Do escritor maranhense
Trajano Galvão de Carvalho, em julho de 2013, postei a exaltação O
Brasil e, em novembro de 2014, a sua tradução para o divertido
poema O
Caçador e a Leiteira, de Jean
Pierre de Béranger. Os dois poemas se encontram no livro Sertanejas (1898), de onde retirei a
pérola O Nariz Palaciano (1856). Em frustrantes
tempos de votos dos devotos nos seus santos do pau oco, me parece (ainda) pertinente
por demais. Ah, atualizei a grafia de uma ou outra palavra...
O Nariz Palaciano
Trajano Galvão
Festivais
repicam os sinos,
Troa
no Forte o canhão;
Correm
velhos e meninos,
Ferve
todo o Maranhão:
Vêm
doutores, vêm soldados,
E
os públicos empregados
Com
seu ilustre inspetor.
—
Porque acorre tanto povo?...
Chegou
Presidente novo,
Nosso
Deus, nosso Senhor...
Mineiro
papa-torresmo,
Ou
baiano caruru?...
Seja
quem for, — é o mesmo,
Temos
nariz, e eles...
Presidente
maranhense?...
Que
tolo há que em tal pense?!
Nem
por graça isso se diz...
Índio
ou chim, não nos desbanca;
Não
há mais forte alavanca,
Do
que um vermelho nariz.
Feliz
três e quatro vezes
Quem
rubro nariz sortiu!...
Nos
políticos revezes
Que
narigudo afundiu?
Diz
errada voz inimiga,
Que
impera só a barriga
Nos
negócios do país;
O
que a mente minha alcança,
É
que, si o lucro é da pança,
O
trabalho é do nariz.
Por
isso, no grande entrudo
Que
chamam governo cá,
Folga
muito o narigudo
Quando
nos chega um paxá:
Pencas
agudas e rombas,
Mil
elefantinas trombas,
Nesse
dia tomam sol:
Qual
torreia, qual se achata,
Qual
na ponta faz batata,
Qual
se enrosca e é caracol.
Bem
como na culta França,
Cada
qual seus animais
Leva
cheio de esperança,
Aos
concursos regionais:
Este,
— um carneiro merino,
Aquele,
— um touro turino.
Outro,
— um cavalo andaluz!
Tal,
quando o mandarim salta,
Um por
um, a ilustre malta,
Seu
rubro nariz conduz.
E,
assim como então é de uso
A
chusma da feira erguer
Aos
céus o rumor confuso
Dos
que vêm comprar, vender;
O
anho bala, grunhe o cerdo,
Orneia
o jumento lerdo,
Brioso
nitre o corcel;
—
Tal a turba narigada
Nos
trombones a chegada
Festeja
do bacharel.
Vem
por entre esta harmonia,
O
da Corte homem cortês,
Faz
à esquerda cortesia,
À
destra mesura fez...
Mil
narizes sobem, descem;
(Não
de pudor) enrubescem
No
furor de cortejar.
Vibram
talhos de montantes,
Dessas
espadas gigantes
Que
Roldão soube jogar...
Na
câmara do seu palácio,
Vindo
da Municipal,
Vê-se
o ilustre pascácio
Como
pisado num gral:
Curte
consigo, nem geme,
Que
um bom nariz é bom leme
Posto
à popa... em bom lugar !...
Um
por um os monstros olha,
Que
o trabalho está na escolha...
Do
que melhor lhe quadrar.
Por
mais que se ponha em guarda,
Apesar
de quanto diz,
Vista
beca, ou vista farda,
Por
força leva nariz...
Porque
diz em consciência :
—
“Pondo de parte a excelência,
Tu,
Presidente, o que és?
Julgas-te
inqualificável?
És
um ente narigável
Da
cabeça até os pés...”
Embora
prudente e calmo.
Se
um nariz de guarnições.
Puder
suspender-te um palmo
Nestes
tempos de eleições,
Vai
tudo contigo abaixo;
Mais
asneiras que um borracho,
Juro-te
que hás de fazer...
Pois
como do teu ofício
Terás
pleno exercício
Se
suspenso o hás de exercer ?...
Permita
Vossa Excelência
Que
aos sábios ponha a questão;
É
caso de consciência,
É
um quid juris ratão:
—
“Nestes contratos ocultos,
Dizei
vós, sábios consultos,
Que
tendes as leis de cor,
Quem
é que fica lesado?
—
O mui nobre narigado,
Ou
o vil narigador?...”
Maranhão
-1856
*
ilustração de Joba Tridente. 2015
ilustração de Joba Tridente. 2015
Trajano Galvão de Carvalho (1830 - 1864), escritor
maranhense, abolicionista, precursor da poesia afro-brasileira. A maior parte
do pouco que produziu, a seu pedido, teria sido destruída pela sua esposa. O
que escapou das chamas se encontra recolhido no livro Sertanejas, da Editora Fábio Reis & C., de 1898, em que há uma
Advertência dos Editores: “...apurado
cultor da boa linguagem, purista desafetado, metrificador natural e correto,
respeitador da fôrma sem sacrificar o conceito para escravizar-se a ela,
explorando na poesia brasileira uma veia quase ignorada, ou raro trabalhada”.
A edição que tenho é a digital da Brasiliana
USP.
Há pouco material disponível sobre Trajano Galvão. Na web encontrei alguma variação em: Trajano Galvão e a Negritude, de Maria Rita Santos; Trajano Galvão e a luta contra a escravidão, de Lima Coelho; Trajano Galvão, de Jomar Moraes, em Maranharte.
Há pouco material disponível sobre Trajano Galvão. Na web encontrei alguma variação em: Trajano Galvão e a Negritude, de Maria Rita Santos; Trajano Galvão e a luta contra a escravidão, de Lima Coelho; Trajano Galvão, de Jomar Moraes, em Maranharte.
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