Em 2012, na Semana
da Consciência Negra, postei o belíssimo poema Fábula, de José Craveirinha. Conheci a obra deste
genial escritor através da Antologia de
Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto
Pereira, em 1999, que encontrei por acaso disponibilizada na web. Retorno a ele
com a postagem de três pungentes poesias. Anteontem, foi a Terra de Canaã. Ontem, foi a Carreira de Gaza. Hoje, Reza, Maria.
Reza,
Maria
José Craveirinha
1ª versão
Suam no
trabalho as curvadas bestas
e não
são bestas
são
homens, Maria!
Corre-se
a pontapés os cães na fome dos ossos
e não
são cães
são
seres humanos, Maria!
Feras
matam velhos, mulheres e crianças
e não
são feras, são homens
e os
velhos, as mulheres e as crianças
são os
nossos pais
nossas
irmãs e nossos filhos, Maria!
Crias
morrem à míngua de pão
vermes
na rua estendem a mão a caridade
e nem
crias nem vermes são
mas
aleijados meninos sem casa, Maria!
Do ódio
e da guerra dos homens
das
mães e das filhas violadas
das
crianças mortas de anemia
e de
todos os que apodrecem nos calabouços
cresce
no mundo o girassol da esperança
Ah!
Maria
põe as
mãos e reza.
Pelos
homens todos
e
negros de toda a parte
põe as
mãos
*
Ilustração
de Joba Tridente (2014)
José João Craveirinha (1922 - 2003) nasceu em Maputo,
Moçambique. Considerado o maior escritor
moçambicano, o primeiro a receber o Prêmio
Camões, iniciou-se no jornalismo no Brado
Africano e se firmou colaborando com diversos veículos de informação.
Craveirinha esteve preso entre 1965 e 1969, pela PIDE (Polícia Internacional e
de Defesa do Estado), na Cela 1, com Malangatana e Rui Nogar. O escritor
utilizou vários pseudônimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno
Cravo e Abílio Cossa. É autor de Xigubo
(1964 - com 13 poemas e 1980 – com 21 poemas); Cantico a un dio di Catrame (1966); Karingana ua karingana (1974);
Cela 1 (1980); Izbrannoe (1984); Maria (1988); Babalaze
das hienas (1996); Hamina
e outros contos (1997); Maria.
Vol.2 (1998); Poemas da Prisão
(2004); Poemas Eróticos (2004 - edição póstuma
organizada por Fátima Mendonça).
Para
conhecer um pouco mais da sua obra, sugiro o ensaio José Craveirinha, publicado no Portal Lusofonia.
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