sábado, 2 de março de 2019

Marcílio Farias: Thucydides


Acredito que a maioria dos assíduos leitores do Falas ao Acaso, já conhece o escritor brasileiro Marcílio Farias, pelos seus intensos poemas: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.; George Seferis..., e também pela excelência das suas traduções (sem compromisso) de Ashraf Fayadh; Youssef Rakha; Thomas Merton I e II, III e IV; Hermann Hesse; Jean Arthur Rimbaud; Navajo John-Com-O-Sol-No-Peito; Seamus Heaney; George Seferis; Guillaume Apollinaire; Paul Celan; Frederic Manning, entre outros. Ainda há muita tradução fascinante dele, no meu arquivo de espera, para publicar aqui.
  
É do Marcílio Farias o belíssimo poema Thucydides, que hoje tenho o prazer de compartilhar com você. Segundo ele: “Um poemeto bem antigo, que escrevi há um tempão, e que um Amigo Querido achou e mandou pra mim outro dia.” Modéstia! Este é um grande e pertinente poema. Marcílio sabe exatamente qual fio da meada puxar e exatamente onde dar o nó..., e a rasteira.



                  

THUCYDIDES
Marcílio Farias

 para Bert Van Losser

Muitos tiveram de mudar de nome por temer assassinato e
desaparecimento.
Esse o tema dos historiadores desde guerras e crimes
deschavados além
De Peloponeso e cravado na mente das multidões que
Se lixam para quem esmaga o afeto e o coração sob o peso
Dessa história doméstica, feita de plástico prensado ou
Tungstênio temperado com titânio mais felicidades, tristezas,
e outros pretextos.

Exilados no meio dessa história, o mar torna-se fronteira das
Veredas que nos dão palmeiras, sol a pino, mosquitos e
Pântanos onde óleo, pelicanos, e palmeiras convivem
Ignorando preparativos para Natal, Ano Novo, e outros
Ganchos para ignorar os limites marcados pelo
Constante ruído de Ipods, Laptops, maquinas fotográficas e metralhadoras.

Você apaga o cigarro e vai até à beira do rio onde o ruído das
Águas não apaga as imagens que dançam em sua memória,
Inclusive as gargalhadas de Theodosia, certa que estava do
Sucesso do modelo criado para seu povo e espalhado pelos
quatro cantos
Do mundo conhecido acima do oceano – em nome de paz e
segurança.
Discurso que até hoje se repete das cinco as cinco.

Ah sua voz chegando de repente e dizendo “e aí cara” trazendo
Você e as sonoridades de sua beleza
Que afugentam a linguagem dolorosa de
Monstrengos e monstrinhos que adoram
Fama, fortuna, e justiça social,
Adereços decentes que penduram no pescoço para esconder a
Tonelada de entulho despejado
Todos os dias nas vidas de homens e mulheres desse
Pueblo azul e ensolarado em que vivem homens e mulheres.

E se você chega perto dessa doxografia de fantoches,
Você vê que estamos quase todos lascados de cima a baixo
Devidamente armazenados em pergaminho,
Disco rígido, e alta definição,
Lascados e mal pagos, enterrados sob o esplendor de
Contas correntes, poupanças e mercados futuros, sonhos,
Feitiçarias e ciência, fé e caridade,
Tudo repugnante, brilhoso, solene, e official.

Amsterdam, Maio de 2003.

*
ilustração de Joba Tridente.2019


Marcílio Farias é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Nos anos 70/80 trabalhou para a UNICEF/Brasil, USIS - Brasil e WHO, como consultor e assessor de assuntos públicos e culturais, respectivamente. Atuou como secretário particular do escultor Rubem Valentim, professor visitante da Universidade de Brasília e da Fundação Nacional de Teatro, editor assistente do Jornal de Brasília, colaborador do Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Última Hora, Jornal do Unicef e The Brazilians (NY). No ano de 1974, integrou a equipe vencedora do Prêmio Esso para Melhor Contribuição à Edição Jornalística/Jornal de Brasília. No final da década de 80, escreveu e dirigiu o curta-metragem "Digitais" hors-concours em Lausanne e no Festival de Salvador, vetado pelo Concine logo em seguida.
Em 1989 emigrou legalmente para os Estados Unidos. Atuou como assessor cultural e adido cultural ad hoc do Consulado Geral do Brasil, em Boston, de 1993 a 2003. Professor visitante da Universidade de Massachusetts - Boston, conferencista convidado do David Rockefeller Center for Latin American Studies (Harvard University) e Sloan School of Management (MIT). Professor de Comunicação Impressa e de História da Cultura na Universidade de Phoenix, AZ, EUA. Membro Honorário da American Academy of Poets (Owing Mills, MD), da International Society of Poets (Washington, DC) e da Society of Friends of The Longfellow House (Cambridge, MA). Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA).
Obras publicadas: Visual Field (poemas), 1996 - Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (poemas), 2007, e Rito para Ressuscitar um Elefante (poemas), 2010, ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Os livros podem ser encontrados nas livrarias Cultura e Martins Fontes, em São Paulo, ou diretamente na editora Scortecci.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...