Ravel
Giordano Paz, escritor mato-grossense que organizou a excelente antologia de
ensaios cinematográficos A
Indústria Radical - Leituras de Cinema como Arte-Inquietação, autor de Serenidade
e Fúria: o Sublime Assismachadiano (2009), editor da excelente Revel
- Revista de Estudos Literários da UEM e do blog Arquivos Críticos,
onde publica textos sobre literatura, sociedade, política, cinema,
espiritualidade, ambientalismo, vegetarianismo e rock, além de eventuais
hai-cães, está estreando na literatura juvenil com o romance Os Meninos da Colina, que chega muito
bem recomendado por Ramiro Giroldo.
A trama, ambientada
nos anos 1980, às vésperas da eleição de Fernando Collor, é narrada por Jean, um garoto tímido que acabou de se
mudar para a Colina, um bairro rico da cidade de Vinilâdia e, assim que se enturma,
se envolve em algumas confusões típicas da sua idade e outras de grande perigo.
Em entrevista ao jornalista Thiago Andrade, publicada na matéria Professor
estreia na literatura com trama de jovem nos anos 80, escrita para o Correio do Estado, Ravel Giordano (que se vê “espalhado em vários
personagens”) conta que “Ao lado de
temas como amor, amizade, rivalidades, violência, sexualidade e relações entre
pais e filhos, há um matiz levemente político, mas nada, eu espero, que pese na
história”.
Os Meninos da Colina
Ramiro Giroldo
- Você se lembra?, pergunta o narrador de Os Meninos da Colina no início do
livro. Parece se dirigir a alguém que, como ele, morou na Rua do Alto, nas
alturas da colina; alguém que experimentou os prazeres e os desprazeres da
juventude junto com sua turma. Mas a pergunta também se dirige ao leitor.
O jovem
leitor há de enxergar ao seu redor um pouco das histórias do romance, e ver que
uma matéria privilegiada para a literatura está à mão. A narrativa, para sorte
de seus leitores, não oferece receitas para viver os amores e os temores da
juventude, mas mostra que tanto os acertos quanto os erros compõem nossos
"anos de formação" – e não há problema nenhum se eles estiverem
juntos.
O leitor que
não é mais tão jovem e tem a memória de suas descobertas já embotadas pela
passagem dos anos redescobrirá lembranças doces, agridoces, amargas. Não porque
todos os jovens são iguais (e não são), mas porque a descoberta da amizade, do
amor, da alegria e mesmo da tristeza é algo que todos nós, meninos da colina ou
não, temos em comum. É no desbravar da vivência que podemos nos enxergar nos
meninos da colina.
É, de fato,
um "romance juvenil": sem pudores nem hesitações, com um ímpeto
verdadeira e positivamente jovem, não tem medo de ser sincero. Graças à
sinceridade, é também desprovido de um sentimentalismo de superfície – aquele
sentimentalismo sempre mais idoso que jovem.
O que
garante um tom memorialístico que nunca escorrega para o sisudo ou o piegas é a
escrita de Ravel Giordano Paz. Se a
vasta experiência de leitura de alguns autores resulta em pedantismo, Ravel
consegue fazer sua pesada bagagem parecer leve e fácil de carregar. Dono de uma
simplicidade calculada e de muito natural dicção, Os Meninos da Colina é uma estreia de peso na ficção – um peso
que o leitor achará, na verdade, muito leve. Confira um trecho:
“Foi no nosso primeiro
mês na colina, quando eu me recuperava de uma pneumonia dupla, que eu fiquei
mais íntimo desse silêncio... Nos primeiros dias ele me pesava tanto que eu
ligava a televisão quase no último volume, pra espantá-lo com os gritos do
He-Man e dos Thundercats.
Mas
daí a pouco vinha a empregada – recém-contratada, mas que agia como se fosse da
casa há anos – e baixava o volume, sem me olhar nem dizer palavra. Depois me
acostumei com o silêncio – o da rua, não o da Gina –, e passei a gostar mais
dele que dos programas de tevê.
Na
última semana de repouso resolvi fuçar no escritório do meu pai. Mal entrei
nele, vi na estante um livro cujo título me atraía desde criança: Capitães da
areia, de Jorge Amado. Na mesma hora resolvi lê-lo, o que não fiz de um só
fôlego porque meus pulmões não davam pra isso... mas foram, no máximo, três ou
quatro dias.
Até
hoje, vira e mexe eu me pergunto se aquele verão teria sido tão singular – tão
feliz e tão triste, tão estranho e surpreendente – se eu não tivesse lido esse
livro. Depois me lembro que nenhum dos meus amigos o leu também, e que não fui
eu, nem de longe, o verdadeiro protagonista, e muito menos o herói dessa
história. Se é que ela teve algum...”
Ramiro Giroldo é Doutor
em Literatura Brasileira pela USP, professor do Curso de Letras da UFMS, é
também roteirista da Vade Retro Produções, uma pequena produtora de filmes de
terror.
Ravel Giordano de
Lima Faria Paz, editor da REVELL – Revista de
Estudos Literários da UEMS, é professor da Universidade Estadual do Mato
Grosso do Sul e autor do livro Serenidade
e Fúria: o Sublime Assismachadiano, lançado pela Editora Nankin. Mestre em
Teoria e História da Literatura pela Universidade Estadual de Campinas, na qual
estudou os dois primeiros romances de Chico Buarque, Estorvo e Benjamim,
doutor em Letras Clássicas e Vernáculas (Estudos Comparados de Literaturas de
Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo, onde realizou uma
aproximação contrastiva entre Machado de Assis e Almeida Garrett, e pós-doutor
pela Unicamp, onde pesquisou afinidades, diferenças e conflitos ideológicos das
proposições de Bakhtin e Derrida relacionadas à teoria da narrativa. Justamente
com o professor Fabio Akcelrud Durão, da Unicamp, organizou o livro A Indústria Radical - Leituras de Cinema
como Arte-Inquietação, lançado recentemente pela Editora Nankin, que reúne
15 artigos sobre a indústria cinematográfica, abordando desde o cinema
clássico, com textos sobre Cidadão Kane
e Terra em Transe, até a Saga Star Wars e o cult alternativo Pink Flamingos. Nesta entrevista Ravel
fala sobre cinema, literatura, a resistência da crítica literária quanto a
Chico Buarque e as desleituras de Harold Bloom.
Os Meninos da Colina
(144 páginas - R$20,00) - Nankin Editorial.
Informações: www.nankin.com.br
e ou vendas@nankin.com.br
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