Ainda na adolescência tive o meu
interesse despertado para a Cultura Grega. Tentei, inclusive, aprender grego. Nunca
me esqueço do prazer ao comprar (à prestação) o Paideia - A Formação do Homem Grego, de Werner Jaeger. 1345 páginas
de deslumbramento. Odes de Anacreonte (Ediouro)
é desta época. A princípio, pensei em postar umas três odes na tradução de Almeida Cousin. Depois, como tenho também
a edição das mesmas odes traduzidas por Jamil
Almansur Haddad e uma outra digital bilíngue, feita por Carlos A. Martins de Jesus, me pareceu
interessante “contrapor” as três versões de Cupido de Cera. Na verdade, quatro, já que a de Cousin foi revista.
UM CUPIDO DE CERA
Anacreonte
Ἔρωτα
κήρινόν τις
νεηνίης ἐπώλει·
ἐγὼ δέ οἱ παραστάς
’πόσου
θέλεις’ ἔφην ‘σοι
τὸ τυχθὲν ἐκπρίωμαι;’
ὃ
δ’ εἶπε δωριάζων
’λάβ’ αὐτὸν ὁππόσου λῆις.
ὅπως
δ’ ἂν ἐκμάθηις πᾶν,
οὐκ εἰμὶ κηροτέχνας,
ἀλλ’
οὐ θέλω συνοικεῖν
Ἔρωτι
παντορέκται.’
’δὸς οὖν, δὸς αὐτὸν ἡμῖν
δραχμῆς, καλὸν σύνευνον.’
Ἔρως,
σὺ δ’ εὐθέως με
πύρωσον·
εἰ δὲ μή, σύ
κατὰ φλογὸς τακήσηι.
Um
Cupido de cera (1966)
Eros,
moldado em cera,
Eis
que um moço vendia.
Chego-me
e lhe pergunto
O
preço que teria:
- “Quanto
será que queres
Por
essa imagem? Diz?”
- “Paga-me
o que quiseres
(disse
em dórico rudo)
Em
língua franca e rasa
Declaro:
- Não o fiz
E
até não quero em casa
Um
Amor, que pede tudo
Que
vê que eu tenho – o estrago!”
- “Pois
dá-mo, que to pago
Até
por um dracma.
Há
de ficar comigo
Esse
amorinho lindo...
Tu,
Eros, ouve logo:
Abrasa-me!
– ou prometo,
Se
não me dás tal fogo,
Nas
chamas te derreto...”
Um
Cupido de cera (1983)
Eros,
moldado em cera,
Eis
que um moço vendia.
Chego-me
e lhe pergunto
O
preço que teria:
-
Quanto será que queres
Por
essa imagem. Diz.
-
Paga-me o que quiseres
(disse
em dórico rudo)
-
Não fui eu quem o fiz
E
até não quero em casa
Um
Amor, que pede tudo
Sem
me tornar feliz.
-
Pois dá-mo, que to pago
Até
por um dracma.
Há
de ficar comigo
Esse
andorinho lindo...
Tu,
Eros, ouve logo:
Abrasa-me!
– ou prometo,
Se
não me dás tal fogo,
Sou
eu que te derreto...”
A
tradução de Almeida Cousin encontra-se
na segunda edição bilíngue Odes de
Anacreonte, Edições de Ouro (1966), e na Edição Achiamé, de 1983.
Sobre um Cupido de cera
Comprei
por uma dracma um Cupido de Cera,
obra-prima
de artífice.
Pu-lo
sobre o leito.
Supus
que ele fosse queimar o meu peito.
Mas na
noite plena de sussurros e mistérios,
a noiva
coroou-se de salsa
e a
chama, sendo alta,
quem se
dissolveu foi Eros.
Tradução
de Jamil Almansur Haddad publicada
em Odes Anacreônticas, Editora José
Olympio (1952).
(sem
título)
Um Eros
de cera certo
moço
estava a vender.
Eu,
parando a seu lado,
lhe
perguntei: “quanto queres
pela
tua obra de arte?”
Responde-me
ele em dórico:
“Leva-o
por quanto quiseres!
E para
tudo ficares a saber,
não sou
escultor de cera,
apenas
não quero conviver
com um
Eros tão atrevido.”
“Dá-mo,
dá-mo por uma dracma,
esse
belo companheiro de leito.”
E tu
Eros, sem demora,
abrasa-me;
senão, tu mesmo
hás-de
derreter nas chamas.
Tradução
de Carlos A. Martins de Jesus
publicada em Anacreontea - Poemas à maneira de
Anacreote - Edição
digital Fluir Perene (2009).
*
arte de Joba Tridente (2014) sobre a escultura Eros de Lysippos (séc. IV a.C.)
José Coelho de Almeida Cousin (1897 - 1991), farmacêutico,
advogado escritor, cronista, crítico, jornalista. Na década de 30 foi redator
da revista Vida Capichaba e
colaborador de diversos periódicos do Espírito Santo. Foi Membro da Academia
Espírito-Santense de Letras. É autor, entre outras obras, de: Chispas (1924); Itamonte (1932); Naufrágios (1937); O amor de Dom Juan; Poemas da
terra e da vida; Epopeia brasilista;
A sagração da mulher; Cem anos de memórias; Mundos e Fundos; Cartas Antigas; Troveirinho,
Tradução: Odes de Anacreonte (Pongetti, 1948; Edições de Ouro, 1966;
Edição Achiamé, 1983). Fontes web: Enciclopédia de Literatura
Brasileira.
Jamil
Almansur Haddad
(1914 - 1988), médico, crítico, ensaísta, escritor, historiados, teatrólogo,
antologista, tradutor. Haddad foi presidente do Clube de Poesia de São Paulo,
membro da Academia Paulista de Letras, e colaborador de diversos jornais
paulistas. De origem libanesa, converteu-se ao Islamismo. Os livros Alkamar, a Minha Amante e Orações Negras foram premiados pela
Academia Brasileira de Letras. Entre suas obras destacam-se: Contos
árabes; As obras-primas da poesia religiosa brasileira; Histórias
galantes; História poética do Brasil; Raízes de Castro Alves. Traduziu: Cântico dos cânticos; Omar Khayyam: Rubaiyat; Petrarca: Cancioneiro; Boccaccio: Decamerão;
Odes
Anacreônticas (1952); Victor Hugo: Odes
e Baladas; Ovídio: A arte de amar;
Giosue Carducci: Poesias escolhidas. Fonte web: Wikipédia.
Carlos
A. Martins de Jesus
é Doutor em Letras pela Universidade de Coimbra, na especialidade de Literatura
Grega (2012), Mestre (2007) e Licenciado (2005) pela mesma instituição,
desenvolvendo à data um projeto de Pós-doutoramento em torno da Antologia
Grega. Tem trabalhado sobretudo com poesia grega (arcaica, clássica e
tardo-clássica) e iconografia, em especial a cerâmica grega. Com várias dezenas
de trabalhos publicados, entre monografias, comunicações e artigos em revistas
nacionais e internacionais da especialidade, assinou a tradução portuguesa de
obras como os Fragmentos Poéticos, de Arquíloco (2008), o Diálogo sobre o Amor, de Plutarco
(2009), os Anacreontea (2010), Suplicantes, de Ésquilo (2012) e As Vespas, de Aristófanes (2010). Tem
ainda trabalhado como dramaturgo, encenador, produtor e ator no âmbito do
teatro de tema clássico, em Portugal e Espanha. Fonte web: Plataforma DeGóis.
Estou procurando aquelas odes dele em que fala de vinho.
ResponderExcluir..., olá, Fernando, assim como edição "Odes de Anacreonte" (EDIOURO), a Anacreontea - Poemas à maneira de Anacreonte (Fluir Perene) traz vários poemas falando de vinho e bebedeiras. ..., sabe exatamente qual ou quais seriam? ..., este dois, por exemplo, estão em Anacreontea, com tradução de Carlos A. Martins de Jesus:
ResponderExcluirQuando bebo o meu vinho,
o meu coração se acalenta,
[uma canção] se põe a entoar
[e a espicaçar] as Musas.
Quando bebo o meu vinho,
debandam as preocupações,
os muitos cuidados e vontades
para os ventos que sacodem o mar.
Quando bebo o meu vinho,
então Baco, que dissipa as penas,
com brisas de muitas flores
me excita, alegrando-me com a bebedeira.
Quando bebo o meu vinho,
com grinladas de flores entrelaçadas
e ajustadas à minha fronte,
canto a serenidade da vida.
Quando bebo o meu vinho,
com mirra odorífera ungida
a pele, e nos braços uma moça
apertando, Cípris celebro a cantar.
Quando bebo o meu vinho,
sob o efeito das côncavas taças
o meu espírito libertando,
rejubilo com o tíaso1 de rapazes.
Quando bebo o meu vinho,
esta certeza apenas me aproveita,
esta certeza levarei para toda a parte:
a de morrer, como todas as coisas.
1 Originalmente, o thiasos era o grupo, de carácter selvático, que prestava
culto a Diónisos. Neste contexto, está associado ao vinho e ao cenário de banquete.
O cacho de uvas de negra tez
em cestos o levam os homens
e as moças aos ombros
[.......................................]
quando para o lagar o atiram,
apenas os varões o pisam,
dos cachos libertando o vinho,
bem alto aplaudindo o deus
com cantos de vindima,
ao ver espumar, nas vasilhas,
o amável Baco novo.
Sempre que o bebe um velho,
de pés trémulos é vê-lo dançar,
a branca cabeleira agitando.
A uma moça armou a rede
um amável mancebo […
…] e, agachando-se,
o seu corpo gentil, estendido
sobre folhas ensombradas, ele abraça,
vencida que esteja pelo sono.
E Eros, com inoportunos feitiços,
[incentiva a rapariga às futuras]
bodas se tornar infiel.
Ele, não a convencendo por palavras,
mesmo sem ela querer a aperta:
deste modo Baco, entre a gente nova,
ébrio se diverte e espalha a confusão.
..., espero ter ajudado. ..., grato pela visita. abs! T+