segunda-feira, 20 de julho de 2015

Otávio Afonso: adeus amor

Conheci Otávio Afonso na década de 1980, em Brasília-DF. Eu trabalhava no Correio Braziliense e ele no CNDA - Conselho Nacional de Direito Autoral. Chegamos a formar, com outros escritores candangos, um grupo de estudos para discutir literatura, principalmente poesia, e até fizemos uma homenagem a Luís de Camões, com leitura de poemas, num evento cultural. Em 1987, convidado por ele, assumi a Chefia da Comunicação Social do CNDA, onde fiquei até 1990, quando o Conselho foi extinto. Eu me mudei para Curitiba onde, a convite do escritor e editor Wilson Bueno (1949-2010), fui Diretor de Arte do Jornal NICOLAU, de 1990 a 1995. Mantive contato com Otávio por mais um tempo..., depois o trabalho foi nos distanciando e só retomamos o contato em 2007, quando ele me ligou e conversamos por um longo tempo e soube que estava em tratamento contra um câncer.

Otávio Afonso foi uma das maiores autoridades e o mais apaixonado pelo Direito Autoral no Brasil, deixando, inclusive, uma importante obra póstuma sobre o assunto: Direitos Autorais: Conceitos Essenciais. Hoje quero lembrar o escritor que, em 1980, recebeu o cobiçado prêmio cubano Casa de Las Américas, com o livro de poema Cidade Morta. Para homenageá-lo, selecionei sete belos e melancólicos poemas de seu blog Chão do Adeus. Destes seus quatro últimos meses de pungente vida literária, escolhi a primeira postagem: infância (15.10.2007) e a última: Lição (13.02.2008). Entre elas: tempo seco (23.10.2007), estrangeiro (9.12.2007), triste carne (28.11.2007), tv-lândia (9.12.2007) e adeus amor (10.01.2008).



QUINTA-FEIRA, 10 DE JANEIRO DE 2008

adeus amor

a) se digo adeus
é pelo cansaço
por correr demais
a procura deste chão

se des-digo
é pela covardia
a falta do meu rio
e tudo que me roubou
as águas do não

se digo adeus
é pelo constume
de sempre andar
como se à frente
houvesse outro chão
a desvendar


b) des-vendar
o que se oculta
nos confins da carne
( ou no último
quadrante da alma)

esse halo que me guarda
como um beijo premonitório
escreve o meu destino

des-atar
o que primeiro se inscreveu
na junção de todos os planetas
e agora se revela
na leitura inóspida
do meu mapa astral


c) noite e dia
a renitente busca
o mudo esforço
pois astro algum
me pesa ao dorso

dia e noite
mais persigo
o revide do tempo
que a posição dos signos
na constelação do nada

se fico
é pelo terrível
: o calafrio que dá:

se digo adeus


Postado por Otávio Afonso às 15:29
*
Ilustração de Joba Tridente. 2015



Otávio Afonso (1953-2008) nasceu em Porto Velho (RO). O Jornalista e escritor foi o primeiro autor brasileiro a ganhar o prêmio Casa de Las Américas, em Havana/Cuba, em 1980, com o livro de poesias Cidade Morta. Otávio, que é o autor de Imagens, letra que ganhou melodia de Marlui Miranda, gravada por ela no disco Revivência (1983), publicou Sábado 13 horas (1978), poemas experimentais com Damário da Cruz e Márcio Salgado, e participou de várias coletâneas, entre elas a organizada por Hilda Hirst: Novos Poetas Brasileiros. Na web destaco dois sites que registram o seu trabalho, a sua militância, praticamente solitária, pela valorização do autor brasileiro: o observatório do direito à comunicação, que traz o artigo: Otávio Afonso deixa livro como legado em Direitos Autorais; e o Rodrigo Moraes, com uma entrevista surpreendente: Otávio Afonso, publicada em 16.11.2007.

2 comentários:

  1. Adorei! Lindas palavras! Parabéns!!

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    1. ..., grato, pela visita, Liz Brasil. ..., a obra de Otávio Afonso é intensa..., e arrepiante! ..., abs!

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