O trecho
abaixo, escrito há mais de um século, é um parágrafo da introdução a Contos Populares do Brasil, recolhidos por Silvio Romero. No Brasil o racismo é crime inafiançável. Que
se saiba há ninguém preso. O criminoso é denunciado, presta depoimento e
aguarda em liberdade o julgamento. Se condenado (o que é improvável), pode
recorrer ad infinitum. É, parece que
nada ou pouco mudou. O título (Racismo no
Folclore Brasileiro) é meu.
NOTA: Ao reler a postagem, a fim de compreender melhor
(e não comprometer!) o contexto, evitando qualquer “achismo racial”, me pareceu
necessário complementar com o parágrafo anterior.
Racismo
no Folclore Brasileiro
(...) Os autores diretos, repitamos, que
cantavam na língua como sua, foram os portugueses e os mestiços. Quanto aos índios
e negros, verdadeiros estrangeiros, e forçados ao uso de uma língua imposta, a sua
ação foi indireta, ainda que real. Na formação da psicologia do mestiço, a que
iam transmitindo suas tendências intelectuais com todas as suas crenças,
abusões, lendas e fantasias, é que se nota o seu influxo. A ação fisiológica
dos sangues negro e indígena no genuíno brasileiro explica-lhe a força da
imaginação e o ardor do sentimento. Não há aqui, pois, em rigor, vencidos e
vencedores; o mestiço congraçou as raças e a vitória é assim de todas três. Pela
lei da adaptação elas tendem a modificar-se nele, que, por sua vez, pela lei da
concorrência vital, tendeu e tende ainda a integrar-se à parte, formando um
tipo novo em que predomina a ação do branco. Pertencem-lhe diretamente em nossa
poesia popular todas as cantigas que não encontram correspondentes nas coleções
portuguesas. como todos os romances sertanejos, muitas xácaras e versos gerais
de um sabor especial. A estas criações, que chamarem0s mistas, dá-se cumulativamente
a ação das três raças, e ao mestiço pertencem, como próprios, 0 langor lascivo
e 0s cálidos anélitos da paixão. Quase todos 0s versos desta espécie coligimos
da boca de ariscas e faceiras mulatas.
Encontra-se
ainda entre nós certa tendência de ridicularizarem-se mutuamente as diversas
raças. O caboclo foi, desde os tempos coloniais, o objeto de muitos motejos e
lendas debicativas; era considerado o tipo da tolice e da fatuidade, a
encarnação do parvo e do basbaque. O negro era, por sua vez, bem escarnecido, e
o português alcunhado de maroto, galego, marinheiro, etc. Ao mestiço deu-se o nome de cabra, bode, e outros
títulos malsinantes. Este estado de luta latente ainda se nos depara no
folclore brasileiro.
*
Ilustração
de Joba Tridente (2014)
Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero
(Lagarto, 1851 - 1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor,
filósofo. Romero foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897
e escreveu para diversos jornais. Silvio
Romero é, entre outras obras, autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição
naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia
no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica
moderna (1880); Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883);
Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, I e
II (1888); A poesia popular no Brasil (1880); Compêndio da História
da Literatura Brasileira (1906).
Nenhum comentário:
Postar um comentário