quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Joba Tridente: de aranhas e de formigas

..., enquanto envelhecemos, rememoramos. jovem-adulto, morei em Brasília. tempos difíceis. dividi casa e apartamento. também morei só no distrito federal brasileiro, cercado do belíssimo cerrado. nem sempre tão só, como relembro nesta crônica poética, subtraída de uma carta à minha mãe Maria Augusta, escrita em 1985: de aranhas e de formigas (..., e alguns cacos de vidro).

       

de aranhas e de formigas
(..., e alguns cacos de vidro)
joba tridente

um dia...,
já faz um bom tempo...,
vi uma aranha de pernas longas, na janela do banheiro.
pensei que fosse bom ela tecer ali a sua teia,
assim não permitiria a entrada de pernilongos.
algum tempo depois encontrei a aranha desmaiada,
sobre a pia,
tentei (re)animá-la, mas não consegui...,
ela faleceu.

semanas depois, percebi
cadáveres de formigas em um ou outro ponto do estúdio.
estranhei aqueles exoesqueletinhos aqui e ali,
que raramente uso inseticida e, sempre,
botava farelo de bolacha no caminho ou na porta das suas tocas,
um pouco distante de onde jaziam.
com o passar do tempo descobri que eram mortas
por outras aranhas de pernas longas que “apareceram” na sala,
vindas não sei de onde.
fiquei chateado, a princípio,
: “umas formiguinhas tão piquenitiquinhas!”.
mas compreendi ser, esta, uma Lei Natural.
também, não eram tantas as formigas, assim,
que desencarnavam,
talvez, mesmo, as mais fracas...

descobri, ainda,
que estas formigas não trabalhavam aos domingos.
se dava comida para elas,
não era de bom grado que a recolhiam nesse dia.
talvez o Deus delas tenha descansado no domingo,
após criar o seu (delas) mundo.

de outra feita, um acidente com uma prateleira
quebrou vários vidros com ervas para chá
e voou e ficou caco para tudo quanto é lado e,
principalmente, no meio das esteiras.
limpei e bati as esteiras e varri os cantos
e passei pano molhado no chão.
no dia seguinte, embaixo da lixeira,
por onde caíram os vidros e eu havia limpado,
havia um montinho de cacos mínimos e perigosos de vidro...,
como se tivessem sido amontoados, ali, cuidadosamente.
talvez fosse trabalho das formigas.
talvez fosse trabalho das aranhas.

anos depois, ainda tenho duvidas,
se obra das formigas a quem eu “dava marmita
ou das aranhas que comiam as “gordinhas formigas
que guardavam o sétimo dia.

*
ilustração de Joba Tridente.2017


Joba Tridente, artesão de imagens e palavras em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

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