segunda-feira, 25 de agosto de 2014

José Craveirinha: Reza, Maria

Em 2012, na Semana da Consciência Negra, postei o belíssimo poema Fábula, de José Craveirinha. Conheci a obra deste genial escritor através da Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, que encontrei por acaso disponibilizada na web. Retorno a ele com a postagem de três pungentes poesias. Anteontem, foi a Terra de Canaã. Ontem, foi a Carreira de Gaza. Hoje, Reza, Maria.


                                  

Reza, Maria
José Craveirinha
1ª versão

Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem à míngua de pão
vermes na rua estendem a mão a caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança

Ah! Maria
põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos


*
Ilustração de Joba Tridente (2014)


José João Craveirinha (1922 - 2003) nasceu em Maputo, Moçambique.  Considerado o maior escritor moçambicano, o primeiro a receber o Prêmio Camões, iniciou-se no jornalismo no Brado Africano e se firmou colaborando com diversos veículos de informação. Craveirinha esteve preso entre 1965 e 1969, pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), na Cela 1, com Malangatana e Rui Nogar. O escritor utilizou vários pseudônimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. É autor de Xigubo (1964 - com 13 poemas e 1980 – com 21 poemas); Cantico a un dio di Catrame (1966); Karingana ua karingana (1974);  Cela 1 (1980); Izbrannoe (1984); Maria (1988); Babalaze das hienas (1996); Hamina e outros contos (1997); Maria. Vol.2 (1998); Poemas da Prisão (2004); Poemas Eróticos (2004 - edição póstuma organizada por Fátima Mendonça).

Para conhecer um pouco mais da sua obra, sugiro o ensaio José Craveirinha, publicado no Portal Lusofonia.  

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