Neste novembro
primaveril de 2018, o escritor de verso e prosa e artista plástico brasileiro Carlos Dala Stella lançou o belíssimo
livro A Arte Muda da Fuga, que traz 108
poemas meticulosamente pinçados dos seus fascinantes Cadernos de Ateliê, onde há 39 anos ele une recortes, colagens e
manuscritos poéticos. Para esta luxuosa edição ilustrada com obras do autor, a crítica
literária e escritora Marta Morais da Costa, doutora em literatura pela
Universidade de São Paulo, e autora do excelente posfácio, mergulhou em aproximadamente
duas mil páginas dos Cadernos 47 a 57, produzidos em 2014 e 2015, para desvelar
ao grande público leitor e apreciador da boa arte a intensa e desconcertante produção
de Dala Stella, que já está em seu Caderno de
Ateliê 70.
A princípio
pensei em apresentar alguns extratos do posfácio de Marta Morais, mas ponderei
que, além de mutilar o encadeamento perfeito do seu extenso texto, este não
seria suficiente para o leitor conhecer Carlos Dala Stella em sua plenitude.
Assim, preferi sugerir alguns links de postagens anteriores aqui no Falas ao
Acaso, de blogs do autor e da editora, entre outros, em sua breve biografia, ao
final da página.
Para esta postagem selecionei cinco poemas do livro A Arte Muda da Fuga (2018): a arte muda da fuga; vazios; parlatório; ignorância solar; aprendizado. As fotos (fac-símiles do livro ou dos Cadernos) são de Pith Haid.
a arte muda da fuga
Carlos Dala Stella
o silêncio sempre foi
meu maior interlocutor
qualquer coisa que eu diga
um monossílabo que engula
ele ouve e sopesa
por mais que eu grite
para dentro e sufoque
um substantivo, ele me acolhe
côncavo e atento
mesmo que eu sopre pérolas
inaudíveis, ele recupera a concha
nunca o silêncio me foi
indiferente, cada vez mais
interfiro na trama
de seus fios transparentes
quem sabe dessa parceria
um dia não surja
a arte muda da fuga
vazios
Carlos Dala Stella
o vazio está cheio
de possibilidades e não transborda
de possibilidades e não transborda
a clareira no meio do mato
o pátio na arquitetura
o silêncio no teatro
o côncavo da caverna
o oco do quarto
o domo da Stª Maria del Fiore
o pátio na arquitetura
o silêncio no teatro
o côncavo da caverna
o oco do quarto
o domo da Stª Maria del Fiore
quanto vazio para dizer
sem palavras
a plenitude de deus
o maior de todos os vazios
sem palavras
a plenitude de deus
o maior de todos os vazios
parlatório
Carlos Dala Stella
chega uma hora em que o mundo
nos fala sem intermediários
nos fala sem intermediários
falam as nuvens carregadas
e falam cúmulos de organza
e falam cúmulos de organza
falam as janelas fechadas
e fala o branco no varal
e fala o branco no varal
falam as pálpebras ligeiras
e falam os olhos leonardos
e falam os olhos leonardos
fala tudo que se mostra
e tudo que se esconde
e tudo que se esconde
o que se exibe no espelho
e o que se dá trás-os-montes
e o que se dá trás-os-montes
só não fala o desconhecido
que todas as manhãs acorda
que todas as manhãs acorda
comigo
ignorância solar
Carlos Dala Stella
estamos no meio do mar morto
encalhados, mais vivos impossível
por todos os lados esse silêncio
religioso
essa linha circular do horizonte
reduzidos à chama bruxuleante
da respiração, mudos de tocar
com os olhos o brocado das estrelas
mudos e entregues à ignorância
solar de não saber cada vez mais
em que Ítaca esse barco vai dar
aprendizado
Carlos Dala Stella
tão longo o aprendizado
pra chegar no mesmo lugar
onde nossos antepassados chegaram
pra cair exatamente
no mesmíssimo buraco
e no entanto nossos amores
proibidos e absolutos foram todos
intimamente particulares
pra chegar no mesmo lugar
onde nossos antepassados chegaram
pra cair exatamente
no mesmíssimo buraco
e no entanto nossos amores
proibidos e absolutos foram todos
intimamente particulares
tão vário o aprendizado
tão moderno e diverso daquele
de nossos queridos pais
e no entanto o deserto florido
a que chegamos é o mesmo
deserto de nossos ancestrais
a mesma areia entre os dedos
os mesmos cegos girassóis
tão moderno e diverso daquele
de nossos queridos pais
e no entanto o deserto florido
a que chegamos é o mesmo
deserto de nossos ancestrais
a mesma areia entre os dedos
os mesmos cegos girassóis
de uma alegria tão doce
e genuína, e tão imprevista
que nem chega a ser aprendizado
é vida que sucede à vida
e no entanto acabamos
desaguando no mesmo rio
de peixes imemoriais
que vai dar no sal do mar
e genuína, e tão imprevista
que nem chega a ser aprendizado
é vida que sucede à vida
e no entanto acabamos
desaguando no mesmo rio
de peixes imemoriais
que vai dar no sal do mar
tanto ímpeto desse corpo
tanto esforço renovado
e tanto gozo na lida amorosa
com o corpo cheio de paraísos
e armadilhas do outro
e no entanto não aprendemos
nada de novo senão reavivar
o espírito rubro do fogo
tanto esforço renovado
e tanto gozo na lida amorosa
com o corpo cheio de paraísos
e armadilhas do outro
e no entanto não aprendemos
nada de novo senão reavivar
o espírito rubro do fogo
Carlos Dala Stella em seu ateliê, no Bairro de Santa Felicidade, em Curitiba |
Carlos Dala Stella é escritor de verso e prosa e artista plástico. Nasceu no bairro de Santa Felicidade, em Curitiba, Brasil, no ano de 1961. É formado em Letras, pela Universidade Federal do Paraná e desde a década de 1980 dedica-se ao desenho. Carlos, que já expôs na Itália, publicou os livros O Caçador de Vaga-lumes (poemas, 1998), Riachuelo, 266 (contos e crônicas, 2000), Bicicletas de Montreal (fotografia e outras artes visuais, 2002), O gato sem nome (poemas, 2007) e A Arte Muda da Fuga (poemas, 2018). Em 2012, Dala Stella foi finalista do prestigiado Prêmio Jabuti, na categoria Ilustração, com o livro Quer Jogar? (2011), de Adriana Klisys.
Para saber mais: no Falas ao Acaso, cinco poemas do livro O Gato sem Nome: Poema
I; Poema
II, Poema
III; Poema
IV; Poema
V..., e o magnífico A
Beleza dos Bichos, poema que está presente em A Arte Muda da Fuga; blogs de Carlos Dala Stella: dalastella e cdalastella; resenhando:
entrevista com Carlos
Dalla Stella; site da Editora
Positivo, que publicou A Arte Muda da
Fuga, para compra online...
Joba, grato pelo tempo, pela delicadeza e pelo trabalho dedicados ao meu livro. A postagem ficou realmente muito boa. Abraço amigo.
ResponderExcluir..., eu que agradeço pela oportunidade de compartilhar estas pérolas, Carlos. ..., grande abraço. T+
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