segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Hans Christian Andersen: Histórias do Brilho do Sol

Aproveitando a comemoração da Semana da Criança, no Brasil, como desculpa, estou publicando uma série de sete contos do grande escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que já apareceu por aqui, em setembro e outubro de 2014, com os emblemáticos O Livro MudoA Família Feliz e Só A Pura Verdade. A obra de Andersen, com sua rica alegoria, também (ou até mais) cala fundo na consciência do público adulto. Algumas ilustrações Edna F. Hart e ou de F. Reiß são das edições originais disponibilizadas pela Gutemberg e ou Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro. Ontem foi o dia de A Gota de Água. Hoje é a hora das Histórias do Brilho do Sol.



HISTÓRIAS DO BRILHO DO SOL
Hans Christian Andersen
ilustração de Edna F. Hart

— Agora vou eu contar! — disse o Tempo Ventoso.

— Não, com sua licença! — disse o Tempo de Chuva. — Agora é a minha vez! Há muito que está a uivar na esquina da rua, se é que tanto assim se pode uivar!

— É o agradecimento — disse o Tempo Ventoso — por ter virado muitos chapéus de chuva em sua honra. Sim, tê-los quebrado mesmo, quando as pessoas não querem nada consigo!

— Silêncio! Eu conto! — falou o Brilho do Sol. — E isto foi dito com lustro e majestade. De tal modo que o Tempo Ventoso se deitou a todo o comprimento, mas o Tempo de Chuva sacudiu-o e proferiu:

— Temos de suportar isto! Entra de rompante, esse senhor Brilho do Sol! Não vamos ouvi-lo! Não vale a pena!

Mas o Brilho do Sol contou:

— Voava um cisne sobre o mar ondulante. Cada uma das suas penas brilhava como ouro. Uma delas caiu lá em baixo, no grande navio mercante que vogava a todo o pano. Pousou no cabelo encaracolado de um jovem, o superintendente da mercadoria. Ou o sobrecarga, como era denominado. A pena da ave da sorte roçou-lhe a testa e tornou-se uma pena de escrever na sua mão. O jovem fez-se tão rico mercador que bem podia comprar para si esporas de ouro e transformar travessas de ouro num brasão de nobreza.

— Brilhei nele! — disse o Brilho do Sol.

— O cisne voou sobre o prado verde onde o pastorinho, um rapazinho de sete anos, se deitara à sombra da velha e única árvore ali existente. E o cisne, no seu voo, beijou uma das folhas da árvore, que voou para a mão do rapaz. De uma folha se fizeram três, de que se fizeram dez, de que se fez todo um livro e ele leu neste as maravilhas da natureza, sobre a língua materna, sobre a fé e o saber. Quando chegava a hora de ir para a cama, punha o livro debaixo da cabeça para não esquecer o que lera, e o livro levou-o aos bancos da escola, à mesa da erudição.

— Li o seu nome entre os dos sábios! — disse o Brilho do Sol.

— De novo o cisne voou. Dirigiu-se para dentro da solidão do bosque e repousou nos lagos calmos e sombrios, onde crescem as açucenas brancas, onde crescem as maçãs bravas e onde os cucos e as pombas bravas têm pouso.

Uma pobre mulher andava a juntar lenha. Ramos caídos. Pô-los às costas e, com o filhinho ao peito, foi para casa. Viu o cisne dourado, o cisne da felicidade, elevar-se da margem onde cresciam os juncos. Que brilhava ali? Um ovo de ouro que estava ainda quente. Pô-lo junto ao peito e quente ficou. Havia certamente vida no ovo. Sim, algo picava dentro da casca. Apercebeu-se disso e julgou que era o seu próprio coração que batia.

Em casa, na pobre cabana, tirou o ovo de ouro para fora. Tique, tique! — soava ele, como se fosse um relógio de ouro precioso. Mas era um ovo cheio de vida. Eclodiu. Um cisnezinho, com plumagem como se fosse de ouro puro, pôs a cabeça de fora. Tinha quatro anéis à volta do pescoço e, como a pobre mulher tinha, precisamente, quatro rapazes, três em casa e o quarto que trouxera consigo da solidão do bosque, compreendeu que era um anel para cada uma das crianças e, nesse preciso momento, a avezinha de ouro partiu a voar.

Beijou cada anel e fez com que cada um dos filhos os beijasse também. Pô-los junto do coração das crianças e, depois, colocou-os nos seus dedos.

— Eu vi-o! — disse o Brilho do Sol. — E vi o que se seguiu!

Um dos rapazes sentou-se numa poça de barro, formou um torrão na mão, moldou-o com os dedos e este tornou-se na figura de Jasão, que foi buscar o Tosão de Ouro.

O segundo dos rapazes correu para o prado, onde havia flores com todas as cores imagináveis. Colheu uma mão-cheia delas e apertou-as com tanta força que os sucos lhe salpicaram os olhos e molharam o anel que a mãe lhe dera. Excitado, despertou-lhe de tal forma a imaginação que, dias e anos depois, ainda se falava, na cidade, do grande pintor.

O terceiro rapaz agarrou o anel tão fortemente na boca que soou um eco do fundo do coração. Sentimentos e ideias ascenderam-se em sons que subiram como cisnes cantantes e mergulharam como cisnes na profundeza do lago.

O lago fundo do pensamento. Tornou-se o mestre das notas e dos tons. Todos os países podem agora pensar: «Ele pertence a todos nós!» O quarto era o bode expiatório. Tinha gosma, falava-se. Precisava de pimenta e de manteiga como os pintainhos doentes. Diziam estas palavras com a entoação que lhes apetecia dar: «Pimenta e manteiga.» E ele recebia-as até se fartar.

— Mas de mim recebeu um beijo de Sol — disse o Brilho do Sol. — Recebeu dez beijos como se fossem um. Tinha a natureza dos poetas. Bateram-lhe e beijaram-no, mas ele tinha consigo o anel da sorte do cisne dourado da felicidade. Os seus pensamentos pairavam como borboletas cantantes. O símbolo da imortalidade!

— Foi uma história bem longa! — disse o Tempo Ventoso.

— E aborrecida! — disse o Tempo de Chuva. — Sopra-me para voltar a mim!

E enquanto o Tempo Ventoso soprou, o Brilho do Sol contou:

— O cisne da felicidade voou então sobre o mar profundo, onde os pescadores tinham deitado as redes. O mais pobre deles pensava em casar-se. E casou-se.

Casou-se porque, para ele, o cisne trouxe um pedaço de âmbar. O âmbar atrai. Atrai corações para casa. O âmbar é o mais belo incenso. Vem dele um odor, como da igreja vem o odor da natureza de Deus. Sentiram, verdadeiramente, a felicidade de uma bela vida em casa, a satisfação nas pequenas coisas e assim foi a sua vida. Tornou-se uma verdadeira história do Brilho do Sol.

— Vamos interrompê-lo! — disse o Tempo Ventoso. — Já falou de mais o Brilho do Sol. Para mim foi um aborrecimento!

— Para mim também! — disse o Tempo de Chuva.

— E que dizemos então nós, que ouvimos as histórias?

— Dizemos: acabaram-se agora!



Hans Christian Andersen nasceu em Odense, 1805, e morreu em Copenhague, 1875. O notório escritor dinamarquês teve uma infância pobre, mas enriquecida com as histórias que seu pai, humilde lhe contava, encenando com bonecos. Após a morte do pai, fugiu de casa e aos 14 anos começou a trabalhar no Teatro Real, em Copenhague. Andersen foi ator, corista, bailarino e autor. A maior parte de seus estudo foram financiados pelo diretor de teatro Jonas Collin. Entre outras obras, publicou: O Improvisador (1835), Nada como um menestrel  (1837), Livro de Imagens sem Imagens  (1840), O romance da minha vida (autobiografia em dois volumes, 1847). Ganhou renome com os contos (Histórias e Aventuras) para o público infantojuvenil, publicada de 1835 a 1872. Há farto material na web sobre o grande mestre. 

2 comentários:

  1. ..., olá, Susana, gracias pela visita. este conto é de uma compilação em português (de Portugal). ..., na Biblioteca Gutemberg encontrei uma seleção em catalão. ..., creio que não deve ser difícil encontrar , em domínio público, edições em castellano, na web. ..., endereço da Gutemberg: http://www.gutenberg.org/ebooks/author/2298

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