Esta divertida crônica do jornalista e
escritor Gaspar da Silva, envolvendo Herculano e Junqueiro, encontrei no Almanach Popular para 1878, edição Brasiliana USP.
Alexandre
Herculano e Guerra Junqueiro
Gaspar
da Silva
Os jornais têm publicado
ultimamente diversos episódios da vida do primeiro historiador e filósofo
português.
Todos esses fatos trazidos pela
imprensa ao conhecimento publico tendem a demonstrar a inabalável austeridade
de caráter e a sisudez do inspirado artista, que cinzelou a colossal e assombrosa
estátua de Eurico.
Entretanto, Herculano, fora das
suas horas de concentração, era jovial e faceto, como o revela a seguinte
anedota:
Guerra Junqueiro, ao concluir o
seu notável poema A Morte de D. João,
lembrou-se, muito naturalmente, de o dedicar ao grande escritor.
Pediu cartas de apresentação e dirigiu-se a Vale
de Lobos, onde Herculano o recebeu com benevolência e afabilidade extremas.
Junqueiro chegara de noite a Vale
de Lobos, não obstante o cansaço da jornada, prolongou até ao amanhecer a leitura
do poema.
Herculano, costumado a
deitar-se muito cedo, sofria, aparentemente resignado, mas intimamente
constrangido, o suplício que o imaginoso poeta lhe quis infligir.
No dia imediato, Junqueiro
ouvia da boca do venerando mestre a mais lisonjeira opinião acompanhada do
consentimento para a dedicatória.
- Regresso a Lisboa hoje mesmo
e vou cheio de orgulho, disse Junqueiro.
- Não, acudiu Herculano; o meu
amigo há de permitir que eu lhe mostre também as minhas obras novas. Demore-se
até amanhã.
Toda a gente supunha que
Herculano possuía preciosos trabalhos inéditos e Junqueiro pensou desde logo no
grande triunfo que colheria sendo o primeiro a revelar e a falar dos escritos
que o autor da Historia de Portugal
não mostrara aos mais íntimos amigos.
Ficou.
Herculano pediu o braço ao
jovem revolucionário e lá foram os dois para a formosa quinta, em alegre
conversação.
Chegados à horta, Herculano
mostrou a Junqueiro a grande variedade de hortaliças, os rotundos repolhos, as
belas couves, dizendo de onde mandara vir as sementes, como preparara a
terra...
Dali foram ao jardim.
- Estas flores, explicava
Herculano, são minhas filhas.
Fui eu que lhes dei cores tão
variadas pela combinação do pólen de muitas flores...
Depois percorreram os olivais.
Herculano falava sempre, não saindo de assuntos agrícolas.
À noite voltaram para a modesta
vivenda. Junqueiro manifestava-se ansioso pelo cumprimento da promessa de
Herculano.
Este, percebendo a ansiedade do
hóspede, disse-lhe:
- Já lhe mostrei as minhas
obras novas, meu amigo. Confesse que ninguém, em Portugal, come melhor, repolho
do que eu...
Junqueiro ficou desapontado!
*
Ilustração: Foto e Arte de Joba Tridente (2014)
Boaventura
Gaspar da Silva Barbosa (1855-1910),
o Visconde de São Boaventura: jornalista polêmico e escritor modernista
português. No tempo em que viveu no Brasil foi redator e diretor de diversos
jornais, entre eles: A Província de S.
Paulo (atual O Estado de S. Paulo);
Jornal do Comércio; Diário Mercantil de São Paulo. É autor
de: Antes de Soprar a Luz; O Balzac de S. Miguel de Seide; Reacção e Liberdade; Revérberos; O Livro de Luísa; A Pasta de
um Jornalista; Pátria Amada.
Gaspar da Silva traduziu Alphonse Daudet: Fromont
jeune et Risler aîné e Charles Baudelaire: Poemetos em Prosa.
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