sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Joba Tridente: Paz Cabisbaixa


PAZ Cabisbaixa
Joba Tridente

Criei o Projeto a Arte Anda, em 2012, um Projeto de Arte Sustentável visando reutilizar os ingressos plásticos, estampados com detalhes de obras de arte do Acervo da Caixa Econômica Federal, utilizado pelo Teatro da Caixa de Curitiba. A série é composta por temas que buscam leitura nas mais diversas analogias conceituais (que vão além da forma): A Arte Anda..., ou Nada! (peixe); A Arte Anda..., ou Desliza (cobra 1 e 2); A Arte Anda..., ou Dança! (boi de folia). As obras podem ser conferidas no blog Lixo Que Vira Arte, clicando nos links entre parênteses.

Bem, mas não é sobre o projeto que quero falar, mas especificamente sobre uma peça da série A Arte Anda..., ou Dança!, de 2015. Dos dez objetos articulados, apenas o que recebeu a estampa com o detalhe do quadro PAZ - Nações Unidas, de Gomes de Souza, embora, como os outros Bois de Folia, movimente a cabeça e o pescoço, mantém-se cabisbaixo.

É claro que, em sendo objetos articulados artesanais, cada peça não é idêntica à outra e até mesmo o encaixe varia..., uma pode ficar com o pescoço parado e a cabeça levantada e outra não. O curioso é que esta, ainda que articulada, é a única que fica com a cabeça abaixada e não tem o que a faça alinhar-se ao pescoço. Um Boi de Melancólica Folia. Uma PAZ Cabisbaixa.


Decidi não vender a peça e refletir sobre a alegoria.  2015 tombando ladeira abaixo e 2016 subindo claudicante. A intolerância social, racial, política, religiosa..., crescendo célere com a mente desenfreada das pessoas obtusas no Brasil e no mundo. Vidas migrantes. Vidas mirradas. Vidas ceifadas aleatoriamente na aldeia global a cada dia mais fragilizada com seus colossos sovando o barro humano. Não o barro primordial da sopa da iniciação. Mas o barro essencial à sopa da civilização. Pasteuriza-se o conhecimento contemporâneo implodindo a cultura milenar.

PAZ Cabisbaixa me faz pensar sobre o mundo onde a rapina ao intelecto e à matéria é uma constante e a surdez às súplicas das vítimas dos ambiciosos senhores do capital e da guerra é absurda. Nas mídias e redes sociais, nos parlamentos e tribunais predomina arrogância do EU. A maioria uniformizada não fala, grita. E grita tão alto que é incapaz de ouvir os próprios impropérios. Não ouve. Não dialoga. Monologa! Não importa se andamos à sombra e ou à luz..., o terror nos vigia, o horror nos persegue, o temor nos tira o sono. Perde-se a cabeça pela diferença, pelo pensamento e por nada. Ideologia virou pacto de imbecis. Não tarda e a intelligentsia não passará de insignificante substantivo grifado no dicionário. No horizonte o colapso da civilização parece iminente..., tamanha a barbárie que nos ronda.


Todavia, numa Terra devastada por credos, a PAZ Cabisbaixa também me faz meditar que resistir à malta é preciso, ainda que nadar contra a violência da maré seja impreciso. Afinal, se a Arte é Sustentável..., a Paz também pode ser!


*
ilustração: Bois de Folia
criação e fotos de Joba Tridente

Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

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