Encontrei o belo poema A
Morte da Águia, do escritor Luiz
Guimarães Júnior (1845-1898), na antologia Lyra
Popular Brasileira (1927),
disponibilizada pela Brasiliana-USP. Foi paixão à primeira leitura. Antes de
saber o autor, pensei, a princípio, que fosse do grande Guerra Junqueiro
(1850-1923), que escreveu magnífico O Melro, publicado
aqui, em duas partes. Ao final da leitura vi que era obra de Luiz Guimarães que, por acaso, foi
amigo de Junqueiro. Pesquisando mais sobre o escritor, encontrei o poema (numa formatação
diferente) na versão digital do livro Sonetos
e Rimas, da Academia Brasileira de Letras, de onde selecionei
o fascinante O Viajante e o sensual Edílio.
A Morte
da Águia
Luiz Guimarães Júnior
A
bordo vinha uma águia. Era um presente
que
um potentado, um certo rei do Oriente
mandava
a outro: um mimo soberano.
Era
uma águia real. Entre a sombria
grade
da jaula o seu olhar luzia,
profundo
e triste como o olhar humano.
Aos
balanços do barco ela curvava
ao
níveo colo a fronte que cismava...
E
enquanto as ondas túrbidas gemiam
ao
som do vento, em fúnebres lamentos,
ela
pensava nos longínquos ventos
que
do Himalaia os píncaros varriam.
Fora
uma infame e traiçoeira bala,
que
do régio fuzil negra vassala,
invisível
— uma asa lhe partira:
cheia
de luz, tranquila, majestosa,
dobrando
a fronte branca e poderosa
aos
pés dum rei a águia real caíra.
Os
bonzos vis, proféticos doutores,
sondando-lhe
a ferida e as cruas dores,
que
um venenoso bálsamo tentava
apaziguar
em vão — diziam rindo:
«Não
há no mundo um exemplar mais lindo:
«Vale
um império!» E a águia agonizava.
Um
dia, enfim, o animal valente
resistindo
aos martírios, largamente,
respirou
amplidão. A asa possante
abrir
tentou de novo. Aberta estava
a
jaula colossal que o esperava:
forçoso,
era partir. Desde esse instante,
A
águia sombria e muda e pensativa,
solene
mártir, vítima cativa,
terror
dos vis e símbolo dos bravos,
pediu
a morte a Deus, pediu-a ansiosa,
longe,
porém, da corte vergonhosa,
desse
covarde e baixo rei de escravos.
Pediu
a morte a Deus, o cataclismo,
as
convulsões elétricas do abismo,
as
batalhas finais! Morrer num grito
vibrante,
imenso, heroico, soberano,
e
fremente rolar no azul do oceano,
como
um Titan caído do infinito.
Morrer
livre, cercada de vitórias,
com
suas asas, pavilhão de glórias,
inundadas
da luz que o sol espalha:
ter
o fundo do mar por catacumba,
as
orações do vento que retumba,
e
as cambraias da espuma por mortalha.
Entanto,
melancólica, tristonha,
como
um gigante mórbido que sonha,
fitava
ás vezes o revolto oceano,
com
esse olhar nublado e delirante
com
que saudava César triunfante
o
moribundo gladiador romano.
O
comandante, um urso do mar bondoso,
disse
um dia ao escravo rancoroso,
ao
carcereiro estúpido, e inclemente:
—
Leve-a ao convés. Verá que esse desmaio
basta
para apagá-lo um brando raio
do
largo sol no rúbido oriente.
Subiu
então a jaula ao tombadilho;
do
nato dia o purpurino brilho
salpicava
de luz o céu nevado.
E
a águia, elevando a pálpebra dormente,
abriu
as asas ao clarão nascente!
como
as hastes de um leque iluminado.
O
mar gemia, lôbrego e espumante,
açoitando
o navio; além, distante,
nas
vaporosas bordas do horizonte,
as
matutinas nevoas que ondulavam
em
suas varias curvas figuravam!
os
largos flancos triunfais de um monte.
—
Abra-lhe a porta da prisão — (ridente
o
comandante disse) esta corrente
para
conter-lhe o voo é mais que forte:
voar!
pobre infeliz! causa piedade!
dê-lhe
um momento d'ar e liberdade,
único
meio de a salvar da morte.
Quando
a porta se abriu, como uma tromba,
como
o invencível furacão que arromba
da
tempestade as negras barricadas,
a
águia lançou por terra o escravo pasmo,
e,
desprendendo um grito de sarcasmo,
moveu
as longas asas espalmadas.
Pairou
sobre o navio imensa e bela
como
uma branca, uma isolada vela
a
demandar um livre e novo mundo;
crescia
o sol nas nuvens refulgentes,
e
como um turbilhão d'águias fermentes
zunia
o vento na amplidão, profundo.
Ela
lutou ansiosa! Atra agonia.
Sufocava-a.
O escravo lhe estendia
os
miseráveis e covardes braços;
nu,
o oceano ao longe cintilava,
e
a rainha do ar, em vão, buscava
onde
pousar os grandes membros lassos.
Sobre
o barco pairou ainda, e alçando,
alçando
mais os voos, e afagando
na
luz do sol a fronte alvinente
ébria
de espaço, ébria de liberdade,
como
um astro que cai da imensidade
afundou-se
nas ondas de repente.
*
Ilustração de Joba Tridente -
2015
LUIZ
Caetano Pereira GUIMARÃES JÚNIOR (1845-1898):
advogado, diplomata, escritor (de verso e prosa), jornalista e teatrólogo
brasileiro. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife, seguiu a carreira
diplomática, servindo em Santiago do Chile, Roma e Lisboa..., onde, ao se
aposentar, fixou moradia e desfrutou da prazerosa companhia de Eça de Queirós,
Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Fialho Almeida. Guimarães Júnior foi membro
fundador da Academia Brasileira de Letras e colaborador de diversos veículos de
comunicação: Jornal do Domingo: Revista Universal (1881-1888); Ribaltas e Gambiarras (1881), A Reforma; A República; O Correio Paulistano;
Imprensa Acadêmica de São Paulo; Gazeta de Notícias. Na web há farto
material sobre Luiz Guimarães Junior,
autor de Poesia: Corimbos (1866); Noturnos (1872); Sonetos e
Rimas (1880); Ficção: Filigranas (1872); Contos sem Pretensão (1872); Curvas
e Ziguezagues (1872), Caprichos
Humorísticos em Prosa (1872). Romance:
Lírio Branco (1862); A Família Agulha (1870); Teatro: Uma Cena Contemporânea (1862); As
Quedas Fatais; André Vidal; As Joias Indiscretas; Um Pequeno Demônio; O Caminho Mais Curto; Os
Amores Que Passam; Valentina; A Alma Do Outro Mundo (1913); Biografias: A. Carlos Gomes; Pedro
Américo (1871). Iracema Guimarães Vilela, filha do escritor, em seu livro Luís Guimarães Júnior: Ensaio Biobibliográfico
(1934), revela que o autor, pouco antes de morrer, em 1898, queimou diversos
manuscritos (peças, crônicas e poemas), incluindo as duas primeiras edições de Sonetos e Rimas (1880 e 1886) suas
últimas obras impressas em vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário