Na
Semana da Criança postei a lenda A fruta sem nome, contada por Clarice Lispector em Como Nasceram As Estrelas - Doze Lendas
Brasileiras (1987). Sabia que esta mesma lenda, presente em Histórias de Tia Nastácia: O Jabuti e a Fruta (1937), de Monteiro
Lobato, foi publicada por Sylvio Roméro no livro Poesia Popular do Brazil, em 1888 (*)?
O
Cágado e a Fruta
(Folclore do Sergipe)
Diz que foi um dia,
havia no mato uma fruta que todos os bichos tinham vontade de comer; mas era
proibido comer a tal fruta sem primeiro saber o nome dela.
Todos os animais iam à
casa de uma mulher que morava nas paragens, onde estava o pé da fruta,
perguntavam a ela o nome e voltavam para comer; mas quando chegavam lá não se
lembravam mais do nome. Assim aconteceu com todos os bichos que iam, voltavam,
e nada de acertar com o nome. Faltava somente o amigo cágado. Os outros foram chamá-lo
para ir por sua vez. Alguns caçoavam muito, dizendo: “Se os outros não acertaram, quanto mais ele!”
Amigo cágado partiu
munido de uma violinha; quando chegou na casa da mulher perguntou o nome da fruta.
Ela disse: “boyoyô-boyoyô-quizama-quizu'-boyoyô-boyoyô-quizama-quizu.” Mas
a mulher, depois que cada bicho ia se retirando já em alguma distancia, punha-se
de lá a bradar: “Oh! amigo tal, o nome
não é esse, não” e dizia outros nomes; o bicho se atrapalhava e, quando
chegava ao pé da fruta, não sabia mais o nome.
Com o cágado não foi
assim; porque ele deu de mão à sua violinha, e pôs-se a cantar o nome até ao lugar
da árvore, e venceu a todos.
Mas amiga onça, que
já lá estava à sua espera, disse-lhe: “Amigo
cágado, como não pode trepar, deixe que eu trepe para tirar as frutas, e você
em paga me dá algumas.” O cágado consentiu; ela encheu seu saco e largou-se
sem lhe dar nenhuma. O cágado, muito zangado, largou-se atrás. Chegando os dois
a um rio cheio, ele disse à onça: “Amiga
onça, aqui você me dê o saco para eu passar, que sou melhor nadador, e você passa
depois.” A onça concordou, mas o sabido, quando se viu da outra banda,
sumiu-se, ficando a onça lograda. Esta formou o plano de o matar; ele soube e
meteu-se debaixo de uma raiz grande de árvore onde ela costumava descansar. Ai
chegando, pôs-se ela a gritar: “Amigo cágado,
amigo cágado!...” O sabido respondia ali de pertinho: “Oi” A onça
olhava de uma banda e de outra e não via ninguém. Ficou muita espantada e pensou
que era o seu traseiro que respondia. Pôs-se de novo a gritar, e sempre
o cágado respondendo : “Oi!” e ela: “Cala a boca, oveiro!”,
e sempre a coisa para diante. Amigo macaco veio passando, e a onça lhe contou o
caso da desobediência de seu traseiro,
e lhe pediu que o açoitasse. O macaco tanto executou a obra que a matou. Deu-se
então o cágado por satisfeito.
Nota
de rodapé: Neste conto há a confluência
da tradição portuguesa, expressa no conto à Raposa e o Lobo, e a
tradição indígena, expressa no ciclo dos contos do jaboti (cágado). Vide
Contos Populares de Adolpho Coelho, pag. 15. Não prevalece absolutamente
a observação feita pelo Sr. Barbosa Rodrigues na Vellossia, pag. 78.
Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos
Roméro (Lagarto,
21.04.1851 -18.06.1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor,
filósofo. Roméro foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897
e escreveu para diversos jornais. Sylvio
Roméro é, entre outras obras, autor de: A
poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);
Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883);
Contos Populares do Brasil (1885);
História da literatura brasileira, 2v.
(1888); A poesia popular no Brasil
(1880); Compêndio da História da
Literatura Brasileira (1906).
(*) Há
uma versão digital de Estudos sobre
Poesia Popular do Brazil (1979 - 1880) por Silvio Roméro - Contribuições para o Estudo do Folk-Lore Brazileiro,
publicado em 1888, no Rio de Janeiro, disponibilizada pelo Portal
Brasiliana USP.
Ilustração de Joba Tridente - 2012
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