quinta-feira, 4 de junho de 2020

Poetas da 2ª Guerra: János Pilinszky e Keith Douglas



POETAS da 2ª GUERRA
János Pilinszky Keith Douglas

Certo dia, vagando pela internet, à busca de informações sobre alguns autores (para compor suas biografias), dei de cara com o ebook Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética (2014), que reúne poetas contemporâneos ao conflito e conta com a organização, seleção, edição e notas do escritor Sammis Reachers. Arquivei a edição grátis (em PDF) para pesquisa e escolha de algum autor para futura postagem. Bem, creio que os 75 anos que marcam o “fim” de uma das maiores tragédias praticadas pelo homem contra o homem é o momento propício para uma sempre pertinente reflexão sobre a ganância e a estupidez humanas. Dos 49 autores publicados na antologia Segunda Guerra Mundial, selecionei 12: Carlos Drummond de Andrade (Visão 1944), Cecília Meireles (Pistóia - Cemitério Militar Brasileiro), Murilo Mendes (Tempos Duros), Tasos Leivaditis (Esta estrela é para todos nós), Gerrit Kouwenaar (Terceiro Canto Heróico), János Pilinszky (Paixão de Ravensbrück), Keith Douglas (Vergissmeinnicht), Salvatore Quasímodo (Milão, Agosto de 1943), Sadako Kurihara (Dizendo “Hiroshima”), BertoltBrecht (Regresso), Jaroslav Seifert (Os mortos de Lídice), Marina Tzvietáieva (Tomaram...).

No prefácio de Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética, Sammis Reachers, que já organizou mais de uma dezena de antologias, principalmente religiosas, como a Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa (2008) e a Breve Antologia da Poesia Cristã Universal (2012), diz que o seu interesse pelo tema da Segunda Guerra Mundial, expressado em seu livro  Poemas da Guerra de Inverno (2012/2014), vem desde a infância, antes mesmo do seu apreço pela literatura. Na difícil seleção de obras para a antologia da Segunda Guerra, Sammis Reachers buscou “apenas poemas de autores contemporâneos ao conflito, e de países diretamente envolvidos na guerra. Sejam war poets “clássicos” (soldados-poetas que participaram em algum momento da guerra, engajados em exércitos regulares), sejam vítimas (população de países subjugados, judeus e minorias étnicas, críticos e inimigos ideológicos do regime), sejam partisans e combatentes das resistências que pululavam nas mais diversas frentes do conflito. E também o que se poderia chamar de poetas expectadores, que, embora nativos de países envolvidos na guerra, apenas a acompanharam pelos canais noticiosos, caso de alguns poetas dos EUA e de outros países americanos, como o chileno Pablo Neruda e brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros.”

Nota: Como alguns poemas são longos, farei cinco postagens, reunindo dois e ou três autores em cada uma. As ilustrações (2020) são de Joba Tridente.


                             
Paixão de Ravensbrück
János Pilinszky
Tradução: Nelson Archer

Sai das fileiras e detém-
-se no silêncio carregado.
Vibram, como no écran, seu crânio
raspado e as roupas de forçado.

Está medonhamente só.
Podem-se ver seus poros. Tudo
de seu parece tão imenso.
Tudo de seu – tão diminuto.

Apenas isto. Quanto ao resto,
o resto, nada singular,
foi, antes de cair por terra,
ter se esquecido de gritar.




                                           

VERGISSMEINNICHT
Keith Douglas
Tradução: Matheus “Mavericco”

Dias idos, idos os soldados,
voltando num solo fantasmático
voltamos pro lugar e o espasmo
de novo encontramos do soldado.

O cano da arma, escurecido.
E enquanto seguíamos em frente
ele me pegou de repente
como demônio introduzido.

Veja, veja. Na barreira. Isto:
uma foto da namoradinha
escrito: "Steffi. Vergissmeinnicht."
num texto gótico feito a punho.

Podemos vê-lo quase contente,
abatido, tendo pago o preço
de seu fuzil ainda quente
mesmo com ele desse jeito.

Mas ela choraria se olhasse
as moscas sobre sua carcaça;
o pó no papel e a face
queimada, agora uma fossa.

Pois aqui amante e assassino
têm um só corpo e coração.
E a morte, que o deixou sozinho,
apenas o matou de paixão.


János Pilinszky (Budapeste/Hungria: 25.11.1921 - 27.05.1981), considerado um dos maiores escritores da poesia húngara do século XX, estudou literatura, direito e história da arte húngara na Universidade Eötvös Loránd, Budapeste, em 1938..., ano em que publicaria seus primeiros trabalhos em diversas revistas literárias. Introspectivo, a sua obra reflete muitos dos seus traumas da Segunda Guerra Mundial, principalmente da memória de Campos de Concentração como o de Ravensbrück. Vida e morte são matérias indeléveis em sua obra poética. Publicado em 1946, Trapéz és korlát, composto por 18 poemas, mereceu o Prêmio Baumgarten (1947). Sob pressão do Partido Comunista Húngaro, no poder nos anos 1950, o seu livro Harmadnapon, que traz o célebre poema Apokrif, considerado um dos mais importantes da literatura húngara, só pode ser publicado em 1959. A compilação Nagyvárosi ikonok foi agraciada com o Prêmio József Attila em 1971. Publicou Szálkák (1972), Végkifejlet (1974), e Kráter (1975). János Pilinszky também recebeu o notório Kossuth-díj.

Nelson Ronny Ascher (São Paulo: 01.01.1958) é escritor, editor, tradutor, crítico literário e cinematográfico. Formou-se em Administração na Fundação Getúlio Vargas, e se especializou em Comunicação e Semiótica. A sua primeira resenha literária saiu no jornal A Folha da Tarde, no final dos anos 1970 e na década seguinte passou a escrever para Folha de S.Paulo, onde foi um dos editores do Folhetim. Ascher traduziu, T.S. Eliot, Herberto Padilla e János Pilinszky, entre outros. Seu primeiro livro, Ponta da Língua, foi lançado em 1983.  Criou a Revista da USP em 1988/1989 e, em 1997, organizou, com Régis Bonvicino e Michael Palmer, a antologia Nothing the Sun could not explain: 20 Contemporary Brazilian Poets. Seus livros foram traduzidos na França, Holanda, Espanha, México, Estados Unidos e Hungria. Confira a sua bibliografia aqui.

Keith Castellain Douglas (Tunbridge Wells/Inglaterra: 24.01.1920 – Normandia/França:  09.06.1944) escritor inglês que morreu jovem, aos 24 anos, durante a invasão da Normandia, e cuja obra poética reflete os horrores da Segunda Guerra Mundial e ironiza a campanha no deserto ocidental em seu livro de memórias Alamein to Zem Zem . A sua escrita (a guerra como ela é) passa ao largo do melodramático e da indução de sentimentos. Keith cursou História e Inglês no Merton College (Oxford), em 1938, onde o seu talento poético foi reconhecido pelo escritor Edmund Blunden e impressionou a TS. Eliot. Keith Douglas foi editor da Cherwell e um dos poetas presentes na antologia Eight Oxford Poets (1941) e Selected Poems  (Keith Douglas, JC Hall , Norman Nicholson, 1943). A obra do autor de Alamein to Zem Zem (1946) também se faz presente em Collected Poems (Editions Poetry London 1951); Selected Poems (Faber 1964); The Complete Poems (Faber & Faber 1978); Alldritt, Keith - Modernism in the Second World War; The Letters of Keith Douglas edited by Desmond Graham (2000). 

Matheus de Souza “Mavericco” Almeida (Goiânia/Goiás:12.04.1992): advogado, escritor e tradutor com diversos trabalhos publicados em sites literários. Para saber mais: Recanto das Letras: Mateus de Souza; Formas Fixas: Matheus de Souza; Escamandro: Arquivo da tag: matheus mavericco; Germina - Revista de Literatura e Arte: poesia goiana: um recorte; Teatro do Mundo: Prenúncios da Imortalidade Recolhidos da Mais Tenra Infância.

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