segunda-feira, 6 de julho de 2015

Trajano Galvão: O Nariz Palaciano

Do escritor maranhense Trajano Galvão de Carvalho, em julho de 2013, postei a exaltação O Brasil e, em novembro de 2014, a sua tradução para o divertido poema O Caçador e a Leiteira, de Jean Pierre de Béranger. Os dois poemas se encontram no livro Sertanejas (1898), de onde retirei a pérola O Nariz Palaciano (1856). Em frustrantes tempos de votos dos devotos nos seus santos do pau oco, me parece (ainda) pertinente por demais. Ah, atualizei a grafia de uma ou outra palavra...



O Nariz Palaciano
Trajano Galvão

Festivais repicam os sinos,
Troa no Forte o canhão;
Correm velhos e meninos,
Ferve todo o Maranhão:
Vêm doutores, vêm soldados,
E os públicos empregados
Com seu ilustre inspetor.
— Porque acorre tanto povo?...
Chegou Presidente novo,
Nosso Deus, nosso Senhor...

Mineiro papa-torresmo,
Ou baiano caruru?...
Seja quem for, — é o mesmo,
Temos nariz, e eles...
Presidente maranhense?...
Que tolo há que em tal pense?!
Nem por graça isso se diz...
Índio ou chim, não nos desbanca;
Não há mais forte alavanca,
Do que um vermelho nariz.

Feliz três e quatro vezes
Quem rubro nariz sortiu!...
Nos políticos revezes
Que narigudo afundiu?
Diz errada voz inimiga,
Que impera só a barriga
Nos negócios do país;
O que a mente minha alcança,
É que, si o lucro é da pança,
O trabalho é do nariz.

Por isso, no grande entrudo
Que chamam governo cá,
Folga muito o narigudo
Quando nos chega um paxá:
Pencas agudas e rombas,
Mil elefantinas trombas,
Nesse dia tomam sol:
Qual torreia, qual se achata,
Qual na ponta faz batata,
Qual se enrosca e é caracol.

Bem como na culta França,
Cada qual seus animais
Leva cheio de esperança,
Aos concursos regionais:
Este, — um carneiro merino,
Aquele, — um touro turino.
Outro, — um cavalo andaluz!
Tal, quando o mandarim salta,
Um por um, a ilustre malta,
Seu rubro nariz conduz.

E, assim como então é de uso
A chusma da feira erguer
Aos céus o rumor confuso
Dos que vêm comprar, vender;
O anho bala, grunhe o cerdo,
Orneia o jumento lerdo,
Brioso nitre o corcel;
— Tal a turba narigada
Nos trombones a chegada
Festeja do bacharel.

Vem por entre esta harmonia,
O da Corte homem cortês,
Faz à esquerda cortesia,
À destra mesura fez...
Mil narizes sobem, descem;
(Não de pudor) enrubescem
No furor de cortejar.
Vibram talhos de montantes,
Dessas espadas gigantes
Que Roldão soube jogar...

Na câmara do seu palácio,
Vindo da Municipal,
Vê-se o ilustre pascácio
Como pisado num gral:
Curte consigo, nem geme,
Que um bom nariz é bom leme
Posto à popa... em bom lugar !...
Um por um os monstros olha,
Que o trabalho está na escolha...
Do que melhor lhe quadrar.

Por mais que se ponha em guarda,
Apesar de quanto diz,
Vista beca, ou vista farda,
Por força leva nariz...
Porque diz em consciência :
— “Pondo de parte a excelência,
Tu, Presidente, o que és?
Julgas-te inqualificável?
És um ente narigável
Da cabeça até os pés...”

Embora prudente e calmo.
Se um nariz de guarnições.
Puder suspender-te um palmo
Nestes tempos de eleições,
Vai tudo contigo abaixo;
Mais asneiras que um borracho,
Juro-te que hás de fazer...
Pois como do teu ofício
Terás pleno exercício
Se suspenso o hás de exercer ?...

Permita Vossa Excelência
Que aos sábios ponha a questão;
É caso de consciência,
É um quid juris ratão:
— “Nestes contratos ocultos,
Dizei vós, sábios consultos,
Que tendes as leis de cor,
Quem é que fica lesado?
— O mui nobre narigado,
Ou o vil narigador?...”

Maranhão -1856


*
ilustração de Joba Tridente. 2015


Trajano Galvão de Carvalho (1830 - 1864), escritor maranhense, abolicionista, precursor da poesia afro-brasileira. A maior parte do pouco que produziu, a seu pedido, teria sido destruída pela sua esposa. O que escapou das chamas se encontra recolhido no livro Sertanejas, da Editora Fábio Reis & C., de 1898, em que há uma Advertência dos Editores: “...apurado cultor da boa linguagem, purista desafetado, metrificador natural e correto, respeitador da fôrma sem sacrificar o conceito para escravizar-se a ela, explorando na poesia brasileira uma veia quase ignorada, ou raro trabalhada”. A edição que tenho é a digital da Brasiliana USP.

Há pouco material disponível sobre Trajano Galvão. Na web encontrei alguma variação em: Trajano Galvão e a Negritude, de Maria Rita Santos; Trajano Galvão e a luta contra a escravidão, de Lima Coelho; Trajano Galvão, de Jomar Moraes, em Maranharte.

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