sexta-feira, 9 de maio de 2014

Marquês de Paranaguá: O Rio e O Regato

Em Outubro de 2012, na Semana da Criança, postei a fábula O Cão e o Tamanduá, do Doutor Anastácio Luiz do Bomsucesso, que encontrei no curioso livro Florilegio Brasileiro da Infancia - editado pela Livraria Clássica do Editor Nicoláo-Alves, em 1874, e disponibilizado em versão digital pela Brasiliana USP. Em tempos de excesso e de falta de água, volto ao Florilegio para postar uma bela Alegoria: O Rio e O Regato, assim definida:A alegoria é uma poesia solta ou incluída em outra, na qual, com uma ação fantástica e com sujeitos e objetos de natureza estranha, se pintam fatos e ações próprias dos homens.” O Rio e O Regato é de autoria de Marquez de Paranaguá. Atualizei rapidamente a grafia.


O RIO E O REGATO
Marquez de Paranaguá *

A um manso regato um dia
Soberbo rio dizia:
Desgraçado, eu te lamento,
Em teu curso pobre e lento;
Pois fazendo voltas tantas
Por entre rasteiras plantas,
Corres sem nome, escondido,
Entanto que eu conhecido
Nas cidades mais formosas,
Minhas ondas copiosas
Meto, levando abundância
A mais remota distancia.
Cem regatos orgulhosos
De minha aliança, ansiosos,
Se vêm meter no meu seio
Sem fazer um só rodeio.
Demais, eu tenho coragem,
E nada em minha passagem
Encontro, que eu não arrede.
Disse; e ainda mais falara,
Quer da sua origem rara,
Quer das suas qualidades,
Quando a tais fatuidades,
Mais sábio, o pobre regato
Lhe responde, e mui pacato:
Que, amigo! da matriz
Ou lago d'onde saís,
Não tenho eu também saído?
Logo depois de nascido
Um e outro n'esta selva,
Debaixo da mesma relva,
Nossas águas não correram?
D'onde é pois, que vos vieram
Tantos fumos de altivez ?
Só o acaso é que nos fez,
Deixando o materno berço,
Correr por lugar diverso.
Vós em terreno inclinado
Caminhais mais apressado,
Absorvendo estes ribeiros
Que em vós se metem ligeiros,
Vossas águas engrossando.
Eu ao longo costeando
Estas formosas colinas,
Minhas águas cristalinas
Conduzo tranquilamente;
Mas por isto, francamente,
Julgais ser mais do que eu, nobre?
E verdade que mais pobre
Eu sou d'agua; porém ela
Não é clara, pura e bela?
Vós causais o medo e espanto
Por onde passais; entanto
Que eu com murmúrio sereno,
Regando mais de um terreno,
Fertilizo estas campinas
Sem causar essas ruínas,
Que por vós causadas vejo;
Antes sempre benfazejo:
Até que a minha corrente
Se confunda, finalmente
N'esse mar vasto e profundo,
Onde um dia, sem segundo,
Tocando os mesmos extremos
Ambos juntar-nos devemos.

*
Ilustração de Joba Tridente - 2014

* Não tenho certeza, mas acredito que Marquez de Paranaguá seja João Lustosa da Cunha Paranaguá (1821-1912), 2º visconde e marquês de Paranaguá. Conforme o Ensaio Biográfico de Chico Castro, editado pela Câmara dos Deputados - Brasília, em 2009, ele “atuou durante quarenta anos na política, de 1850 à implantação da República, em 1889. Deputado à Assembleia Geral de 1850 a 1864, foi eleito, em 1865, senador vitalício, cargo que ocupou até à queda do Império. Entrelaçou a atividade parlamentar com a de presidente das províncias do Maranhão, Pernambuco e Bahia e a de ministro do imperador D. Pedro II, tendo sido titular das pastas da Justiça, da Guerra, da Fazenda, além de ter presidido o Conselho de Ministros. Nomeado conselheiro de Estado, foi ainda ministro dos Negócios Estrangeiros”. A minha dedução vem do sumário do Ensaio Biográfico: Paranaguá e a seca de 1877; Paranaguá e o porto de Amarração; Navegação do rio Parnaíba; Navegação a vapor no rio Parnaíba; A seca no Nordeste.  Há também o militar e político Francisco Vilela Barbosa, o 1º visconde e marquês de Paranaguá (1769-1846). É o que sei sobre o nome do autor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...