segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sylvio Roméro: O Cágado e a Fruta


Ilustração de Joba Tridente: O Cágado e a Fruta - Falas ao Acaso

Na Semana da Criança postei a lenda A fruta sem nome, contada por Clarice Lispector em Como Nasceram As Estrelas - Doze Lendas Brasileiras (1987). Sabia que esta mesma lenda, presente em Histórias de Tia Nastácia: O Jabuti e a Fruta (1937), de Monteiro Lobato, foi publicada por Sylvio Roméro no livro Poesia Popular do Brazil, em 1888 (*)?

O Cágado e a Fruta
(Folclore do Sergipe)

Diz que foi um dia, havia no mato uma fruta que todos os bichos tinham vontade de comer; mas era proibido comer a tal fruta sem primeiro saber o nome dela.

Todos os animais iam à casa de uma mulher que morava nas paragens, onde estava o pé da fruta, perguntavam a ela o nome e voltavam para comer; mas quando chegavam lá não se lembravam mais do nome. Assim aconteceu com todos os bichos que iam, voltavam, e nada de acertar com o nome. Faltava somente o amigo cágado. Os outros foram chamá-lo para ir por sua vez. Alguns caçoavam muito, dizendo: “Se os outros não acertaram, quanto mais ele!

Amigo cágado partiu munido de uma violinha; quando chegou na casa da mulher perguntou o nome da fruta. Ela disse: “boyoyô-boyoyô-quizama-quizu'-boyoyô-boyoyô-quizama-quizu.” Mas a mulher, depois que cada bicho ia se retirando já em alguma distancia, punha-se de lá a bradar: “Oh! amigo tal, o nome não é esse, não” e dizia outros nomes; o bicho se atrapalhava e, quando chegava ao pé da fruta, não sabia mais o nome.

Com o cágado não foi assim; porque ele deu de mão à sua violinha, e pôs-se a cantar o nome até ao lugar da árvore, e venceu a todos.

Mas amiga onça, que já lá estava à sua espera, disse-lhe: “Amigo cágado, como não pode trepar, deixe que eu trepe para tirar as frutas, e você em paga me dá algumas.” O cágado consentiu; ela encheu seu saco e largou-se sem lhe dar nenhuma. O cágado, muito zangado, largou-se atrás. Chegando os dois a um rio cheio, ele disse à onça: “Amiga onça, aqui você me dê o saco para eu passar, que sou melhor nadador, e você passa depois.” A onça concordou, mas o sabido, quando se viu da outra banda, sumiu-se, ficando a onça lograda. Esta formou o plano de o matar; ele soube e meteu-se debaixo de uma raiz grande de árvore onde ela costumava descansar. Ai chegando, pôs-se ela a gritar: “Amigo cágado, amigo cágado!...” O sabido respondia ali de pertinho: “Oi” A onça olhava de uma banda e de outra e não via ninguém. Ficou muita espantada e pensou que era o seu traseiro que respondia. Pôs-se de novo a gritar, e sempre o cágado respondendo : “Oi!” e ela: “Cala a boca, oveiro!”, e sempre a coisa para diante. Amigo macaco veio passando, e a onça lhe contou o caso da desobediência de seu traseiro, e lhe pediu que o açoitasse. O macaco tanto executou a obra que a matou. Deu-se então o cágado por satisfeito.


Nota de rodapé: Neste conto há a confluência da tradição portuguesa, expressa no conto à Raposa e o Lobo, e a tradição indígena, expressa no ciclo dos contos do jaboti (cágado). Vide Contos Populares de Adolpho Coelho, pag. 15. Não prevalece absolutamente a observação feita pelo Sr. Barbosa Rodrigues na Vellossia, pag. 78.

Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos Roméro (Lagarto, 21.04.1851 -18.06.1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Roméro foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais.  Sylvio Roméro é, entre outras obras, autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, 2v. (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906).

(*) Há uma versão digital de Estudos sobre Poesia Popular do Brazil (1979 - 1880) por Silvio Roméro - Contribuições para o Estudo do Folk-Lore Brazileiro, publicado em 1888, no Rio de Janeiro, disponibilizada pelo Portal Brasiliana USP.

Ilustração de Joba Tridente - 2012

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