terça-feira, 8 de março de 2022

Marília Kubota: Poemas e Crônicas


MARÍLIA  KUBOTA

poemas  e  crônicas 

Em 2021 a escritora brasileira Marília Kubota lançou três obras literárias: velas ao vento, livro de poemas dividido em três partes / capítulos: velas ao vento, micrópolis, girassóis de fukushima; série Bicicletas Caiçaras - 16 Cartões Postais Poéticos, estampados com poesias e imagens de bicicletas, em parceria com o fotógrafo Lauro Borges; Eu Também sou Brasileira, livro composto de 35 crônicas. Para mais esta postagem de obras da escritora no Falas ao Acaso, selecionei três poemas do capítulo girassóis de fukushima, do livro velas ao vento; um poema da série Cartões Postais Poéticos e a última crônica do livro Eu Também Sou Brasileira: Tempos Selvagens. Faça uma ótima leitura. Ilustrações de Joba Tridente (2021).


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..., trecho da apresentação de Micheliny Verunschk para o livro velas ao vento: “Poderia começar a falar sobre a poesia de Marília Kubota ligando-a a certa tradição da poesia oriental da qual sua poética é tributária. A simplicidade elegante do haicai, a fugacidade daquilo que é observado, o manejo entre a contenção e a explosão são recursos os quais Marília utiliza com competência sob várias formas, entretanto há que se notar uma extrapolação desse dado, digamos, originário, que faz parte do DNA de sua escrita. Há em sua poesia um outro elemento, uma capacidade de tradução do objeto poético em registros singulares, simultaneamente leves e como que comprimidos pela densidade do mundo. As velas ao vento que o título desse seu novo livro evocam e aliam esse duplo de força e leveza.

 

      


GIRASSÓIS DE FUKUSHIMA

marília kubota

 

adolescência

fria demais para o primeiro beijo, mas perdeu a

vergonha: grudou os lábios na estátua virgem.

 

inocência

         

guardava o revólver na gaveta do criado-mudo -

não pensou que o caçula o pegaria para brincar

de bang-bang.

 

de repente

 

só teve tempo de apertar o papel de bala na mão

antes de ser engolida pelo tsunami.

 

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BICICLETAS CAIÇARAS

marília kubota e lauro borges

 

Eu e a bicicleta

mais unha e carne

que cachorro e osso

 

Eu e a bicicleta

remo no vento

canoa com rodas

 

Eu e a bicicleta

velhos companheiros

no bar e no futebol

 

Eu e a bicicleta

mais unha e carne

que barco e mar

 

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..., trecho da apresentação de Marília Kubota para o livro Eu Também Sou Brasileira: “Neste livro, apesar do título e da crônica que o inicia, eu falo muito sobre a cultura e arte japonesas, além de meus ancestrais. (...) Só a partir da comemoração dos cem anos da imigração japonesa ao Brasil comecei a reivindicar a identidade brasileira. (...) Minhas memórias ainda têm vínculo com a cultura japonesa, por causa da família e dos amigos. Quando apresentada a estranhos, nunca falo que sou japonesa, e sim brasileira, me atendo à nacionalidade e não à etnia.

 

       


EU TAMBÉM SOU BRASILEIRA

marília kubota

 

tempos selvagens

 

Primeiro veio uma esperança. As gatas a apontaram num canto da parede. Encurralada, saltou até atingir a mesa de jantar.

Dias depois, ao tentar voltar para casa, num caminho desconhecido, encontrei um gafanhoto. Vacilante pela rua nova, avistei um santuário no nicho de uma casa, mostrando estátuas de Nossa Senhora Aparecida e outros santos. Olhei para a casa: havia uma mesa com gatos deitados sobre ela. A seguir, olhando para o chão, vi o gafanhoto.

Eu ia para casa, não ia fotografá-lo. Me deu um ímpeto e fotografei. Pesquisei na internet. Soube que gafanhotos são insetos que dão sorte. Por que em seu significado simbólico, ajudam a saltar obstáculos.

Há pouco, enquanto escrevia, ouvi um barulho na janela. Fui investigar e encontrei uma mariposa enroscada na cortina. Tenho medo de mariposas. Quando eu tinha 10 anos, ia tomar aula de piano, de manhã cedo. Avistava mariposas nos postes de iluminação. Elas me amedrontavam. A rua era deserta. Um dia, um pescador de olhos verdes me abordou. Fugi dele e nunca mais fui para a aula de piano.

Os insetos me perseguem. Não só os habituais no ambiente doméstico: pulgas, formigas, aranhas, mosquitos, moscas, baratas, traças.

E vêm os mais selvagens.

Talvez seus predadores estejam sendo exterminados e eles resolvam invadir o território dos semelhantes. Mas pode ser um aviso. Aviso de que em breve a selva chegará ao nosso ambiente doméstico.

Borboletas pousarão no varal de roupas. Esquilos subirão nas cortinas. Macacos roubarão bananas da cesta de frutas. Lagartos se enfiarão entre livros da estante.

E virão onças, guaxinins, raposas.

Em breve soltarei urros para saudá-los. Límpidos, atávicos, compassivos.

Os caçadores escutarão e pensarão duas vezes antes de engatilhar as espingardas. 

 

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Marília Kubota (Paranaguá, 06/04/1964), é escritora (de verso e prosa), jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Desde 2005 orienta oficinas de criação literária. Publicou os livros de poesia Velas ao Vento (2021); Bicicletas Caiçaras - 16 Cartões Postais Poéticos (em parceria com o fotógrafo Lauro Borges, 2021); Diário da vertigem (2016), micropolis (2014), Esperando as Bárbaras (2012); Selva de Sentidos (2008) e o livro de crônicas Eu Também sou Brasileira (2021). Organizou as antologias Retratos Japoneses no Brasil (2010); Blasfêmeas: Mulheres de Palavra (2016); Um Girassol nos teus Cabelos - Poemas para Marielle Franco (2018) e está presente de 18 antologias de poesia e prosa. Participou das exposições Bienal de Artes de Curitiba (2013), Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa (2014); Guenzai, na Casa de Cultura Monsenhor Celso (2015) e Olhar InComum, no Museu Oscar Niemeyer (2016).

Leia mais no Falas ao Acaso: Marília Kubota: micrópolis; Marília Kubota: Rondó da Velha no Outono; Marília Kubota: como tudo funciona; Marília Kubota: que me perca; Marília Kubota: uma mulher jamais sofreu; Marília Kubota: um poema às cegas.

Saiba Mais: Marília Kubota: Diário de Poesia e Arte; Antonio Miranda: Marília Kubota; como eu escrevo: Como escreve Marília Kubota; Ruído Manifesto: Quatro poemas de Marília Kubota; Cândido - Cena Literária / Marília Kubota: Questão de gênero (mas não só); Ser Mulher Arte: A Poeta Marília Kubota - “Esperando as Bárbaras”; Potiguar Notícias: Marília Kubota: “Ainda existem barreiras para se divulgar livros de escritoras”; mallarmagens: 6 poemas de Marília Kubota; Revista Memai: Marília Kubota; Elson Froes: Marília Kubota - Fogo Branco; Escritoras Suicidas: Marília Kubota; Úrsula: Marília Kubota: “Tudo é possível na arte, por isto o encanto”; Poetas Siglo XXI: Marília Kubota (espanhol e português); Errancia: Marília Kubota (espanhol e português).

Vídeos: João Caetano conversa com Eugênia Correia e Marília Kubota; Vitrine: Marília Kubota; ame-se: Marília Kubota.


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