Certa
manhã, há muitos e muitos sábados, encontrei na ponta de estoque de uma
livraria de Curitiba o encantador livro Continhos
e outras alterações, de Jorge
Timossi, com ilustrações de Quino.
Uma joia rara. Até onde sei, o único livro do autor lançado no Brasil. A edição
é de 1997 e saiu pela Casa Jorge Editorial, com tradução de Sieni Marcia
Campos. Após a recente publicação de três Hai-Kais que tratam da passagem do
tempo, pensei em postar algo mais lúdico, mais leve, e me lembrei da fascinante
obra de Jorge Timossi. Escolhi cinco Continhos. Entre eles, o antológico A Aranha, que já postei anteriormente.
O Peixinho
Nesse domingo, Néstor Brasal foi pescar, feliz e
plácido, na famosa lagoa conhecida como As Águas do Olvido, usou como isca um
pouco de memória que lhe restava, lançou o anzol e, pouco depois, puxou um
peixinho dourado, muito bonito e reluzente, que contemplou durante alguns
minutos e, a seguir, tomando precauções para que ninguém visse, devolveu ao seu
meio natural, atirando-o com cuidado, mas também com certa dose de nostalgia
que lhe durou o resto daquele dia em que, por mais paciência e tenacidade que
tivesse, não conseguiu fisgar nada mais, nem sequer uma sardinha de lembrança. (p.67)
Melodrama
para I. Dávila e M. Rojas
Apagou a tela da televisão, olhou ao redor e se
convenceu de que o que agora estava vendo era algum outro capítulo mal
alinhavado daquela mesma novela.
(p.23)
Teoria
O camelo tentou de tudo para passar pelo buraco
de uma agulha, mas, quando se convenceu de que era impossível, teve a ideia de
contornar um lado dessa maldita agulha e colocar-se, assim, do outro lado, como
quem cumpriu da mesma forma aquela sagrada missão de que o haviam encarregado. (p.13)
A Aranha
Ficou tão bonita minha teia que já não desejo
que caia em sua fúlgida trama nenhuma outra vítima além de mim mesma. (p.9)
Imigração
para Miguel Barnet
O funcionário da alfândega abriu a maleta de
couro gasto, comprovou que aquele imigrante levava apenas sua pesada tragédia
pessoal, fechou-a com muito cuidado e murmurou, como se não se referisse a
ninguém em particular: “Passe, de qualquer maneira acho que não vai lhe ser de
nenhuma utilidade”. (p.53)
*
ilustrações e fotomontagem de Joba Tridente
Jorge Timossi Corbani (Buenos Aires, 1936 - Havana,
2011) - escritor, cronista, ensaista e jornalista argentino-cubano. Correspondente
em diversos países, inclusive no Brasil (1959 e 1960), cofundador da Agência
Prensa Latina, foi agraciado, entre outros, com o Prêmio da Organização Internacional de Jornalistas (1979); Ordem Félix Varela (1996); Prêmio Nacional de Jornalismo José Martí
(1999). Timossi, que inspirou o personagem Felipe,
do genial criador de Mafalda, é autor
de: Poesia Actual de Buenos Aires
(1964); El Desafio Cubano (1968); Grandes Alamedas, el Combate del Presidente
Allende (1974); Poemas de un
Corresponsal (1981); Palmeras
(1982); Um perfume para Lam (1988); Las cosas como son (1991); Cuentecillos y otras alteraciones
(1995); Crónicas casi reales (1995); Los consejos del abuelo conejo (1999); Juego de Apariencias (?); Juan Pablo II en Cuba (coautor con el
fotógrafo Korda y Jorge Luna (?); Palabras
sin fronteras (2001).
No Brasil
há pouquíssima informação sobre Jorge
Timossi. Vasculhando na web encontrei uma matéria bacana (link): Jorge
Timossi em mi memoria,
de José dos Santos, para revista de cultura cubana (link) La
Jiribilla. Se
encontrar Continhos e outras alterações
em alguma livraria, compre!..., vale cada palavra.
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