terça-feira, 22 de março de 2022

Literatura Asiática: Cinco Autoras Chinesas

Literatura Asiática

CINCO AUTORAS CHINESAS

Há muito tempo guardo comigo o livro Cem Poemas Chineses, com tradução, apresentação e notas de Hugo de Castro. Alguns poemas lembram o Hai-Kai e o Tanka..., de origem japonesa. A breve edição (do autor?), de 64 páginas, foi lançada pela Vertente Editora, em 1978, não traz informações sobre o tradutor e as notas sobre algum poeta são mínimas. Infelizmente, nem mesmo na internet encontrei algo sobre Hugo de Castro. Em dezembro de 2012 publiquei, em três postagens, no Falas ao Acaso, poemas de Li Tai Pô, Chang Wu Kian, Pê Yu Ki, Tchan So Su e Kung Fu Tsê, pinçados de Cem Poemas Chineses. 

Para Hugo de Castro: “A poesia teve sempre uma grande importância na China: cultivaram-na durante mais de trinta séculos, rainhas, e imperatrizes, imperadores e reis, nobres, favoritas, guerreiros, bonzos, magistrados, toda a gente, enfim. Incentivada pelos príncipes, que a julgavam tão necessária a seus súditos quanto o arado, aureolava com carinhoso halo de consideração os seus poetas. (...) A poesia chinesa é, simultaneamente verso, canto, desenho, cor e sugestão. Abordá-la é mergulhar num oceano de inesperado e de beleza, cujo fundo não se chega a atingir.” 

Vale lembrar que, no chinês, segundo os estudiosos, a poesia não tem rima. Porém, a rima é aceita em diversas traduções mundo afora e o seu uso ainda é muito discutido por acadêmicos. Hugo de Castro, que traduziu Os Cem Poemas, diretamente de uma edição francesa, diz: “Obrigamo-nos, na tradução, à rima e ao ritmo, integrantes da poesia chinesa, que já chega até nós desvestida de uma música toda própria (um mesmo monossílabo variando de sentido com a variação de sua altura musical) e de um aspecto visual impossível de reproduzir: em virtude de serem gravados com ideogramas (desenhos esquematizados), certos poemas chineses sugerem ao leitor oriental um elemento pictórico suplementar admirável, pois o poeta procura situar no alto do papel os caracteres que representam o céu, a lua, as nuvens, as estrelas, colocando, no meio, pavilhões, campos, estradas e florestas, enquanto os lagos, com suas flores de lótus e seus peixes ornamentais, aparecem embaixo. E o verso, feito a pincel em ouro ou nanquim, com a assinatura em vermelho, não é apenas verso, é pintura também. 

Hoje em dia encontra-se com facilidade, nas livrarias e bibliotecas presenciais e/ou digitais, as mais diversas edições originais e traduzidas da literatura chinesa. Há alguns anos a história era bem diferente. Passada uma década, praticamente, volto a pinçar poemas do livro Cem Poemas Chineses, publicado há 44 anos. Desta vez, cinco poemas escritos por mulheres: A NOITE CHUVOSA DE OUTONO (fim do Século XI), de Cho Su Seng (considerada a maior poeta chinesa); ÁRIA, de Li Ching Chao (1081-1140); NOITE DE VERÃO, de Chung Ti (1560-1618); OS CISNES SELVAGENS, da Bailarina Li Yi Han (806-832); A CANÇÃO DILACERANTE*, da esposa do poeta Sen Ma Siang-Ju (Século II). Ilustrações de Joba Tridente - 2022. 


                        


A NOITE CHUVOSA DE OUTONO

Cho Su Seng

 

A sibilar, a ventania vara

as cortinas. A chuva oblíqua para

um instante e recomeça. Tenho o peito

hirto, a estalar; estendo-me no leito

mas não durmo, sentindo nas entranhas

o fogo de vulcânicas montanhas.

Minhas lágrimas rolam. Fora, o ruído

dos bambus é um lamento dolorido.

O telhado goteja sobre as flores.

A noite não tem fim. Sinto estertores,

desamparo, amarguras, os nervos lassos

e o coração fazendo-se em pedaços.

 

Em meu corpo flexível como um lírio,

tensas cordas arrastam-me ao delírio.

 

Como afastar de mim tanto tormento?

 

Continuo a escutar; a chuva insiste,

monótona, em cair, e ruge o vento.

 

Em cada folha, em tudo quanto existe,

há dez mil vezes a palavra “triste” ...

 


   


Á R I A

Li Ching Chao

 

Uma rajada de chuva e vento

fez passar, num momento,

o calor opressivo que fazia.

 

A tarde ficou fria.

 

Abandono a guitarra, a noite desce.

 

Sob o fino entremeio

do meu vestido vermelho,

alva e lisa aparece

a carne perfumada do meu seio.

 

Sento-me em frente ao espelho

e, num semicerrar de cílios, trépido,

digo sorrindo ao doce eleito:

 

“Deve estar ainda suave e tépido

o linho do meu leito.”

 


                                            


NOITE DE VERÃO

Chung Ti

 

Cicia o vento em cada fresta,

na sombra impérvia da floresta.

 

São as mais puras água de chuva

as vítreas pérolas de orvalho

que, pequeninos bagos de uva,

estão luzindo em cada galho.

 

Sonho sugar, de flor em flor,

o mel, tão doce quanto o amor!

 

Mas eis que um toque de clarim,

ora, da noite marca o fim.

 

Lembro-me, então, da guerra e choro

por meu irmão que tanto adoro.

 


                       


Os Cisnes Selvagens

Bailarina Li Yi Han

 

Rugiu, a noite inteira, a tempestade,

causando ruínas e devastação.

 

Insone e delirante de saudade,

longas horas tentei dormir, em vão.

 

Para a varanda, onde esperava outrora

o bem amado, fui, ao vir da aurora.

 

Chovia ainda; a rápida caudal

arrastava até troncos no seu dorso

e as petúnias, após ingente esforço

por resistir, dobravam-se, afinal.

 

Por dois cisnes nigérrimos, que as plumas

tinham vindo secar no alpendre em flor,

mensageiros fiéis, mandei algumas

gotas de pranto para o meu amor.

 


   


A CANÇÃO DILACERANTE
*

esposa do poeta Sen Ma Siang-Ju

 

    “Quando teus cabelos

ficarem cor de neve, os meu terão

ficado, já, da cor dos grandes gelos

das montanhas; mas inda nos verão

seguindo juntos, eu perdido em zelos,

a tua mão prendendo a minha mão...”

 

Outra mulher tomou, no entanto, os teus

sentidos, venho para dizer-te adeus.

 

Antes, porém, bebamos juntos, pela

vez derradeira; e canta bem baixinho

de modo que só eu possa entendê-la,

a dorida canção do passarinho

que morria na neve do caminho...

 

*A concubinagem era, então, aceita entre as classes ricas chinesas. Quando Sen Ma Liang-Ju pretendeu tomar uma concubina, sua esposa, cujo nome não conseguimos fixar, mas era uma grande poeta, autora de admiráveis poemas, escreveu esta canção. Sen Ma desistiu do seu intento. Alguns autores chineses, Lin Yu Tang inclusive, defendem a concubinagem, achando que ela consolida a família, evita o divórcio, assegurando uma progenitura e conservando o marido no lar. É um ponto de vista...” Nota de Hugo de Castro.

 

NOTA: Na Wikipédia há uma lista com dados biográficos de alguns Poetas Chineses e, para quem quiser pesquisar, há uma edição de 300 Poemas Chineses, disponibilizada pela Universidade de Virgínia: 300 Tangs Poemas e muitas outras traduções em blogs literários na internet.


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