sexta-feira, 2 de maio de 2014

Silvio Romero: Racismo no Folclore Brasileiro

O trecho abaixo, escrito há mais de um século, é um parágrafo da introdução a Contos Populares do Brasil, recolhidos por Silvio Romero. No Brasil o racismo é crime inafiançável. Que se saiba há ninguém preso. O criminoso é denunciado, presta depoimento e aguarda em liberdade o julgamento. Se condenado (o que é improvável), pode recorrer ad infinitum. É, parece que nada ou pouco mudou. O título (Racismo no Folclore Brasileiro) é meu. 

NOTA: Ao reler a postagem, a fim de compreender melhor (e não comprometer!) o contexto, evitando qualquer “achismo racial”, me pareceu necessário complementar com o parágrafo anterior.



Racismo no Folclore Brasileiro

(...) Os autores diretos, repitamos, que cantavam na língua como sua, foram os portugueses e os mestiços. Quanto aos índios e negros, verdadeiros estrangeiros, e forçados ao uso de uma língua imposta, a sua ação foi indireta, ainda que real. Na formação da psicologia do mestiço, a que iam transmitindo suas tendências intelectuais com todas as suas crenças, abusões, lendas e fantasias, é que se nota o seu influxo. A ação fisiológica dos sangues negro e indígena no genuíno brasileiro explica-lhe a força da imaginação e o ardor do sentimento. Não há aqui, pois, em rigor, vencidos e vencedores; o mestiço congraçou as raças e a vitória é assim de todas três. Pela lei da adaptação elas tendem a modificar-se nele, que, por sua vez, pela lei da concorrência vital, tendeu e tende ainda a integrar-se à parte, formando um tipo novo em que predomina a ação do branco. Pertencem-lhe diretamente em nossa poesia popular todas as cantigas que não encontram correspondentes nas coleções portuguesas. como todos os romances sertanejos, muitas xácaras e versos gerais de um sabor especial. A estas criações, que chamarem0s mistas, dá-se cumulativamente a ação das três raças, e ao mestiço pertencem, como próprios, 0 langor lascivo e 0s cálidos anélitos da paixão. Quase todos 0s versos desta espécie coligimos da boca de ariscas e faceiras mulatas.

Encontra-se ainda entre nós certa tendência de ridicularizarem-se mutuamente as diversas raças. O caboclo foi, desde os tempos coloniais, o objeto de muitos motejos e lendas debicativas; era considerado o tipo da tolice e da fatuidade, a encarnação do parvo e do basbaque. O negro era, por sua vez, bem escarnecido, e o português alcunhado de maroto, galego, marinheiro, etc. Ao mestiço deu-se o nome de cabra, bode, e outros títulos malsinantes. Este estado de luta latente ainda se nos depara no folclore brasileiro.

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Ilustração de Joba Tridente (2014)

Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (Lagarto, 1851 - 1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Romero foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais.  Silvio Romero é, entre outras obras, autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, I e II (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906). 

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