes que o caboclo passava, dizia-lhe: “Adeus,
meu cravo”, queixou-se ao marido. Este disse-lhe: “Não te importes, e quando ele te disser ‘adeus, meu cravo’, tu
responde-lhe ‘adeus, minha rosa’, e deixa o resto por minha conta.” No dia
seguinte o caboclo passou e repetiu: “Adeus,
meu cravo.”
Ela virou-se para ele e
respondeu: “Adeus, minha rosa.” O
caboclo saiu rindo-se de contente e no outro dia já não disse “Adeus, meu cravo”, e sim perguntou à
moça se ela dava licença a ele ir a casa dela à noite. A senhora ficou
incomodadíssima e não deu-lhe resposta. Chegando o marido, ela participou-lhe o
ocorrido, ao que ele respondeu: “Amanhã
dize-lhe que eu fiz uma viagem e que tu dás licença para ele vir conversar
contigo à noite.” Quando o caboclo passou dirigiu à moça a mesma pergunta,
esta respondeu-lhe tudo quanto o marido tinha lhe dito. À noite chegou o
caboclo, indo muito cheiroso e bem vestido. Já o marido da moça tinha munido
dois criados, cada qual com um chicote de couro cru, e mandado deitar debaixo
da cama grande porção de cansanção.
O caboclo logo que foi chegando
disse à moça que queria ir para o quarto e que ela apagasse a luz que o estava
incomodando. Depois tirou toda a roupa com que estava vestido e deitou-se
dizendo que estava com muito sono. Nisto o marido da moça fingiu ter chegado da
viagem e esta disse ao caboclo que se escondesse debaixo da cama. O moço entrou
e deitou-se, alegando que vinha muito cansado. De espaço a espaço ele ouvia
como que uma espécie de grunhido sair debaixo da cama. Passado um bom pedaço e
o rapaz ouvindo sempre a mesma coisa, perguntou: “Quem está aí?” Responde-lhe o caboclo: “Sou eu, cachorro.” Diz o moço: “Oh,
e cachorro fala?” Replica-lhe o caboclo: “Falo eu.” Aí o moço levantou-se e com uma luz na mão olhou para
debaixo da cama e viu o caboclo no meio dos cansanções, inchado como uma pipa e
todo se coçando. O moço chamou os criados que já estavam preparados e ordenou: “Empurrem-lhe o chicote.”
O caboclo depois de ter levado
uma tunda, saiu que mal acertava o caminho de casa. Levou muito tempo se
tratando da grande surra que levou.
Depois de muito tempo e quando já estava bom,
passou de novo o caboclo pela porta da moça, mas muito desconfiado e de cabeça
baixa. Esta para bulir com ele disse-lhe: “Adeus,
meu cravo.” Ele virou-se para ela e respondeu muito zangado: “Adeus, seu diabo!”
*
Ilustração
de Joba Tridente. 2014
Silvio Romero (1851 -
1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Romero foi
um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para
diversos jornais. Entre outras obras é autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);
Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883);
Contos Populares do Brasil (1885);
Contos Populares do Brasil 2 (1887);
História da literatura brasileira, I e II
(1888); A poesia popular no Brasil
(1880); Compêndio da História da
Literatura Brasileira (1906).
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