sexta-feira, 5 de junho de 2020

Poetas da 2ª Guerra: Salvatore Quasímodo e Sadako Kurihara



POETAS da 2ª GUERRA
Salvatore Quasímodo Sadako Kurihara

Certo dia, vagando pela internet, à busca de informações sobre alguns autores (para compor suas biografias), dei de cara com o ebook Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética (2014), que reúne poetas contemporâneos ao conflito e conta com a organização, seleção, edição e notas do escritor Sammis Reachers. Arquivei a edição grátis (em PDF) para pesquisa e escolha de algum autor para futura postagem. Bem, creio que os 75 anos que marcam o “fim” de uma das maiores tragédias praticadas pelo homem contra o homem é o momento propício para uma sempre pertinente reflexão sobre a ganância e a estupidez humanas. Dos 49 autores publicados na antologia Segunda Guerra Mundial, selecionei 12: Carlos Drummond de Andrade (Visão 1944), Cecília Meireles (Pistóia - Cemitério Militar Brasileiro), Murilo Mendes (Tempos Duros), Tasos Leivaditis (Esta estrela é para todos nós), Gerrit Kouwenaar (Terceiro Canto Heróico), János Pilinszky (Paixão de Ravensbrück), KeithDouglas (Vergissmeinnicht), Salvatore Quasímodo (Milão, Agosto de 1943), Sadako Kurihara (Dizendo “Hiroshima”), BertoltBrecht (Regresso), Jaroslav Seifert (Os mortos de Lídice), Marina Tzvietáieva (Tomaram...).

No prefácio de Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética, Sammis Reachers, que já organizou mais de uma dezena de antologias, principalmente religiosas, como a Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa (2008) e a Breve Antologia da Poesia Cristã Universal (2012), diz que o seu interesse pelo tema da Segunda Guerra Mundial, expressado em seu livro  Poemas da Guerra de Inverno (2012/2014), vem desde a infância, antes mesmo do seu apreço pela literatura. Na difícil seleção de obras para a antologia da Segunda Guerra, Sammis Reachers buscou “apenas poemas de autores contemporâneos ao conflito, e de países diretamente envolvidos na guerra. Sejam war poets “clássicos” (soldados-poetas que participaram em algum momento da guerra, engajados em exércitos regulares), sejam vítimas (população de países subjugados, judeus e minorias étnicas, críticos e inimigos ideológicos do regime), sejam partisans e combatentes das resistências que pululavam nas mais diversas frentes do conflito. E também o que se poderia chamar de poetas expectadores, que, embora nativos de países envolvidos na guerra, apenas a acompanharam pelos canais noticiosos, caso de alguns poetas dos EUA e de outros países americanos, como o chileno Pablo Neruda e brasileiros como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e outros.”

Nota: Como alguns poemas são longos, farei cinco postagens, reunindo dois e ou três autores em cada uma. As ilustrações (2020) são de Joba Tridente.



                           

Milão, Agosto de 1943
Salvatore Quasímodo
Tradução: Sílvio Castro

Em vão perscrutas o pó,
pobre mão, a cidade é morta.
É morta: ouviu-se o último rombo
no coração do Naviglio. E o rouxinol
despencou da antena, alta no convento,
onde cantava antes do pôr-do-sol.
Não escaveis poços nos pátios:
os vivos não têm mais sede.
Não toqueis os mortos, tão vermelhos, tão inchados,
deixai-os no chão de suas casas:
a cidade é morta, é morta.



      
Dizendo “Hiroshima”
Sadako Kurihara
tradução?

Poderia ao dizer-se “Hiroshima”
jamais elucidar com paixão
“Oh, Hiroshima”?
Dizer “Hiroshima” levanta respostas a “Pearl Harbor”,
“O massacre de Nanjing”,
“Brutais execuções em Manila,
mulheres, crianças,
amontoadas como animais em trincheiras,
encharcadas com gasolina,
e queimadas vivas.”

Reações à quando se diz “Hiroshima”
reverberam com fogo e sangue.

Diz-se “Hiroshima”
e ninguém se simpatiza.
Ao invés, a fúria dos asiáticos, agora sem voz,
mortos e violados, aparece.

Se temos o desejo de sentir compaixão quando se diz “Hiroshima”
Temos que de fato baixar nossas armas.
Temos que remover as bases militares estrangeiras.
Mas até que esse dia venha,
Hiroshima evocará a amargura da crueldade e desconfiança,
e nós seremos como marginalizados de uma sociedade,
queimando em energia atômica.

Para nós, japoneses,
Ouvirmos um apaixonado
“Oh, Hiroshima”,
É necessário, primeiro,
Purificar nossas mãos sujas.



Salvatore Quasimodo (Módica/Itália: 20.08.1901 - Amalfi/Itália: 14.06.1968): matemático, engenheiro, escritor, crítico literário, professor de literatura e tradutor de Sófocles, Eurípedes, Catulo, Ovídio, Virgílio, Shakespeare, Molière, Pablo Neruda, E.E. Cummings. Quasímodo, que integrou o movimento antifascista durante a Segunda Guerra, publicou seus poemas na revista de vanguarda Solaria (1929) e na revista do movimento hermético Letteratura (1938). Laureado com o Nobel de Literatura (1959), Salvatore Quasimodo,  que tornou-se mestre honoris causa da Universidade de Messina (1960) e da Universidade de Oxford (1967), na sua jornada literária recebeu também os prêmios dell'Antico Fattore (1932), San Babila (1950), Etna-Taormina (1953) e Vieareggio (1958). Foram traduzidos para o português os seguintes livros: poesias escolhidas (1968 e 1973) e Salvatore Quasimodo - poesias (1999). Confira a sua bibliografia aqui.
Para saber mais: Templo Cultural Delfos: Salvatore Quasimodo - poeta siciliano; Biografia: Salvatore Quasimodo; Nobel Prize: Salvatore Quasimodo; Escamandro: salvatore quasimodo, por ernesto von artixzffski; Poets of modernity: Salvatore Quasimodo - Selected Poems; Ian Garcez: Salvatore Quasimodo; Biografías y Vidas: Salvatore Quasimodo.

Sílvio Castro (Laranjais-RJ/Brasil: 1931 - Veneza/Itália: 2014): escritor de prosa e verso, tradutor, crítico literário, ensaísta, professor de Língua e Literatura Portuguesa e de Literatura Brasileira na Universidade de Pádua. Entre suas obras se destacam: Infinito Sul (1956); As Noites (1958); Machado de Assis e a Cidade do Rio de Janeiro (1959); Tempo Presente (1961); Rachel de Queiroz e o Romance Nordestino (1961); Raiz Antiga (1965); Tempo Veneziano (1967); Campo Geral: Estrutura e Estilo de Guimarães Rosa (1970); A Revolução da Palavra: Origens e Estrutura da Literatura (1976); Teoria e Política do Modernismo Brasileiro (1979); A Carta de Pero Vaz de Caminha (1987): O percurso sentimental de Cesário Verde (1990); Viver em Malabase (1993); Memorial do Paraíso - o Romance do Descobrimento do Brasil (1998); História da Literatura Brasileira (2000); Poesia do Socialismo Português no Percurso de 1850 a 1974 (2010).
Para saber mais: Antonio Miranda: Silvio Castro; A Viagem dos Argonautas: Silvio Castro; Scortecci: Silvio Castro - Poesia do Social e do Socialismo Brasileiro.
  
Sadako Kurihara (Hiroshima/Japão: 04.03.1913 - 06.03.2005): escritora e ensaísta sobrevivente do bombardeio atômico em Hiroshima cuja obra poética aborda de forma corajosa e impressionante realismo questões de energia nuclear, sociopolíticas japonesa e principalmente a situação invasiva do Japão durante Segunda Guerra Mundial, que culminou com o vil ataque à Hiroshima e Nagasaki. Kurihara, que já escrevia tankas/haikais desde a juventude, começou a escrever profissionalmente após a explosão da bomba atômica em Hiroshima (a quatro quilômetros de sua casa). Um dos seus poemas mais famosos relata o nascimento de uma criança, em um abrigo sob os Correios, durante o bombardeio em Hiroshima. Ativista ferrenha contra as guerras e o genocídio, fundou em 1969 o "Gensuikin Hiroshima Haha no Kai" (Grupo de Mães de Hiroshima contra Bombas A e H), organizou diversas antologias, editou jornais e revistas e participou de inúmeros simpósios literários locais e internacionais contra armamentismo nuclear, a pobreza, a opressão, o desrespeito aos direitos humanos. Sadako Kurihara, que recebeu o Prêmio da Paz Kiyoshi Tanimoto, tem uma extensa bibliografia com traduções para o inglês.

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