domingo, 1 de junho de 2014

Wilson Bueno: Moscas

Ontem. 31 de Maio de 2014. Há 4 anos o escritor e jornalista paranaense Wilson Bueno foi brutalmente assassinado. Em 1 de Abril de 2014 seu assassino confesso foi inocentado.

Trabalhei com Wilson Bueno durante cinco anos (1990-1995), como editor gráfico do Jornal NICOLAU. Com o fim do jornal, Wilson Bueno se dedicou à crítica literária e à sua literatura, reconhecida nacional e internacionalmente, para a frustração (e inveja mortal!) de “escritores” medíocres que, sem talento e estilo, e não conseguindo ir além do seu diminuto quintal, buscam difamá-lo.

Em 13 de Março de 2014, quando Wilson Bueno completaria 65 anos, ao selecionar alguns textos breves, do seu raríssimo Manual de Zoofilia¹, encontrei, além dos que postei, estes três: Anjos, Borboletas, Moscas, que, sei lá, me pareceram premonitórios. E muito bem direcionados!



M O S C A S
Wilson Bueno

Flagrar do lixo o novo inútil, o luxo, com olhos multifacetados de ver, plurais, muito adiante da aparente imaginação das coisas - este quintal, 0 sonho no chão - pisado como a utopia no coração de um homem triste.
Alhear-se com 0 voo delas, que zumbe, por entre doces, frutos, fezes, terra.
Colher, deste silêncio, o que o acaso, pura semente, traz no vento e deita, com extrema delicadeza, por entre as vísceras e a carcaça de um velhíssimo tênis - o dom da vida, a flor, a insistência em verde da esperança.
Ouvir, de núpcias com o setembro, a humílima nota, em oboé, que mesmo a junho geada, será capaz do exato anúncio da primavera. Revoam grávidas do oco que apodreceu no mijo. Exalam?
Compreender, cego sob a neblina fria, que os paletós, com seus vultos que andam, tenham asas (olhos?) e corno que voem no denso fog da madrugada. Do jeito de quem pega nas mãos o sinistro do Deus que vigora no abandono. A morte põe ovos no nariz dos afogados.
Para só então (não me olhes assim tão mil), adivinhar, com espanto, qual das mãos é a Dele - se a que pereniza a iminente morte das coisas ou a que põe no limbo a farsa de nova existência estrelada. Medusas.
Feito o vício imortal (insistes?) de existir a qualquer preço.

1. Manual de Zoofilia é uma rara edição artesanal de apenas 350 exemplares, editado na primavera de 1991, pela Editora Noa Noa, do escritor e tipógrafo Cleber Teixeira (1938-2013). O opúsculo traz trinta textos curtos de um fascinante tratado poético sobre a fauna. Link para a postagem anterior: Pardais, Corroíras, Colibris.

*
Ilustração de Joba Tridente – 2014


Wilson Bueno (1949-2010): escritor, cronista e jornalista. Um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Entre as suas principais obras estão: Bolero's Bar (1986); Manual de Zoofilia (1991); Mar Paraguayo (1992); Pequeno Tratado de Brinquedos (1996); Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000); Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004); Pincel de Kyoto (2007); A Copista Kafka (2007); Mano, A noite Está Velha (2011).

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