quinta-feira, 21 de março de 2019

Cruz e Sousa: Poemas 3


No ano em que completa a mística dos 121 anos da morte de Cruz e Sousa, o grande mestre do simbolismo literário brasileiro, que nos deixou uma obra riquíssima, o Falas ao Acaso abre espaço para homenageá-lo, em três postagens. Para estas publicações selecionei poemas (ao meu gosto) dos livros Faróis (1900), Poemas  Humorísticos e Irônicos (?), Broquéis (1893) e Poesia Interminável (2002). Sua obra já se encontra em Domínio Público e na web (alguns links abaixo) há farto material de estudo..., bem como livros para download.

Primeiro você conheceu sete intensos sonetos de amor e dor ressignificando a natureza feminina: Cabelos; Olhos; Boca; Seios; Mãos; Pés; Corpo..., e, de bônus, o poema Caveira, que desconstrói a beleza humana. Depois, a catarse (incômoda!) em quatro poemas: Cristo de Bronze; Levantem Esta Bandeira; Enquanto Este Sangue Ferve; Sapo Humano. Hoje, na terceira e última postagem, a vez da paixão e da melancolia em três belíssimos poemas pinçados de Poesia Interminável e de Poemas Humorísticos e Irônicos: Frutas e Flores; Pássaro Marinho; Escárnio Perfumado.


                  

FRUTAS E FLORES1
Cruz e Sousa (Poesia Interminável)

Laranjas e morangos — quanto às frutas,
Quanto às flores, porém, ah! quanto às flores,
Trago-te dálias rubras, d'essas cores
Das brilhantes auroras impolutas.

Venho de ouvir as misteriosas lutas
Do mar chorando lágrimas de amores;
Isto é, venho de estar entre os verdores
De um sítio cheio de asperezas brutas,

Mas onde as almas — pássaros que voam —
Vivem sorrindo às músicas que ecoam
Dos campos livres na rural pobreza.

Trago-te frutas, flores, só apenas,
Porque não pude, irmã das açucenas,
Trazer-te o mar e toda a natureza!

1 Nos manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional encontramos uma variação para o primeiro verso deste soneto no qual “goiabas” substitui “morangos”.



                 

PÁSSARO MARINHO
Cruz e Sousa (Poesia Interminável)

Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!



                  

ESCÁRNIO PERFUMADO
Cruz e Sousa (Poemas Humorísticos e Irônicos)

Quando no enleio
De receber umas notícias tuas,
Vou-me ao correio,
Que é lá no fim da mais cruel das ruas,

Vendo tão fartas,
D'uma fartura que ninguém colige,
As mãos dos outros, de jornais e cartas
E as minhas, nuas — isso dói, me aflige...

E em tom de mofa,
Julgo que tudo me escarnece, apoda,
Ri, me apostrofa,

Pois fico só e cabisbaixo, inerme,
A noite andar-me na cabeça, em roda,
Mais humilhado que um mendigo, um verme...

*
ilustrações de Joba Tridente



João da Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro - SC: 24.11.1861 - Curral-MG: 19.03.1898), escritor de prosa e verso, abolicionista, precursor do movimento literário simbolista no Brasil, é considerado um dos maiores nomes da literatura brasileira. Negro, filho de pais alforriados e apadrinhado pelo ex-senhor Guilherme Xavier e Sousa e sua esposa Clarinda Xavier e Sousa, o gênio precoce Cruz e Sousa, a despeito de todo o preconceito racial sofrido durante a sua formação escolar, aproveitou cada minuto de ensino no famoso Ateneu Provincial Catarinense..., tendo se destacado em francês, inglês, latim, grego, matemática e história natural. Foi admirador e leitor de Antero de Quental, Gonçalves Crespo, Cesário Verde, Teófilo Dias, Ezequiel Freire, Bernardino Lopes, Guerra Junqueiro, Charles Baudelaire, Leconte de Lisle, Leopardi, Edgar Allan Poe, Joris-Karl Huysmans, Gustave Flaubert, Guy de Maupassant, Edmond de Goncourt e Jules de Goncourt, Theophile Gautier, Paul Verlaine, Auguste Villieirs de l’Isle Adam. Porém toda a sua cultura e erudição não foram suficientes para quebrar a parede do racismo que o bloqueava aos cargos a que estava habilitado. Cruz e Sousa foi fundador e colaborador de vários veículos literários, como o jornal semanal Colombo, o jornal ilustrado O Moleque, o jornal republicano e abolicionista Tribuna Popular, o jornal A Cidade do Rio, a Folha Popular, o jornal O Tempo. João da Cruz e Sousa é autor, entre outros, de: Tropos e Fantasias (poemas em prosa, com Virgílio Várzea, 1885), Missal (poemas em prosa, 1893), Broquéis (poesia, 1893). Póstumos: Últimos Sonetos (1905), Evocações (poemas em prosa, 1898), Faróis (poesia, 1900), Outras evocações (poema em prosa, 1961), O livro Derradeiro (poesia, 1961), Dispersos (poemas em prosa, 1961)...
saber mais: Templo Cultural Delfos: Cruz e Souza - o cisne negro; literafro: Cruz e Sousa; Elisângela Medeiros de Oliveira: Cruz e Sousa: Literatura e a Questão “Racial” na Poesia Simbolista; Afro-Ásia - Elizabete Maria Espíndola: Cruz e Sousa: a verve satírica contra o preconceito e a discriminação; Biblioteca Digital - Elizabete Maria Espíndola: Cruz e Sousa: Modernidade e mobilidade social nas duas últimas décadas do século XIX; Sul 21: Apontamentos à margem da poesia e da vida de Cruz e Sousa; Miguel Sanches: Cruz e Sousa em Preto e Branco; Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda, Kárpio Márcio de Siqueira: Cruz e Souza: o negro como sujeito encurralado - um diálogo de resistência em ‘emparedado’; Adailton Almeida de Barros: A Lírica Colorida de Cruz e Sousa; Bárbara Poli Uliano Shinkawa: Faróis: Uma Releitura; Portal São Francisco - Cruz e Souza; Sabedoria Política: Cruz e Souza: O Dante Negro da Poesia Brasileira; Leonardo Pereira de Oliveira: A Tensão Lírica no Simbolismo de Cruz e Sousa; Alessandra Pereira Garuzzi e Denise Barros da Silva - Cruz e Sousa: entre o ato humano e desumano de criticar; Antonio Miranda: Cruz e Sousa; wikipédia: Cruz e Sousa.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. ..., três belíssimos sonetos, talvez de um tempo que não mais, Marina Seischi. ..., onde ainda se plantam as lindas e perfumadas dálias? ..., no meu tempo de criança de interior paulista, havia por todo canto e de tantas cores...
      ..., grande abraço!

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  2. São os versar dos poetas que no alegra a vida.

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    1. ..., com toda certeza, josé menezes dos santos. ..., um bom poema na hora certa, faz a diferença num dia cheio! ..., obrigado pela visita e consideração.

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