quarta-feira, 1 de junho de 2016

Wilson Bueno: Silêncios

Em minha vida há um bocado de coincidências. Algumas eu levei a sério..., outras, infelizmente, acabei negligenciando. Penso nos tantos “e se?” que não respondi e nas decisões adiadas e hoje já corroídas pelo bolor.  No final dos anos 1980, morava em Brasília-DF, trabalhando no Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) conheci o jornal Nicolau (1987-1985), publicado pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná-PR, cujo editor de texto era o escritor e jornalista Wilson Bueno (1949-2010) e editor gráfico o Guinski.

Pensava em futuramente oferecer alguma ilustração e ou mesmo literatura para análise e, quem sabe?, publicação no famoso jornal cultural. De Curitiba, além do Nicolau, as minhas referências eram a belíssima e não menos famosa revista Gráfica, do Miran, e a recém criada Gibiteca. Com a mudança de governo e o primeiro fim do MinC (1990) e quase extinção do CNDA, achei que era hora de deixar a capital e vim parar, por acaso, em Curitiba, onde reencontrei o artista plástico Rogério Dias, autor da arte do Nicolau nº. 1, que insistiu para que eu conhecesse o Wilson Bueno que, naqueles dias, estava procurando um substituto para a editoria gráfica.

Era para eu fazer um número e acabei fazendo 23 (34 ao 56..., o nº 56 estava pronto mas jamais foi publicado) de 1990 a 1995..., tempo suficiente para conhecer o grande e generoso escritor. Diziam que era temperamental e isso e mais aquilo. No entanto, em cinco anos de convivência jamais o vi exaltado, nem mesmo quando nos reunimos com o secretário de cultura que decretou o fim do Nicolau original. Com o fim do jornal, em 1995, Wilson Bueno, voltou a se dedicar à sua notória literatura, até ser barbaramente assassinado, em 2010. Seu assassino continua impune!

Já publiquei alguns trabalhos seus por aqui: Manual de Zoofilia (2014); Extras que me pareceram premonitórios: Anjos; Borboletas; Moscas (2014) e os Tankas: Rumor; Manhã; Notícias; Exercício Escolar; Fotografia (2015). Na internet há muito material sobre ele: entrevistas, análises críticas da sua literatura e dissertações (veja links abaixo). Portanto, no momento, não vejo razão para aprofundar a sua biografia. Ontem fez seis anos que foi assassinado, em sua homenagem publiquei mais cinco tankas, presentes em Pequeno Tratado de Brinquedo (1996), em português e em tradução do escritor Reynaldo Jiménez, para o espanhol. Hoje é a vez de Silêncios, quatro poemas breves, de Wilson Bueno, em português e espanhol, traduzidos por Reynaldo Jiménez e Anibal Cristobo.


                                 

s i l ê n c i o s
wilson bueno
                  para Fernando Paixão


1

há um Deus de luto
no demasiado rútilo
que se liquida ao norte
por uma estrela-de-gelo
e a lua simples nos olmos
carrega em impuro siena
pelas mãos do Deus abrupto
acre oficina de sustos


2

há um Deus bem gaio
na sarabanda do outono
que daqui se vê todo ano
o mesmíssimo outono
de há quatro mil anos
com Deus pelos cantos
pondo branco no agapanto
e amanhecendo paineiras


3

há um Deus silente
na tinta incendiada
de sonetos e poentes
manhã de ouro encardida
cincerros da madrugada
sussuro de Deus com pluma
no andado quase ar voante
de chá e voal o vento


4

diante de tanto quanto Deus
dá-me que entenda
pelo juízo da veia
a via tácita ou láctea
de víscera expectante
pelo que Deus põe de tarde
numa abelha azul-da-prússia
e vos faz de céu e senha








s i l e n c i o s
wilson bueno
 traducciones de reynaldo jiménez y anibal cristobo
revisadas por w.b. 


1

hay un Dios de luto
en lo demasiado rútilo
que se liquida al norte
por una estrella-de-hielo
y luna simple en los olmos
arrastra en impuro siena
por las manos del Dios abrupto
acre oficina de sustos


2

hay un Dios bien gallo
en la zarabanda del otoño
que de aqui se ve todo el año
el mismísimo otoño
de hace cuatro mil años
con Dios por los cantos
poniendo Blanco
en el agapanto
y amaneciendo paineras¹


3

hay un Dios silente
en la tinta incendiada
de sonetos y ponientes
mañana de oro desgastada
cencerros de la madrugada
susurro de Dios con pluma
en lo andado casi aire volante
de te y voal el viento


4

delante de tanto cuanto Dios
dame que entienda
por el juicio de la vena
la via tácita o láctea
de víscera expectante
por lo que Dios pone de tarde
en una abeja azul-de-prusia
y te hace de cielo la seña
......................................................................................
¹ Painera: Gran árbol de la família de las bombacáceas


*
ilustração de Joba Tridente.2016


Wilson Bueno (1949-2010): escritor, cronista e jornalista. Um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Entre as suas principais obras estão: Bolero's Bar (1986); Manual de Zoofilia (1991); Mar Paraguayo (1992); Pequeno Tratado de Brinquedos (1996); Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000); Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004); Pincel de Kyoto (2007); A Copista Kafka (2007); Mano, A noite Está Velha (2011).

Wilson Bueno (1949-2010) nació en Jaguapitá, Paraná. En Curitiba, creó Y dirigió, durante ocho años, el periódico literário Nicolau. También fue coeditor de la revista de Azur (publicada en Nueva York). Es autor de Bolero's Bar (1986); Manual de Zoofilia (1991); Mar Paraguayo (1992); Pequeno Tratado de Brinquedos (1996); Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000); Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004); Pincel de Kyoto (2007); A Copista Kafka (2007); Mano, A noite Está Velha (2011)

Para saber mais sobre Wilson Bueno, é só navegar na web: A Eternidade de Wilson Bueno, em Obvious; Nicolau - Wilson Bueno, em Cândido; Roubando Wilson Bueno, em Cândido; Um Bolero em Curitiba - entrevista em Germina Literatura; Wilson Bueno: o poeta de Curitiba: um pequeno retrato em forma de entrevista do cantor das tardes melancólicas da floresta - entrevista em Germina Literatura; Wilson Bueno - Jornal Memai; Um Zoo de Signos - O Bestiário de Wilson Bueno, em Revista Zunái; Os tricksters nas Fábulas de Wilson Bueno, em  Sibila; O giro animal na literatura de Wilson Bueno - Julieta Yelin; Wilson Bueno - Fronteiras: nos entrecéus da linguagem, em Humboldt; Dissertação: Vozes, labirintos, alegorias: Mar Paraguayo, de Wilson Bueno - Celso Hernandes Favaro (2006); Dissertação: Manuais de Zoologia - Os Animais de Jorge Luis Borges e Wilson Bueno - Eduardo Jorge de Oliveira (2009); Dissertação: O sentido em dizer (Wilson Bueno) deriva da conjunção - Flávia Bezerra Memória (2010); Dissertação: Cachorros do Céu: As Transformações da Fábula em Wilson Bueno - Maria Rojanski Araújo (2012); Dissertação: A Tradição e o Contemporâneo em Jardim Zoológico, de Wilson Bueno - Bianca Estevam Veloso Ferreira (2013).

Reynaldo Jiménez nasceu em Lima, Peru, em 1959. Vive em Buenos Aires desde 1963. Poeta, ensaísta, tradutor e editor, publicou, entre outros, os livros de poemas Tatuajes (1981), Eléctrico y despojo (1984), Ruido incidental/El té (1990), 600 puertas (1993) e La curva del eco (1998). Em 1995 criou com Gabriela Giusti o selo editorial e a revista Tsé-Tsé, que dirige até hoje com Carlos Elliff e Carlos Ricardo. É um importante interlocutor da poesia brasileira contemporânea, que traduz e publica há anos na Argentina. Sites de Reynaldo Jiménez: mmmm; psicodelizado; brinkscadeira.  Para saber mais sobre o escritor: Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Reynaldo Jiménez.

Reynaldo Jiménez nació en Lima en 1959. Reside en Buenos Aires. Pub­licó: Tat­u­a­jes (1980), Eléc­trico y despojo (1984), Las miniat­uras (1987), Ruido incidental/El té (1990), 600 puer­tas (1993), La curva del eco (1988, segunda edi­ción, 2008), Musgo (2001), La inde­fen­sión (2001), San­grado (2006). Dos antologías breves: Shatki (2005, selec­ción, tra­duc­ción al por­tugués y pról­ogo de Clau­dio Daniel) y Ganga (2007, selec­ción y edi­ción de Andrés Kur­first y Mariela Lupi, pról­ogo de Mario Arteca.) Tam­bién ha pub­li­cado, en prosa, Por los pasil­los (1988) y Reflex­ión esponja (2001). Como antól­ogo: El libro de unos sonidos. 14 poetas del Perú (1989) y su ver­sión ampli­ada El libro de unos sonidos. 37 poetas del Perú (2005). Com­piló con Adrián Cangi: Pape­les insum­isos de Nés­tor Per­longher (2004). Del por­tugués tradujo par­cial­mente la obra de var­ios poetas brasileños. Desde 1995, junto a Gabriela Giusti, pro­dujo la revista-libro (y el sello edi­to­r­ial) tsé-tsé. Con Fer­nando Aldao, bajo el nom­bre de Atlanti­co­pací­fico, editó el cd La inde­fen­sión (2002), y como Ex puso a cir­cu­lar otra parte de sus graba­ciones en inter­net, donde tam­bién pub­licó recien­te­mente algunos videopoemas. Sites de Reynaldo Jiménez: mmmmpsicodelizadobrinkscadeira.   Para saber mais sobre o escritor: Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Reynaldo Jiménez.

Aníbal Cristobo é um escritor argentino cuja obra distingue-se pela experimentação. Publicou: Teste da Iguana (1997; jet-lag (2002); krill (2004); Miniaturas Kinéticas (2005). Fonte: Wikipédia. 

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