Para quem já não aguenta mais tanta notícia ruim no telejornalismo (com
suas trilhas sonoras piegas) e jornais impressos, com suas manchetes
sangrentas, um excelente artigo publicado no Observatório
da Imprensa:
Outras razões para a pauta negativa
Por Venício A. de Lima em 19/05/2015 na edição 851
O sempre
interessante Boletim UFMG que traz, a cada
semana, notícias do dia a dia da Universidade Federal de Minas Gerais, informa,
na edição de 4 de maio [Ano 41, nº 1.902], sobre trabalho desenvolvido por
grupo de pesquisa do Departamento de Ciência da Computação (DCC) em torno da
“análise de sentimento” que relaciona o sucesso das notícias com sua
polaridade, negativa ou positiva.
Vale a pena
conferir o artigo que originou a matéria (disponível aqui) e será apresentado, ainda este
mês, em conferência internacional sobre weblogs e mídia social na Universidade
de Oxford, Inglaterra.
Utilizando
programas de computador desenvolvidos pelo DCC-UFMG, foram identificadas,
coletadas e analisadas 69.907 manchetes veiculadas em quatro sites noticiosos
internacionais ao longo de oito meses de 2014: The New
York Times, BBC, Reuters e Daily Mail. E
as notícias foram agrupadas em cinco grandes categorias: negócios e dinheiro,
saúde, ciência e tecnologia, esportes e mundo.
As conclusões da pesquisa são
preciosas.
Notícia
negativa atrai mais leitores(as)
Cerca de 70% das notícias diárias estão
relacionadas a fatos que geram “sentimentos negativos” – tais como catástrofes,
acidentes, doenças, crimes e crises. Os textos das manchetes foram relacionados
aos sentimentos que elas despertam, numa escala de menos 5 (muito negativo) a
mais 5 (muito positivo). Descobriu-se que o sucesso de uma notícia [vale dizer,
o número de vezes em que é “clicada” pelo eventual leitor(a)] está fortemente
vinculado a esses “sentimentos” e que os dois extremos – negativo e positivo –
são os mais “clicados”. As manchetes negativas, todavia, são aquelas que atraem
maior interesse dos leitores(as).
Das cinco categorias de manchetes
analisadas, a mais homogênea é a categoria “mundo”, onde só foram encontradas
manchetes sobre catástrofes, sugerindo implicitamente que o país onde a notícia
é produzida seria mais seguro do que os outros.
Descobriu-se também, ao contrário da
expectativa dos pesquisadores, que os comentários postados por eventuais
leitores(as) tendem a ser sempre negativos, independentemente do “sentimento”
provocado pelo conteúdo da notícia.
Razões
para a pauta negativa
Embora
realizado com base em manchetes publicadas em sites internacionais – não
brasileiros – os resultados do trabalho dos pesquisadores do DCC-UFMG nos
ajudam a compreender a predominância do “jornalismo do vale de lágrimas” (ver,
neste Observatório, “O vale de lágrimas é aqui”) na grande mídia
brasileira.
Para além da partidarização seletiva
das notícias, parece haver também uma importante estratégia de sobrevivência
empresarial influindo na escolha da pauta negativa. Os principais telejornais
exibidos na televisão brasileira, por exemplo, estão se transformando em
incansáveis noticiários diários de crises, crimes, catástrofes, acidentes e
doenças de todos os tipos. Carrega-se, sem dó nem piedade, nas notícias que
geram sentimentos negativos. Mais do que isso: os(as) âncoras dos telejornais,
além das notícias negativas, se encarregam de editorializar (fazer comentários)
invariavelmente críticos e pessimistas reforçando, para além da notícia,
exatamente os aspectos e consequências funestas de toda e qualquer notícia.
Existe, sim, o risco do esgotamento.
Cansado de tanta notícia ruim e sentindo-se impotente para influir no curso dos
eventos, pode ser que o leitor/telespectador(a) brasileiro afinal desista de se
expor a esse tipo de jornalismo que o empurra cotidianamente rumo a um
inexorável “vale de lágrimas” mediavalesco.
Triste mundo esse em que vivemos.
Pautar preferencialmente o negativo se transformou, para além da política, em
estratégia de sobrevivência empresarial.
Por enquanto, parece, está dando certo.
A ver.
*
Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos
Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana
Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática –
conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros
livros.
*
Foto e
Ilustração de Joba Tridente para esta postagem no Falas ao Acaso.
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