Em minha vida há um bocado de
coincidências. Algumas eu levei a sério..., outras, infelizmente, acabei
negligenciando. Penso nos tantos “e se?” que não respondi e nas decisões
adiadas e hoje já corroídas pelo bolor.
No final dos anos 1980, morava em Brasília-DF, trabalhando no Conselho
Nacional de Direito Autoral (CNDA) conheci o jornal Nicolau (1987-1985), publicado pela Secretaria de Estado da
Cultura do Paraná-PR, cujo editor de texto era o escritor e jornalista Wilson Bueno (1949-2010) e editor
gráfico o Guinski.
Pensava em futuramente oferecer alguma
ilustração e ou mesmo literatura para análise e, quem sabe?, publicação no
famoso jornal cultural. De Curitiba, além do Nicolau, as minhas referências eram a belíssima e não menos famosa
revista Gráfica, do Miran, e a recém
criada Gibiteca. Com a mudança de
governo e o primeiro fim do MinC (1990) e quase extinção do CNDA, achei que era
hora de deixar a capital e vim parar, por acaso, em Curitiba, onde reencontrei
o artista plástico Rogério Dias, autor da arte do Nicolau nº. 1, que insistiu para que eu conhecesse o Wilson Bueno que, naqueles dias, estava
procurando um substituto para a editoria gráfica.
Era para eu fazer um número e acabei
fazendo 23 (34 ao 56..., o nº 56 estava pronto mas jamais foi publicado) de
1990 a 1995..., tempo suficiente para conhecer o grande e generoso escritor.
Diziam que era temperamental e isso e mais aquilo. No entanto, em cinco anos de
convivência jamais o vi exaltado, nem mesmo quando nos reunimos com o
secretário de cultura que decretou o fim do Nicolau
original. Com o fim do jornal, em 1995, Wilson
Bueno, voltou a se dedicar à sua notória literatura, até ser barbaramente
assassinado, em 2010. Seu assassino continua impune!
Já publiquei alguns trabalhos seus por
aqui: Manual de
Zoofilia (2014); Extras
que me pareceram premonitórios: Anjos; Borboletas; Moscas (2014) e os Tankas: Rumor; Manhã; Notícias; Exercício
Escolar; Fotografia (2015). Na internet há muito material sobre
ele: entrevistas, análises críticas da sua literatura e dissertações (veja
links abaixo). Portanto, no momento, não vejo razão para aprofundar a sua
biografia. Ontem fez seis anos que foi assassinado, em sua homenagem
publiquei mais cinco tankas, presentes em Pequeno
Tratado de Brinquedo (1996), em português e em tradução do escritor Reynaldo Jiménez, para o espanhol.
Hoje é a vez de Silêncios, quatro
poemas breves, de Wilson Bueno, em
português e espanhol, traduzidos por Reynaldo
Jiménez e Anibal Cristobo.
s i l ê n c i o s
wilson
bueno
para Fernando
Paixão
1
há
um Deus de luto
no
demasiado rútilo
que
se liquida ao norte
por
uma estrela-de-gelo
e
a lua simples nos olmos
carrega
em impuro siena
pelas
mãos do Deus abrupto
acre
oficina de sustos
2
há
um Deus bem gaio
na
sarabanda do outono
que
daqui se vê todo ano
o
mesmíssimo outono
de
há quatro mil anos
com
Deus pelos cantos
pondo
branco no agapanto
e
amanhecendo paineiras
3
há
um Deus silente
na
tinta incendiada
de
sonetos e poentes
manhã
de ouro encardida
cincerros
da madrugada
sussuro
de Deus com pluma
no
andado quase ar voante
de
chá e voal o vento
4
diante
de tanto quanto Deus
dá-me
que entenda
pelo
juízo da veia
a
via tácita ou láctea
de
víscera expectante
pelo
que Deus põe de tarde
numa
abelha azul-da-prússia
e
vos faz de céu e senha
s i l e n c i o s
wilson
bueno
traducciones de reynaldo jiménez y anibal cristobo
revisadas
por w.b.
1
hay
un Dios de luto
en
lo demasiado rútilo
que
se liquida al norte
por
una estrella-de-hielo
y
luna simple en los olmos
arrastra
en impuro siena
por
las manos del Dios abrupto
acre
oficina de sustos
2
hay
un Dios bien gallo
en
la zarabanda del otoño
que
de aqui se ve todo el año
el
mismísimo otoño
de
hace cuatro mil años
con
Dios por los cantos
poniendo
Blanco
en
el agapanto
y
amaneciendo paineras¹
3
hay
un Dios silente
en
la tinta incendiada
de
sonetos y ponientes
mañana
de oro desgastada
cencerros
de la madrugada
susurro
de Dios con pluma
en
lo andado casi aire volante
de
te y voal el viento
4
delante
de tanto cuanto Dios
dame
que entienda
por
el juicio de la vena
la
via tácita o láctea
de
víscera expectante
por
lo que Dios pone de tarde
en
una abeja azul-de-prusia
y
te hace de cielo la seña
......................................................................................
¹ Painera: Gran árbol de la família de
las bombacáceas
*
ilustração de Joba Tridente.2016
Wilson Bueno (1949-2010): escritor, cronista e jornalista. Um dos nomes mais
importantes da literatura brasileira contemporânea. Entre as suas principais
obras estão: Bolero's Bar (1986);
Manual de Zoofilia (1991); Mar Paraguayo (1992); Pequeno Tratado de Brinquedos (1996);
Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000);
Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004);
Pincel de Kyoto (2007); A Copista Kafka (2007); Mano, A noite Está Velha (2011).
Wilson Bueno (1949-2010) nació en Jaguapitá, Paraná. En Curitiba, creó Y dirigió,
durante ocho años, el periódico literário Nicolau.
También fue coeditor de la revista de Azur
(publicada en Nueva York). Es autor de Bolero's
Bar (1986); Manual de Zoofilia (1991);
Mar Paraguayo (1992); Pequeno Tratado de Brinquedos (1996);
Meu Tio Roseno, a Cavalo (2000);
Amar-te a ti nem sei se com carícias (2004);
Pincel de Kyoto (2007); A Copista Kafka (2007); Mano, A noite Está Velha (2011)
Para saber mais sobre Wilson Bueno, é só navegar na web: A Eternidade de Wilson Bueno, em Obvious;
Nicolau - Wilson Bueno, em Cândido;
Roubando Wilson Bueno, em Cândido;
Um Bolero em Curitiba - entrevista em
Germina Literatura; Wilson
Bueno: o poeta de Curitiba: um pequeno retrato em forma de entrevista do cantor
das tardes melancólicas da floresta - entrevista em Germina Literatura; Wilson Bueno - Jornal Memai; Um Zoo de Signos - O Bestiário
de Wilson Bueno, em Revista Zunái; Os tricksters nas Fábulas de
Wilson Bueno, em Sibila;
O giro animal na literatura de Wilson
Bueno - Julieta Yelin; Wilson Bueno - Fronteiras: nos
entrecéus da linguagem, em Humboldt;
Dissertação: Vozes, labirintos,
alegorias: Mar Paraguayo, de Wilson Bueno - Celso Hernandes Favaro (2006); Dissertação: Manuais de Zoologia - Os Animais de Jorge Luis Borges e Wilson Bueno
- Eduardo
Jorge de Oliveira (2009); Dissertação: O sentido em dizer (Wilson Bueno) deriva da
conjunção - Flávia Bezerra Memória (2010); Dissertação: Cachorros do Céu: As Transformações da Fábula em Wilson Bueno
- Maria Rojanski Araújo (2012); Dissertação: A Tradição e
o Contemporâneo em Jardim Zoológico, de Wilson Bueno - Bianca Estevam Veloso Ferreira (2013).
Reynaldo Jiménez nasceu em Lima, Peru, em 1959. Vive em
Buenos Aires desde 1963. Poeta, ensaísta, tradutor e editor, publicou, entre
outros, os livros de poemas Tatuajes (1981), Eléctrico y despojo (1984), Ruido incidental/El té (1990), 600 puertas (1993) e La curva del eco (1998). Em 1995 criou com Gabriela
Giusti o selo editorial e a revista Tsé-Tsé,
que dirige até hoje com Carlos Elliff e Carlos Ricardo. É um importante
interlocutor da poesia brasileira contemporânea, que traduz e publica há anos
na Argentina. Sites de Reynaldo Jiménez: mmmm; psicodelizado; brinkscadeira. Para
saber mais sobre o escritor: Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Reynaldo
Jiménez.
Reynaldo Jiménez nació en Lima en 1959. Reside en Buenos Aires.
Publicó: Tatuajes (1980), Eléctrico y despojo (1984), Las miniaturas (1987), Ruido incidental/El té (1990), 600 puertas (1993), La curva del eco (1988, segunda edición,
2008), Musgo (2001), La indefensión (2001), Sangrado (2006). Dos antologías breves:
Shatki (2005, selección, traducción
al portugués y prólogo de Claudio Daniel) y Ganga (2007, selección y edición de Andrés Kurfirst y Mariela Lupi,
prólogo de Mario Arteca.) También ha publicado, en prosa, Por los pasillos (1988) y Reflexión esponja (2001). Como antólogo:
El libro de unos sonidos. 14 poetas del
Perú (1989) y su versión ampliada El
libro de unos sonidos. 37 poetas del Perú (2005). Compiló con Adrián
Cangi: Papeles insumisos de Néstor Perlongher
(2004). Del portugués tradujo parcialmente la obra de varios poetas
brasileños. Desde 1995, junto a Gabriela Giusti, produjo la revista-libro (y
el sello editorial) tsé-tsé. Con
Fernando Aldao, bajo el nombre de Atlanticopacífico,
editó el cd La indefensión (2002),
y como Ex puso a circular otra parte de sus grabaciones en internet, donde
también publicó recientemente algunos videopoemas. Sites de Reynaldo Jiménez: mmmm; psicodelizado; brinkscadeira. Para saber mais sobre o escritor: Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Reynaldo Jiménez.
Aníbal Cristobo é um escritor argentino cuja obra distingue-se
pela experimentação. Publicou: Teste
da Iguana (1997; jet-lag (2002); krill (2004); Miniaturas
Kinéticas (2005). Fonte: Wikipédia.
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