Selecionando alguns textos do livro Lyra Popular Brasileira - Completa
e Escolhida Colleção de Modinhas, Recitativos e Lundus, Duetos, Canções e
Poesia - cuidadosamente coordenada por José Vieira Pontes - 6ª edição Muito
melhorada com novas producções de melhores autores - C. Teixeira & Cia
Editores – São Paulo – 1927, encontrei dois românticos e singelos poemas: Uma Visita Médica, de Damasceno Vieira e Seios, de Accacio Antunes.
Bom, na verdade, o primeiro é romântico e, em sua ingenuidade, até sensual..., enquanto que o segundo me parece uma tentativa (involuntariamente
divertida) de definir “poeticamente” os Seios.
Então, fique, hoje, com Uma Visita
Médica, de Damasceno Vieira, e,
amanhã, com Seios, de Accacio Antunes.
Uma Visita Médica
Damasceno Vieira
O
banqueiro lhe diz: «Mandei chamá-lo
Para
ver que moléstia impertinente
Incomoda Leonor.
Ela
é muito nervosa: um forte abalo
Prostrou-a;
sobreveio febre ardente.
Examine-a,
doutor.
Queira
entrar para a alcova.»
No aposento,
Entre
a espumosa alvura das cortinas
Cerradas por igual,
Repousa
um anjo lindo e sonolento
Sobre o macio frouxel das rendas finas
Do
leito virginal.
Havia
ali, no recatado ambiente,
Grato
aroma de cravos e baunilha,
E um tépido calor.
Afastando
as cortinas levemente,
Diz
o pai carinhoso: «Minha filha,
Aqui tens o doutor.»
Vermelhas
de rubor as faces belas,
Ela
os olhos, que há pouco dormitavam,
Abrindo à viva luz,
Casta
e surpresa, confrangeu as telas
Sobre
os seios que livre palpitavam
Formosamente nus...
Para
ver se a moléstia era do
peito,
O
médico auscultou-a, gravemente,
Sobre o dorso gentil,
Conchegando-a,
com íntimo respeito
E
ouvindo o forte coração ardente
A palpitar febril...
Auscultou-a,
enlevado, ao ver aquela
Perfeição
de mulher, lembrando a Vênus
Que em Milo floresceu,
A
branca estátua, altivamente bela
—
A glória de escultura dos helenos —
Que o Louvre recolheu.
Colado
o ouvido à pele cetinosa
Da
donzela que a medo estremecia
De cândido pudor,
Ele
escutava a música nervosa
Do
peito, que cantava a melodia
De apaixonado amor.
Ah!
quanto desejara que a visita
Fosse
longa, bem longa, interminável,
Em êxtase assim!...
Mas,
repelindo o sonho em que se agita,
Tranquiliza
o bom velho impressionável
E receita por fim.
Manda
vir um calmante, e prazenteiro,
Vê
a febre ceder incontinente:
Sorri de orgulho então.
Mas
ao sair da casa do banqueiro,
Percebe,
dentro de si, novo doente:
— 0 próprio coração.
*
Ilustração
de Joba Tridente. 2015
Acredito que o autor
deste lírico poema seja o escritor
gaúcho João DAMASCENO VIEIRA Fernandes (1853-1910), também jornalista,
dramaturgo e historiador brasileiro, e não o filho Arnaldo Damasceno Vieira (1879-1951). No livro não consta dados
biográficos e, segundo informações na Wikipédia,
João Damasceno cursou a Escola Normal,
mas optou pelo funcionalismo público. Iniciou carreira na Tesouraria da Fazenda
do Estado e, com a Proclamação da República, após perseguição política, trabalhou
na alfândega em Santos e na Bahia. Damasceno foi membro da Sociedade Pártenon Literário, da
Sociedade Ensaios Literários e do Instituto
Geográfico Brasileiro. Na Bahia integrou O Grêmio Literário e a Nova
Cruzada. Vieira, que também usou o pseudônimo de Luciano Aguiar, é autor de: Ensaios
tímidos (1872); Uma
história de amor (1876); Auroras
do sul (1879); Adelina
(1880); O casamento de Sara
(1884); A musa moderna (1885); Ecos de Paris (1886); Arnaldo (1886); Anália (1889); Uruguaiana
(1889); A voz de Tiradentes (1890); Através do Rio da Prata (1890); Os gaúchos (1891); Escrínios (1892); Poemetos e quadros (1895); Brinde a Olímpio Duarte (1897); Castro Alves (1898); A flor de manacá (1900); A crítica na literatura crítica (1907); Albatrozes (1908); Epinício ao general Osório; Esboços literários. A edição digital Lyra Popular Brasileira (1927) é disponibilizada pela Brasiliana-USP.
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