domingo, 2 de outubro de 2016

Ravel Giordano Paz: Os Meninos da Colina

Ravel Giordano Paz, escritor mato-grossense que organizou a excelente antologia de ensaios cinematográficos A Indústria Radical - Leituras de Cinema como Arte-Inquietação, autor de Serenidade e Fúria: o Sublime Assismachadiano (2009), editor da excelente Revel - Revista de Estudos Literários da UEM e do blog Arquivos Críticos, onde publica textos sobre literatura, sociedade, política, cinema, espiritualidade, ambientalismo, vegetarianismo e rock, além de eventuais hai-cães, está estreando na literatura juvenil com o romance Os Meninos da Colina, que chega muito bem recomendado por Ramiro Giroldo.

A trama, ambientada nos anos 1980, às vésperas da eleição de Fernando Collor, é narrada por Jean, um garoto tímido que acabou de se mudar para a Colina, um bairro rico da cidade de Vinilâdia e, assim que se enturma, se envolve em algumas confusões típicas da sua idade e outras de grande perigo. Em entrevista ao jornalista Thiago Andrade, publicada na matéria Professor estreia na literatura com trama de jovem nos anos 80, escrita para o Correio do Estado, Ravel Giordano (que se vê “espalhado em vários personagens”) conta que “Ao lado de temas como amor, amizade, rivalidades, violência, sexualidade e relações entre pais e filhos, há um matiz levemente político, mas nada, eu espero, que pese na história”.



Os Meninos da Colina
Ramiro Giroldo

- Você se lembra?, pergunta o narrador de Os Meninos da Colina no início do livro. Parece se dirigir a alguém que, como ele, morou na Rua do Alto, nas alturas da colina; alguém que experimentou os prazeres e os desprazeres da juventude junto com sua turma. Mas a pergunta também se dirige ao leitor.

O jovem leitor há de enxergar ao seu redor um pouco das histórias do romance, e ver que uma matéria privilegiada para a literatura está à mão. A narrativa, para sorte de seus leitores, não oferece receitas para viver os amores e os temores da juventude, mas mostra que tanto os acertos quanto os erros compõem nossos "anos de formação" – e não há problema nenhum se eles estiverem juntos.

O leitor que não é mais tão jovem e tem a memória de suas descobertas já embotadas pela passagem dos anos redescobrirá lembranças doces, agridoces, amargas. Não porque todos os jovens são iguais (e não são), mas porque a descoberta da amizade, do amor, da alegria e mesmo da tristeza é algo que todos nós, meninos da colina ou não, temos em comum. É no desbravar da vivência que podemos nos enxergar nos meninos da colina.

É, de fato, um "romance juvenil": sem pudores nem hesitações, com um ímpeto verdadeira e positivamente jovem, não tem medo de ser sincero. Graças à sinceridade, é também desprovido de um sentimentalismo de superfície – aquele sentimentalismo sempre mais idoso que jovem.

O que garante um tom memorialístico que nunca escorrega para o sisudo ou o piegas é a escrita de Ravel Giordano Paz. Se a vasta experiência de leitura de alguns autores resulta em pedantismo, Ravel consegue fazer sua pesada bagagem parecer leve e fácil de carregar. Dono de uma simplicidade calculada e de muito natural dicção, Os Meninos da Colina é uma estreia de peso na ficção – um peso que o leitor achará, na verdade, muito leve. Confira um trecho:

Foi no nosso primeiro mês na colina, quando eu me recuperava de uma pneumonia dupla, que eu fiquei mais íntimo desse silêncio... Nos primeiros dias ele me pesava tanto que eu ligava a televisão quase no último volume, pra espantá-lo com os gritos do He-Man e dos Thundercats.
            Mas daí a pouco vinha a empregada – recém-contratada, mas que agia como se fosse da casa há anos – e baixava o volume, sem me olhar nem dizer palavra. Depois me acostumei com o silêncio – o da rua, não o da Gina –, e passei a gostar mais dele que dos programas de tevê.
            Na última semana de repouso resolvi fuçar no escritório do meu pai. Mal entrei nele, vi na estante um livro cujo título me atraía desde criança: Capitães da areia, de Jorge Amado. Na mesma hora resolvi lê-lo, o que não fiz de um só fôlego porque meus pulmões não davam pra isso... mas foram, no máximo, três ou quatro dias.
            Até hoje, vira e mexe eu me pergunto se aquele verão teria sido tão singular – tão feliz e tão triste, tão estranho e surpreendente – se eu não tivesse lido esse livro. Depois me lembro que nenhum dos meus amigos o leu também, e que não fui eu, nem de longe, o verdadeiro protagonista, e muito menos o herói dessa história. Se é que ela teve algum...


Ramiro Giroldo é Doutor em Literatura Brasileira pela USP, professor do Curso de Letras da UFMS, é também roteirista da Vade Retro Produções, uma pequena produtora de filmes de terror.

Ravel Giordano de Lima Faria Paz, editor da REVELL – Revista de Estudos Literários da UEMS, é professor da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul e autor do livro Serenidade e Fúria: o Sublime Assismachadiano, lançado pela Editora Nankin. Mestre em Teoria e História da Literatura pela Universidade Estadual de Campinas, na qual estudou os dois primeiros romances de Chico Buarque, Estorvo e Benjamim, doutor em Letras Clássicas e Vernáculas (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo, onde realizou uma aproximação contrastiva entre Machado de Assis e Almeida Garrett, e pós-doutor pela Unicamp, onde pesquisou afinidades, diferenças e conflitos ideológicos das proposições de Bakhtin e Derrida relacionadas à teoria da narrativa. Justamente com o professor Fabio Akcelrud Durão, da Unicamp, organizou o livro A Indústria Radical - Leituras de Cinema como Arte-Inquietação, lançado recentemente pela Editora Nankin, que reúne 15 artigos sobre a indústria cinematográfica, abordando desde o cinema clássico, com textos sobre Cidadão Ka­ne e Terra em Transe, até a Saga Star Wars e o cult alternativo Pink Flamingos. Nesta en­trevista Ravel fala sobre cinema, literatura, a resistência da crítica literária quanto a Chico Buarque e as desleituras de Harold Bloom.

Os Meninos da Colina (144 páginas - R$20,00) - Nankin Editorial. Informações: www.nankin.com.br  e ou vendas@nankin.com.br

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