Literatura Asiática
CINCO
AUTORAS CHINESAS
Há muito tempo guardo comigo o livro Cem Poemas Chineses, com tradução, apresentação e notas de Hugo de Castro. Alguns poemas lembram o Hai-Kai e o Tanka..., de origem japonesa. A breve edição (do autor?), de 64 páginas, foi lançada pela Vertente Editora, em 1978, não traz informações sobre o tradutor e as notas sobre algum poeta são mínimas. Infelizmente, nem mesmo na internet encontrei algo sobre Hugo de Castro. Em dezembro de 2012 publiquei, em três postagens, no Falas ao Acaso, poemas de Li Tai Pô, Chang Wu Kian, Pê Yu Ki, Tchan So Su e Kung Fu Tsê, pinçados de Cem Poemas Chineses.
Para Hugo de Castro: “A poesia teve sempre uma grande importância na China: cultivaram-na durante mais de trinta séculos, rainhas, e imperatrizes, imperadores e reis, nobres, favoritas, guerreiros, bonzos, magistrados, toda a gente, enfim. Incentivada pelos príncipes, que a julgavam tão necessária a seus súditos quanto o arado, aureolava com carinhoso halo de consideração os seus poetas. (...) A poesia chinesa é, simultaneamente verso, canto, desenho, cor e sugestão. Abordá-la é mergulhar num oceano de inesperado e de beleza, cujo fundo não se chega a atingir.”
Vale lembrar que, no chinês, segundo os estudiosos, a poesia não tem rima. Porém, a rima é aceita em diversas traduções mundo afora e o seu uso ainda é muito discutido por acadêmicos. Hugo de Castro, que traduziu Os Cem Poemas, diretamente de uma edição francesa, diz: “Obrigamo-nos, na tradução, à rima e ao ritmo, integrantes da poesia chinesa, que já chega até nós desvestida de uma música toda própria (um mesmo monossílabo variando de sentido com a variação de sua altura musical) e de um aspecto visual impossível de reproduzir: em virtude de serem gravados com ideogramas (desenhos esquematizados), certos poemas chineses sugerem ao leitor oriental um elemento pictórico suplementar admirável, pois o poeta procura situar no alto do papel os caracteres que representam o céu, a lua, as nuvens, as estrelas, colocando, no meio, pavilhões, campos, estradas e florestas, enquanto os lagos, com suas flores de lótus e seus peixes ornamentais, aparecem embaixo. E o verso, feito a pincel em ouro ou nanquim, com a assinatura em vermelho, não é apenas verso, é pintura também.”
Hoje em dia encontra-se com facilidade, nas livrarias e bibliotecas presenciais e/ou digitais, as mais diversas edições originais e traduzidas da literatura chinesa. Há alguns anos a história era bem diferente. Passada uma década, praticamente, volto a pinçar poemas do livro Cem Poemas Chineses, publicado há 44 anos. Desta vez, cinco poemas escritos por mulheres: A NOITE CHUVOSA DE OUTONO (fim do Século XI), de Cho Su Seng (considerada a maior poeta chinesa); ÁRIA, de Li Ching Chao (1081-1140); NOITE DE VERÃO, de Chung Ti (1560-1618); OS CISNES SELVAGENS, da Bailarina Li Yi Han (806-832); A CANÇÃO DILACERANTE*, da esposa do poeta Sen Ma Siang-Ju (Século II). Ilustrações de Joba Tridente - 2022.
A NOITE CHUVOSA DE OUTONO
Cho Su Seng
A
sibilar, a ventania vara
as
cortinas. A chuva oblíqua para
um
instante e recomeça. Tenho o peito
hirto,
a estalar; estendo-me no leito
mas não
durmo, sentindo nas entranhas
o fogo
de vulcânicas montanhas.
Minhas
lágrimas rolam. Fora, o ruído
dos
bambus é um lamento dolorido.
O
telhado goteja sobre as flores.
A noite
não tem fim. Sinto estertores,
desamparo,
amarguras, os nervos lassos
e o coração
fazendo-se em pedaços.
Em meu
corpo flexível como um lírio,
tensas
cordas arrastam-me ao delírio.
Como
afastar de mim tanto tormento?
Continuo
a escutar; a chuva insiste,
monótona,
em cair, e ruge o vento.
Em cada
folha, em tudo quanto existe,
há dez
mil vezes a palavra “triste” ...
Á R I A
Li Ching Chao
Uma
rajada de chuva e vento
fez
passar, num momento,
o calor
opressivo que fazia.
A tarde
ficou fria.
Abandono
a guitarra, a noite desce.
Sob o
fino entremeio
do meu
vestido vermelho,
alva e
lisa aparece
a carne
perfumada do meu seio.
Sento-me
em frente ao espelho
e, num
semicerrar de cílios, trépido,
digo
sorrindo ao doce eleito:
“Deve
estar ainda suave e tépido
o linho
do meu leito.”
NOITE DE VERÃO
Chung Ti
Cicia o
vento em cada fresta,
na
sombra impérvia da floresta.
São as
mais puras água de chuva
as
vítreas pérolas de orvalho
que,
pequeninos bagos de uva,
estão
luzindo em cada galho.
Sonho
sugar, de flor em flor,
o mel,
tão doce quanto o amor!
Mas eis
que um toque de clarim,
ora, da
noite marca o fim.
Lembro-me,
então, da guerra e choro
por meu
irmão que tanto adoro.
Os Cisnes Selvagens
Bailarina Li
Yi Han
Rugiu,
a noite inteira, a tempestade,
causando
ruínas e devastação.
Insone
e delirante de saudade,
longas
horas tentei dormir, em vão.
Para a
varanda, onde esperava outrora
o bem
amado, fui, ao vir da aurora.
Chovia
ainda; a rápida caudal
arrastava
até troncos no seu dorso
e as
petúnias, após ingente esforço
por
resistir, dobravam-se, afinal.
Por
dois cisnes nigérrimos, que as plumas
tinham
vindo secar no alpendre em flor,
mensageiros
fiéis, mandei algumas
gotas
de pranto para o meu amor.
A CANÇÃO DILACERANTE*
esposa
do poeta Sen Ma Siang-Ju
“Quando teus
cabelos
ficarem
cor de neve, os meu terão
ficado,
já, da cor dos grandes gelos
das
montanhas; mas inda nos verão
seguindo
juntos, eu perdido em zelos,
a tua
mão prendendo a minha mão...”
Outra
mulher tomou, no entanto, os teus
sentidos,
venho para dizer-te adeus.
Antes,
porém, bebamos juntos, pela
vez
derradeira; e canta bem baixinho
de modo
que só eu possa entendê-la,
a
dorida canção do passarinho
que
morria na neve do caminho...
* “A concubinagem era, então, aceita entre as classes ricas chinesas.
Quando Sen Ma Liang-Ju pretendeu tomar uma concubina, sua esposa, cujo nome não
conseguimos fixar, mas era uma grande poeta, autora de admiráveis poemas,
escreveu esta canção. Sen Ma desistiu do seu intento. Alguns autores chineses,
Lin Yu Tang inclusive, defendem a concubinagem, achando que ela consolida a
família, evita o divórcio, assegurando uma progenitura e conservando o marido
no lar. É um ponto de vista...” Nota de Hugo de Castro.
NOTA: Na Wikipédia há uma lista com dados biográficos de alguns Poetas Chineses e, para quem quiser pesquisar, há uma edição de 300 Poemas Chineses, disponibilizada pela Universidade de Virgínia: 300 Tangs Poemas e muitas outras traduções em blogs literários na internet.
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