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Carolina Maria de Jesus - Acervo Última Hora |
Assim como a um pintor acadêmico é praticamente impossível
pintar como um artista primitivista (naif),
por lhe faltar a espontaneidade técnica alheia às perspectivas das regras do
pincel..., a um escritor de muitas graduações é praticamente impossível relatar
vivências de miserabilidade que não viveu..., por lhe faltar a veracidade
periférica do carvão.
Carolina de Jesus,
de catadora de papel à escritora à catadora de papel, uma vida permeada por
conceitos do mundo ao seu redor e de preconceitos do mundo ao seu redor.
Mulher. Negra. Favelada. Mãe solteira de três filhos. Cada dia um dia a menos
ou a mais na conta do seu destino incerto na boa lida das palavras escritas com
dor e catarse do desabafo. Carolina frequentou por dois anos a escola primária,
tempo suficiente apenas para aprender a escrever e a ler. Conhecimento mínimo,
porém, primordial para lhe servir de guia na fuga do círculo vicioso de miséria
que a perseguia. Catou papel, revistas e cadernos..., para vender, aprender e registrar
a sua história. Conjugações verbais mais que presente na sua pertinência de
mudar de vida, garantindo o alimento para o corpo, o cérebro e o espírito
guerreiro.
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Clarice Lispector e Carolina de Jesus - Fotógrafo (?) |
A descoberta casual da escritora (de prosa e verso) Carolina Maria de Jesus se deu em abril
de 1958, quando o jornalista Audálio
Dantas, ao fazer a cobertura de inauguração de um Parque Municipal, na
periferia de São Paulo, conheceu Carolina e seus 35 Cadernos de Anotações. Dantas, extasiado com o que leu, escreveu
um artigo para o jornal Folha da Noite.
Em 1959, ele publicou trechos dos relatos de Carolina, na revista O Cruzeiro, e
se empenhou na publicação de Quarto de
Despejo: Diário de uma Favelada, lançado em 1960. O livro fez enorme
sucesso no Brasil e, traduzido em quinze línguas, virou best-seller no
exterior. Carolina recebeu diversas homenagens e prêmios e gravou um disco
homônimo, cantando as próprias composições, que você pode ouvir na íntegra na Radio Batuta. Com o dinheiro da venda de Quarto de Despejo, se mudou da favela do Canindé, para uma casa de
alvenaria e continuou na sua lida literária, mas sem alcançar o mesmo sucesso. Carolina Maria de Jesus morreu pobre e
esquecida em 1977. Todavia, a sua obra, ainda hoje é motivo de teses, estudos,
projetos cinematográficos e teatrais, HQs em diversas partes do mundo.
Muitos a conhecem apenas pelas narrativas, por isso a minha
homenagem à Carolina Maria de Jesus
se dá com uma seleção de cinco poemas presente na Antologia Pessoal, organizada por José Carlos Sebe Bom Meihy, publicada
postumamente pela Editora UFRJ (1996). Nesta antologia, com poemas ao estilo
tudo junto e misturado, ainda que vestimenta seja outra, a poeta se desvela
numa carência afetiva muito grande, bem como apego à fé, ao patriotismo e aos
desassistidos socialmente. Uma poesia urbana, popular, capaz de fazer ecoar o
menosprezo social de ontem no preconceito racial hoje. A ordem dos substantivos
não faz diferença...
Poemas anteriormente publicados: O Pequenino, Atualidades, O Expedicionário, Sonhei.
Poemas anteriormente publicados: O Pequenino, Atualidades, O Expedicionário, Sonhei.
DÁ-ME AS ROSAS
Carolina Maria de Jesus
No campo em que eu repousar
Solitária e tenebrosa
Eu vos peço para adornar
O meu jazigo com as rosas.
As flores são formosas
Aos olhos de um poeta
Dentre todas são as rosas
A minha flor predileta.
Se afeiçoares aos versos inocentes
Que deixo escritos aqui
E quiseres ofertar-me um presente
Dá-me as rosas que pedi.
Agradeço-lhe com fervor
Desde já o meu obrigado
Se me levares esta flor
No dia de finados.
*
ilustração de
Joba Tridente.2015
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Carolina Maria de Jesus - Fotógrafo (?) |
Carolina Maria de
Jesus (1914-1977), escritora brasileira de prosa e verso. O seu aclamado Quarto de Despejo – Diário de uma favelada
(1960) foi traduzido para quinze línguas (alemão, catalão, dinamarquês,
espanhol, francês, holandês, húngaro, inglês, iraniano, italiano, japonês,
polonês, romeno, tcheco, turco). O merecido sucesso dos diários de Carolina
acabou servindo também a “interesses” da esquerda e da direita brasileiras e
das elites festivas. Passado o calor dos aplausos, que foram rareando com o
lançamento de Casa de Alvenaria - Diário
de uma ex-favelada (1961), Pedaços da
Fome (1963) e Provérbios (1963),
a escritora (sensação negra!) foi sendo alijada do burburinho intelectual
branco. Postumamente foram lançados Diário
de Bitita, primeiramente na França (1982) e depois no Brasil (1986), Meu estranho diário (1996), Antologia Pessoal (1996) e diversos
textos outros em revistas.
Nem sempre o material disponibilizado na web traz a sua
grafia original, com erros ortográficos e gramaticais. Pode facilitar a
leitura, mas lhe tira a originalidade. Para saber mais, indico os links: Templo
Cultural Delfos; Radio
Batuta; Revista
Palmares; Livres
Pensadores; Arquivo
Fotográfico Carolina Maria de Jesus; Enciclopédia
Itaú Cultural; animação: Quarto de Despejo.
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