segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Luiz Guimarães Júnior: A Morte da Águia

Encontrei o belo poema A Morte da Águia, do escritor Luiz Guimarães Júnior (1845-1898), na antologia Lyra Popular Brasileira (1927), disponibilizada pela Brasiliana-USP. Foi paixão à primeira leitura. Antes de saber o autor, pensei, a princípio, que fosse do grande Guerra Junqueiro (1850-1923), que escreveu magnífico O Melro, publicado aqui, em duas partes. Ao final da leitura vi que era obra de Luiz Guimarães que, por acaso, foi amigo de Junqueiro. Pesquisando mais sobre o escritor, encontrei o poema (numa formatação diferente) na versão digital do livro Sonetos e Rimas, da Academia Brasileira de Letras, de onde selecionei o fascinante O Viajante e o sensual Edílio.



A Morte da Águia
Luiz Guimarães Júnior

A bordo vinha uma águia. Era um presente
que um potentado, um certo rei do Oriente
mandava a outro: um mimo soberano.
Era uma águia real. Entre a sombria
grade da jaula o seu olhar luzia,
profundo e triste como o olhar humano.

Aos balanços do barco ela curvava
ao níveo colo a fronte que cismava...
E enquanto as ondas túrbidas gemiam
ao som do vento, em fúnebres lamentos,
ela pensava nos longínquos ventos
que do Himalaia os píncaros varriam.

Fora uma infame e traiçoeira bala,
que do régio fuzil negra vassala,
invisível — uma asa lhe partira:
cheia de luz, tranquila, majestosa,
dobrando a fronte branca e poderosa
aos pés dum rei a águia real caíra.

Os bonzos vis, proféticos doutores,
sondando-lhe a ferida e as cruas dores,
que um venenoso bálsamo tentava
apaziguar em vão — diziam rindo:
«Não há no mundo um exemplar mais lindo:
«Vale um império!» E a águia agonizava.

Um dia, enfim, o animal valente
resistindo aos martírios, largamente,
respirou amplidão. A asa possante
abrir tentou de novo. Aberta estava
a jaula colossal que o esperava:
forçoso, era partir. Desde esse instante,

A águia sombria e muda e pensativa,
solene mártir, vítima cativa,
terror dos vis e símbolo dos bravos,
pediu a morte a Deus, pediu-a ansiosa,
longe, porém, da corte vergonhosa,
desse covarde e baixo rei de escravos.

Pediu a morte a Deus, o cataclismo,
as convulsões elétricas do abismo,
as batalhas finais! Morrer num grito
vibrante, imenso, heroico, soberano,
e fremente rolar no azul do oceano,
como um Titan caído do infinito.

Morrer livre, cercada de vitórias,
com suas asas, pavilhão de glórias,
inundadas da luz que o sol espalha:
ter o fundo do mar por catacumba,
as orações do vento que retumba,
e as cambraias da espuma por mortalha.

Entanto, melancólica, tristonha,
como um gigante mórbido que sonha,
fitava ás vezes o revolto oceano,
com esse olhar nublado e delirante
com que saudava César triunfante
o moribundo gladiador romano.

O comandante, um urso do mar bondoso,
disse um dia ao escravo rancoroso,
ao carcereiro estúpido, e inclemente:
— Leve-a ao convés. Verá que esse desmaio
basta para apagá-lo um brando raio
do largo sol no rúbido oriente.

Subiu então a jaula ao tombadilho;
do nato dia o purpurino brilho
salpicava de luz o céu nevado.
E a águia, elevando a pálpebra dormente,
abriu as asas ao clarão nascente!
como as hastes de um leque iluminado.

O mar gemia, lôbrego e espumante,
açoitando o navio; além, distante,
nas vaporosas bordas do horizonte,
as matutinas nevoas que ondulavam
em suas varias curvas figuravam!
os largos flancos triunfais de um monte.

— Abra-lhe a porta da prisão — (ridente
o comandante disse) esta corrente
para conter-lhe o voo é mais que forte:
voar! pobre infeliz! causa piedade!
dê-lhe um momento d'ar e liberdade,
único meio de a salvar da morte.

Quando a porta se abriu, como uma tromba,
como o invencível furacão que arromba
da tempestade as negras barricadas,
a águia lançou por terra o escravo pasmo,
e, desprendendo um grito de sarcasmo,
moveu as longas asas espalmadas.

Pairou sobre o navio imensa e bela
como uma branca, uma isolada vela
a demandar um livre e novo mundo;
crescia o sol nas nuvens refulgentes,
e como um turbilhão d'águias fermentes
zunia o vento na amplidão, profundo.

Ela lutou ansiosa! Atra agonia.
Sufocava-a. O escravo lhe estendia
os miseráveis e covardes braços;
nu, o oceano ao longe cintilava,
e a rainha do ar, em vão, buscava
onde pousar os grandes membros lassos.

Sobre o barco pairou ainda, e alçando,
alçando mais os voos, e afagando
na luz do sol a fronte alvinente
ébria de espaço, ébria de liberdade,
como um astro que cai da imensidade
afundou-se nas ondas de repente.

*
Ilustração de Joba Tridente - 2015


LUIZ Caetano Pereira GUIMARÃES JÚNIOR (1845-1898): advogado, diplomata, escritor (de verso e prosa), jornalista e teatrólogo brasileiro. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife, seguiu a carreira diplomática, servindo em Santiago do Chile, Roma e Lisboa..., onde, ao se aposentar, fixou moradia e desfrutou da prazerosa companhia de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Fialho Almeida. Guimarães Júnior foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras e colaborador de diversos veículos de comunicação: Jornal do Domingo: Revista Universal (1881-1888); Ribaltas e Gambiarras (1881), A ReformaA RepúblicaO Correio Paulistano; Imprensa Acadêmica de São PauloGazeta de Notícias. Na web há farto material sobre Luiz Guimarães Junior, autor de Poesia: Corimbos (1866); Noturnos (1872); Sonetos e Rimas (1880); Ficção: Filigranas (1872); Contos sem Pretensão (1872); Curvas e Ziguezagues (1872), Caprichos Humorísticos em Prosa (1872). Romance: Lírio Branco (1862); A Família Agulha (1870); Teatro: Uma Cena Contemporânea (1862); As Quedas Fatais; André Vidal; As Joias Indiscretas; Um Pequeno Demônio; O Caminho Mais Curto; Os Amores Que Passam; Valentina; A Alma Do Outro Mundo (1913); Biografias: A. Carlos Gomes; Pedro Américo (1871). Iracema Guimarães Vilela, filha do escritor, em seu livro Luís Guimarães Júnior: Ensaio Biobibliográfico (1934), revela que o autor, pouco antes de morrer, em 1898, queimou diversos manuscritos (peças, crônicas e poemas), incluindo as duas primeiras edições de Sonetos e Rimas (1880 e 1886) suas últimas obras impressas em vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...