POETAS da
2ª GUERRA
Salvatore
Quasímodo ⋇ Sadako
Kurihara
Certo
dia, vagando pela internet, à busca de informações sobre alguns autores (para compor
suas biografias), dei de cara com o ebook Segunda Guerra Mundial - Uma
Antologia Poética
(2014), que reúne poetas contemporâneos ao conflito e conta com a organização,
seleção, edição e notas do escritor Sammis Reachers. Arquivei a edição grátis (em PDF)
para pesquisa e escolha de algum autor para futura postagem. Bem, creio que os
75 anos que marcam o “fim” de uma das maiores tragédias praticadas pelo homem
contra o homem é o momento propício para uma sempre pertinente reflexão sobre a
ganância e a estupidez humanas. Dos 49 autores publicados na antologia Segunda
Guerra Mundial, selecionei 12: Carlos Drummond de Andrade (Visão
1944), Cecília Meireles (Pistóia - Cemitério Militar Brasileiro),
Murilo Mendes (Tempos Duros), Tasos Leivaditis (Esta
estrela é para todos nós), Gerrit Kouwenaar (Terceiro Canto
Heróico), János Pilinszky (Paixão de Ravensbrück), KeithDouglas (Vergissmeinnicht), Salvatore Quasímodo (Milão,
Agosto de 1943), Sadako Kurihara (Dizendo “Hiroshima”), BertoltBrecht (Regresso), Jaroslav Seifert (Os mortos de Lídice),
Marina Tzvietáieva (Tomaram...).
No
prefácio de Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética, Sammis
Reachers, que já organizou mais de uma dezena de antologias, principalmente
religiosas, como a Antologia
de Poesia Cristã em Língua Portuguesa (2008) e
a Breve Antologia
da Poesia Cristã Universal (2012), diz que
o seu interesse pelo tema da Segunda Guerra Mundial, expressado em seu
livro Poemas da
Guerra de Inverno (2012/2014), vem desde a infância, antes mesmo do seu apreço
pela literatura. Na difícil seleção de obras para a antologia da Segunda
Guerra, Sammis
Reachers buscou “apenas poemas de autores
contemporâneos ao conflito, e de países diretamente envolvidos na guerra. Sejam
war poets “clássicos” (soldados-poetas que participaram em algum momento
da guerra, engajados em exércitos regulares), sejam vítimas (população de
países subjugados, judeus e minorias étnicas, críticos e inimigos ideológicos
do regime), sejam partisans e combatentes das resistências que pululavam
nas mais diversas frentes do conflito. E também o que se poderia chamar de
poetas expectadores, que, embora nativos de países envolvidos na guerra, apenas
a acompanharam pelos canais noticiosos, caso de alguns poetas dos EUA e de
outros países americanos, como o chileno Pablo Neruda e brasileiros como Carlos
Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros.”
Nota: Como alguns poemas são longos, farei
cinco postagens, reunindo dois e ou três autores em cada uma. As ilustrações
(2020) são de Joba Tridente.
Milão, Agosto de 1943
Salvatore
Quasímodo
Tradução: Sílvio Castro
Em
vão perscrutas o pó,
pobre
mão, a cidade é morta.
É
morta: ouviu-se o último rombo
no
coração do Naviglio. E o rouxinol
despencou
da antena, alta no convento,
onde
cantava antes do pôr-do-sol.
Não
escaveis poços nos pátios:
os
vivos não têm mais sede.
Não
toqueis os mortos, tão vermelhos, tão inchados,
deixai-os
no chão de suas casas:
a
cidade é morta, é morta.
Dizendo “Hiroshima”
Sadako
Kurihara
tradução?
Poderia
ao dizer-se “Hiroshima”
jamais
elucidar com paixão
“Oh,
Hiroshima”?
Dizer
“Hiroshima” levanta respostas a “Pearl Harbor”,
“O
massacre de Nanjing”,
“Brutais
execuções em Manila,
mulheres,
crianças,
amontoadas
como animais em trincheiras,
encharcadas
com gasolina,
e
queimadas vivas.”
Reações
à quando se diz “Hiroshima”
reverberam
com fogo e sangue.
Diz-se
“Hiroshima”
e
ninguém se simpatiza.
Ao
invés, a fúria dos asiáticos, agora sem voz,
mortos
e violados, aparece.
Se
temos o desejo de sentir compaixão quando se diz “Hiroshima”
Temos
que de fato baixar nossas armas.
Temos
que remover as bases militares estrangeiras.
Mas
até que esse dia venha,
Hiroshima
evocará a amargura da crueldade e desconfiança,
e
nós seremos como marginalizados de uma sociedade,
queimando
em energia atômica.
Para
nós, japoneses,
Ouvirmos
um apaixonado
“Oh,
Hiroshima”,
É
necessário, primeiro,
Purificar nossas mãos sujas.
Salvatore
Quasimodo (Módica/Itália: 20.08.1901 - Amalfi/Itália: 14.06.1968):
matemático, engenheiro, escritor, crítico literário, professor de literatura e tradutor
de Sófocles, Eurípedes, Catulo, Ovídio, Virgílio, Shakespeare,
Molière, Pablo Neruda, E.E. Cummings. Quasímodo, que integrou o movimento
antifascista durante a Segunda Guerra, publicou seus poemas na revista de
vanguarda Solaria (1929) e na revista do movimento hermético Letteratura
(1938). Laureado com o Nobel de Literatura (1959), Salvatore Quasimodo,
que tornou-se mestre honoris causa da Universidade de Messina (1960) e
da Universidade de Oxford (1967), na sua jornada literária recebeu também os
prêmios dell'Antico Fattore (1932), San Babila (1950), Etna-Taormina
(1953) e Vieareggio (1958). Foram traduzidos para o português os
seguintes livros: poesias escolhidas (1968 e 1973) e Salvatore
Quasimodo - poesias (1999). Confira a sua bibliografia aqui.
Para
saber mais: Templo Cultural Delfos: Salvatore Quasimodo - poeta siciliano; Biografia: Salvatore Quasimodo; Nobel Prize: Salvatore Quasimodo; Escamandro: salvatore quasimodo, por ernesto von
artixzffski; Poets of
modernity: Salvatore Quasimodo - Selected Poems; Ian Garcez: Salvatore Quasimodo; Biografías y Vidas: Salvatore Quasimodo.
Sílvio
Castro (Laranjais-RJ/Brasil:
1931 - Veneza/Itália: 2014): escritor de prosa e verso, tradutor, crítico
literário, ensaísta, professor de Língua e Literatura Portuguesa e de
Literatura Brasileira na Universidade de Pádua. Entre suas obras se destacam: Infinito
Sul (1956); As Noites (1958); Machado de
Assis e a Cidade do Rio de Janeiro (1959); Tempo Presente (1961); Rachel
de Queiroz e o Romance Nordestino (1961); Raiz Antiga
(1965); Tempo Veneziano (1967); Campo Geral: Estrutura
e Estilo de Guimarães Rosa (1970); A Revolução da Palavra:
Origens e Estrutura da Literatura (1976); Teoria e Política do
Modernismo Brasileiro (1979); A Carta de Pero Vaz de
Caminha (1987): O percurso sentimental de Cesário Verde (1990); Viver
em Malabase (1993); Memorial do Paraíso - o Romance do
Descobrimento do Brasil (1998); História da Literatura
Brasileira (2000); Poesia do Socialismo Português no Percurso
de 1850 a 1974 (2010).
Para
saber mais: Antonio Miranda: Silvio Castro; A Viagem dos Argonautas: Silvio Castro; Scortecci: Silvio Castro - Poesia do Social e do
Socialismo Brasileiro.
Sadako
Kurihara (Hiroshima/Japão:
04.03.1913 - 06.03.2005): escritora e ensaísta sobrevivente do bombardeio
atômico em Hiroshima cuja obra poética aborda de forma corajosa e
impressionante realismo questões de energia nuclear, sociopolíticas japonesa e
principalmente a situação invasiva do Japão durante Segunda Guerra Mundial, que
culminou com o vil ataque à Hiroshima e Nagasaki. Kurihara, que já escrevia
tankas/haikais desde a juventude, começou a escrever profissionalmente após a
explosão da bomba atômica em Hiroshima (a quatro quilômetros de sua casa). Um
dos seus poemas mais famosos relata o nascimento de uma criança, em um abrigo
sob os Correios, durante o bombardeio em Hiroshima. Ativista ferrenha contra as
guerras e o genocídio, fundou em 1969 o "Gensuikin Hiroshima Haha no
Kai" (Grupo de Mães de Hiroshima contra Bombas A e H), organizou diversas
antologias, editou jornais e revistas e participou de inúmeros simpósios
literários locais e internacionais contra armamentismo nuclear, a pobreza, a
opressão, o desrespeito aos direitos humanos. Sadako Kurihara, que recebeu o Prêmio
da Paz Kiyoshi Tanimoto, tem uma extensa bibliografia com traduções
para o inglês.
Para
saber mais: libcom: Sadako Kurihara (1913-2005); Wikipédia: Sadako Kurihara; Hiroshima: Atomic Bomb Literature: A Bibliography; Bulletin of Concerned Asian
Scholars: Four poems (1941–45) by the Hiroshima
poet Kurihara Sadako;
WLAJournal: Memories of the Future: The Poetry of
Sadako Kurihara and Hiromu Morishita; Hiroshima Peace Media:
Sadako Kurihara’s unpublished poems
pose questions to post-war Japan; Urszula Styczek: Reading Atomic Bomb Literature in
Foreign Languages – An Introduction of Studies and Works of Hara Tamiki, Toge
Sankichi and Kurihara Sadako; Urszula Styczek: A-bomb
Victim,Kurihara Sadako: The Transformation
from Anarchist Poet to Peace Essayist; Cordite: ‘The atomic landscape … does not
allow me to rest’: Kurihara Sadako and the Hibakusha Poet as Public
Intellectual; The
Asia-Pacific Journal – Cassandra Atherton: 'Give Back Peace That Will Never End': Hibakusha poets
and public intellectuals; Temizen: Quando dici Hiroshima Kurihara Sadako
e la poetica della bomba atomica; Poetas Siglo XXI: Sadako Kurihara; nippop: La voce di Kurihara Sadako: i ciliegi
di Hiroshima e la poetica della bomba atomica.
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