poemas e crônicas
Em 2021 a escritora brasileira Marília Kubota lançou três obras literárias: velas ao vento, livro de poemas dividido em três partes / capítulos:
velas
ao vento, micrópolis, girassóis de fukushima; série Bicicletas Caiçaras - 16 Cartões Postais
Poéticos, estampados com poesias e imagens de bicicletas, em parceria com o
fotógrafo Lauro Borges; Eu Também sou
Brasileira, livro composto de 35 crônicas. Para mais esta postagem de obras da
escritora no Falas ao Acaso,
selecionei três poemas do capítulo girassóis de fukushima, do livro velas ao vento; um poema da série Cartões Postais Poéticos e a última
crônica do livro Eu Também Sou
Brasileira: Tempos Selvagens. Faça uma ótima leitura. Ilustrações de Joba Tridente (2021).
..., trecho da apresentação de Micheliny Verunschk
para o livro velas ao vento: “Poderia começar a falar sobre a poesia de
Marília Kubota ligando-a a certa tradição da poesia oriental da qual sua
poética é tributária. A simplicidade elegante do haicai, a fugacidade daquilo
que é observado, o manejo entre a contenção e a explosão são recursos os quais
Marília utiliza com competência sob várias formas, entretanto há que se notar
uma extrapolação desse dado, digamos, originário, que faz parte do DNA de sua
escrita. Há em sua poesia um outro elemento, uma capacidade de tradução do
objeto poético em registros singulares, simultaneamente leves e como que
comprimidos pela densidade do mundo. As velas ao vento que o título desse seu novo livro evocam e aliam esse duplo de força e
leveza.”
GIRASSÓIS DE FUKUSHIMA
marília kubota
adolescência
fria demais para o
primeiro beijo, mas perdeu a
vergonha: grudou os
lábios na estátua virgem.
inocência
guardava o revólver na
gaveta do criado-mudo -
não pensou que o caçula
o pegaria para brincar
de bang-bang.
de repente
só teve tempo de apertar o papel de
bala na mão
antes de ser engolida pelo tsunami.
BICICLETAS CAIÇARAS
marília kubota e lauro borges
Eu e a bicicleta
mais unha e carne
que cachorro e osso
Eu e a bicicleta
remo no vento
canoa com rodas
Eu e a bicicleta
velhos companheiros
no bar e no futebol
Eu e a bicicleta
mais unha e carne
que barco e mar
..., trecho da apresentação de Marília Kubota para o livro Eu
Também Sou Brasileira: “Neste livro,
apesar do título e da crônica que o inicia, eu falo muito sobre a cultura e
arte japonesas, além de meus ancestrais. (...) Só a partir da comemoração dos cem anos da imigração japonesa ao Brasil
comecei a reivindicar a identidade brasileira. (...) Minhas memórias ainda têm vínculo com a cultura japonesa, por causa da
família e dos amigos. Quando apresentada a estranhos, nunca falo que sou
japonesa, e sim brasileira, me atendo à nacionalidade e não à etnia.”
EU TAMBÉM SOU BRASILEIRA
marília
kubota
tempos selvagens
Primeiro veio uma esperança. As gatas a apontaram num canto
da parede. Encurralada, saltou até atingir a mesa de jantar.
Dias depois, ao tentar voltar para casa, num caminho
desconhecido, encontrei um gafanhoto. Vacilante pela rua nova, avistei um
santuário no nicho de uma casa, mostrando estátuas de Nossa Senhora Aparecida e
outros santos. Olhei para a casa: havia uma mesa com gatos deitados sobre ela.
A seguir, olhando para o chão, vi o gafanhoto.
Eu ia para casa, não ia fotografá-lo. Me deu um ímpeto e
fotografei. Pesquisei na internet. Soube que gafanhotos são insetos que dão
sorte. Por que em seu significado simbólico, ajudam a saltar obstáculos.
Há pouco, enquanto escrevia, ouvi um barulho na janela. Fui
investigar e encontrei uma mariposa enroscada na cortina. Tenho medo de
mariposas. Quando eu tinha 10 anos, ia tomar aula de piano, de manhã cedo.
Avistava mariposas nos postes de iluminação. Elas me amedrontavam. A rua era
deserta. Um dia, um pescador de olhos verdes me abordou. Fugi dele e nunca mais
fui para a aula de piano.
Os insetos me perseguem. Não só os habituais no ambiente
doméstico: pulgas, formigas, aranhas, mosquitos, moscas, baratas, traças.
E vêm os mais selvagens.
Talvez seus predadores estejam sendo exterminados e eles
resolvam invadir o território dos semelhantes. Mas pode ser um aviso. Aviso de
que em breve a selva chegará ao nosso ambiente doméstico.
Borboletas pousarão no varal de roupas. Esquilos subirão nas
cortinas. Macacos roubarão bananas da cesta de frutas. Lagartos se enfiarão
entre livros da estante.
E virão onças, guaxinins, raposas.
Em breve soltarei urros para saudá-los. Límpidos, atávicos,
compassivos.
Os caçadores escutarão e pensarão duas vezes antes de engatilhar as espingardas.
Marília Kubota (Paranaguá, 06/04/1964), é escritora
(de verso e prosa), jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade
Federal do Paraná. Desde 2005 orienta oficinas de criação literária. Publicou
os livros de poesia Velas ao Vento
(2021); Bicicletas Caiçaras - 16 Cartões
Postais Poéticos (em parceria
com o fotógrafo Lauro Borges, 2021); Diário da vertigem (2016), micropolis
(2014), Esperando as Bárbaras (2012);
Selva de Sentidos (2008) e o livro de crônicas Eu Também sou Brasileira (2021).
Organizou as antologias Retratos
Japoneses no Brasil (2010); Blasfêmeas:
Mulheres de Palavra (2016); Um
Girassol nos teus Cabelos - Poemas para Marielle Franco (2018) e está
presente de 18 antologias de poesia e prosa. Participou das exposições Bienal de Artes de Curitiba (2013), Poesia Agora, no Museu da Língua
Portuguesa (2014); Guenzai, na Casa
de Cultura Monsenhor Celso (2015) e Olhar
InComum, no Museu Oscar Niemeyer (2016).
Leia
mais no Falas ao Acaso: Marília
Kubota: micrópolis; Marília
Kubota: Rondó da Velha no Outono; Marília
Kubota: como tudo funciona; Marília
Kubota: que me perca; Marília
Kubota: uma mulher jamais sofreu; Marília
Kubota: um poema às cegas.
Saiba Mais: Marília Kubota: Diário de Poesia e Arte; Antonio
Miranda: Marília
Kubota; como eu escrevo: Como
escreve Marília Kubota; Ruído Manifesto: Quatro poemas
de Marília Kubota; Cândido - Cena Literária / Marília Kubota: Questão
de gênero (mas não só); Ser Mulher Arte: A
Poeta Marília Kubota - “Esperando as Bárbaras”; Potiguar Notícias: Marília
Kubota: “Ainda existem barreiras para se divulgar livros de escritoras”; mallarmagens:
6
poemas de Marília Kubota; Revista Memai: Marília Kubota;
Elson Froes: Marília Kubota
- Fogo Branco; Escritoras Suicidas: Marília
Kubota; Úrsula: Marília
Kubota: “Tudo é possível na arte, por isto o encanto”; Poetas Siglo XXI: Marília
Kubota (espanhol e português); Errancia: Marília Kubota
(espanhol e português).
Vídeos: João
Caetano conversa com Eugênia Correia e Marília Kubota; Vitrine: Marília
Kubota; ame-se: Marília Kubota.
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