Conheci este divertido conto O Preguiçoso e o Demônio, do genial
compositor e folclorista Zé do Norte,
em 2003, na edição 55 da Revista Digital Jangada
Brasil. Ele se encontra no livro Zé
do Norte - Brasil Sertanejo: Narrativas, Poemas, Histórias, Anedotas,
Linguajar, Comentários - Rio de Janeiro, 1948.
O Preguiçoso e o Demônio
Seu João era 
o sujeito  mais 
preguiçoso  que 
existia no lugar . Um 
dia  ele 
foi ao mato  escolher 
um  lugar 
para  fazer  uma roça . Chegando no determinado 
lugar , não 
teve mais  coragem ,
deitou-se e dormiu um  sono . Quando 
acordou, ainda  com 
mais  preguiça ,
disse: Isto  não 
está direito . Deus 
não  se lembra de mim ,
eu  preciso 
ter  quem  me  ajude de qualquer 
maneira . Seja Deus 
ou  até 
o demônio , eu 
quero é botar  uma grande 
roça .
De repente ,
ele  ouviu uma voz 
dizer :
- Seu 
João, o senhor  quer 
que  lhe 
ajude a fazer  sua 
roça ?
Seu João respondeu:
- Ora ,
ainda  pergunta 
se defunto  quer 
buraco ?
Então
uma voz  gritou:
- Vamos todos 
ajudar  o seu 
João, que  ele 
está precisando de nós . E seu  João viu, na sua 
frente , uma roça 
prontinha.
Mas o demônio 
disse:
E seu 
João, muito  satisfeito ,
foi para  a. casa 
e disse à mulher :
- Agora 
eu  tenho quem 
me  ajude. Tenho uma roça 
e lá  só 
quem  pode mexer 
sou eu  e mais 
ninguém .
A mulher 
perguntou:
- Por 
que ? Eu 
não  sou sua 
mulher ?
- É um 
contrato  que 
fiz com  meu 
amigo  e protetor .
A roça 
estava uma maravilha . Tinha  tudo : milho , feijão , abóbora , melancia  e muitas
outras coisas . Então 
disse seu  João:
- Eu 
vou fazer  uma viagem 
e só  volto daqui a uma semana . Você  não  vá à roça , senão ...
- Senão 
o que ?
- Senão 
pode haver  muita 
coisa .
Quando já 
faziam mais  ou 
menos  quatro 
dias  que 
seu  João viajava, a mulher 
foi fazer  uma experiência .
Entrou na roça , viu milho 
verde  e teve desejo 
de comer . Imediatamente 
quebrou uma espiga . De repente , uma voz 
gritou:
- Quem 
está aí ?
Dona Rosa 
respondeu:
- É a mulher 
de seu  João.
- Então  vamos todos  ajudar  a mulher  do seu 
João a quebrar  milho .
E, dentro 
de dez  minutos 
não  tinha 
nem  mais 
um  pé 
de milho . A mulher 
ficou horrorizada. Mas , deu-lhe desejo  de comer  feijão  e quando 
pegou na primeira  vagem ,
a voz  perguntou:
- Quem 
está catando feijão ?
- É a mulher 
de seu  João.
- Então 
vamos ajudar  a mulher 
de seu  João.
E, afinal 
de contas , dentro 
de poucas horas  a roça 
não  tinha 
mais  nada .
A mulher 
ficou como  uma maluca .
Não  sabia o que 
fazer . Quando 
chegou seu  João e vendo aquele  espalhafato ,
pegou a mulher  e deu-lhe um  tapa . Então  a voz 
perguntou:
- Quem 
está batendo aí ?
- É seu 
João que  está batendo na mulher .
- Então 
vamos todos  ajudar 
seu  João a bater 
na mulher .
E dentro 
de um  minuto 
estava à morte  a mulher 
de seu  João. Vendo isso ,
o roceiro  preguiçoso 
deu um  grito 
e bateu no peito  pedindo misericórdia .
- Quem 
está batendo aí ?
Outra voz 
respondeu:
- É seu 
João que  está batendo no peito .
- Então 
vamos todos  ajudar 
seu  João a bater 
no peito .
E em  pouco  tempo  seu  João
levou tanto  tapa 
que  acabou morrendo.
Isso para 
deixar  de ser  preguiçoso . 
*
Ilustração
de Joba Tridente.2015
ZÉ DO NORTE, ou Alfredo Ricardo do Nascimento
(1908-1979), foi cantor, compositor, radialista, folclorista, escritor. Aos 9
anos já encarava a dura lida na roça. Em 1921 serviu o Exército no Rio de
Janeiro, onde começou sua carreira artística. Cantou nos programas Deligue, Faz
Favor e Hora Sertaneja, da Rádio Transmissora, e também se apresentou nas
rádios Fluminense, Clube do Brasil, Guanabara, Tupi, assumindo, em 1940, o
pseudônimo de Zé do Norte. Em 1948 publicou Brasil Sertanejo e em 1953 foi
consultor de prosódia sertaneja para o filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, e
também autor da clássica Mulher Rendeira, incluída na trilha. Zé do Norte
também compôs, entre outros sucessos, Sodade Meu Bem Sodade, gravada pela
primeira vez por Vanja Orico (1931-2015), e Lua Bonita, que tem bela gravação
de Raul Seixas (1945-1989). 

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