sábado, 6 de agosto de 2016

Augusto dos Anjos: O Morcego

Augusto dos Anjos (1884-1914) é, sem dúvida, o mais original e inclassificável escritor brasileiro. Simbolista? Parnasiano? Pré-modernista? “Descoberto” primeiramente pelo público leitor e “tardiamente” pela crítica, sua obra, literalmente única, EU, lançada em 1912, ainda hoje provoca comoção e acirra ânimos dos teóricos da classificação literária. Dado a um grande leque de interpretações, seus poemas, por vezes amargos, líricos, mórbidos, científicos, soturnos, filosóficos..., podem (também) ser lidos como profunda crítica à sociedade de sua época, com respingos na de hoje.

Faz um tempinho que ando ensaiando uma publicação com os poemas de Augusto dos Anjos. A hora me apareceu agora, em oito postagens. Comecei com o clássico Versos Íntimos, segui com o emocionante A Árvore da Serra, o visionário poema Idealização da Humanidade Futura, o mea-culpa Ricordanza della mia gioventú, a pungência de Sonetos (“a meu pai doente” e “a meu pai morto”), a metafísica em Última Visio. Hoje, a mordida metafórica d’O Morcego.

Abaixo, após a biografia de Augusto dos Anjos, há uma série de links com sugestões de artigos sobre este autor de versos avassaladores, tão complexos quanto ternos, em sua angústia infinda, e cuja passagem pelo mundo foi meteórica..., porém profícua.


o   m o r c e g o
Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

*
foto de Joba Tridente - 2016
Projeto Imagem Aleatória em Pintura Aleatória


AUGUSTO de Carvalho Rodrigues DOS ANJOS (Engenho Pau D’Arco-PB, 1884 – Leopoldina-MG, 1914), bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife, em 1907, se dedicou ao magistério, trabalhando no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, mais precisamente em Leopoldina, onde veio a falecer, em 1914, aos 30 anos, em consequência de pneumonia. Embora veiculasse seus poemas em diversos periódicos, desde 1900, só em 1912 publicou seu primeiro e único livro: EU.  Posteriormente o dramaturgo Órris Soares lançou a edição Eu e Outras Poesias, reunindo alguns poemas inéditos do amigo. Para os estudiosos a sua obra teria influência de Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Arthur Schopenhauer, Edgar Allan-Poe... Se quiser conhecer melhor a poesia deste grande e melancólico autor brasileiro, sugiro um passeio pela internet, onde há muita análise e controvérsia sobre ele e sua fascinante e inigualável obra.


2 comentários:

  1. gostei vai me ajudar muito obrigada

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    1. ..., que bom, Vida! ..., quando precisar de novas inspirações, volte! ..., grande abraço! T+

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