domingo, 20 de março de 2022

Menotti Del Picchia: Quatro Poemas Encadeados


MENOTTI DEL PICCHIA

Quatro Poemas Encadeados 

Quem costuma visitar o Falas ao Acaso sabe que, por aqui, as postagens nem sempre acompanham as datas comemorativas..., aquelas redondinhas de vida e ou de morte de algum(a) escritor(a) de verso e prosa. E também deve ter percebido que, de 2019 a 2021, diminui o número de postagens..., ocupado que estava com outros projetos. Espero tornar mais frequentes as publicações em 2022..., mas não garanto. Selecionar poemas, buscar dados biográficos e fazer ilustrações é um processo demorado. 


Na inconstância dos dias, além dos autores que já tenho selecionado para publicar, sempre resolvo por alguma postagem “inusitada” (e de última hora) como esta do polêmico escritor Menotti Del Picchia (1892-1988), nome importante na ebulição de ideias da Semana de Arte Moderna de 1922..., que já vinha ensaiando há algum tempo e agora, digamos, se junta a de Raul Bopp: Mãe-Preta; África; Favela nº. 3; Manuel Bandeira: Os Sapos; Mario de Andrade: O Poeta Come Amendoim; Acalanto do Seringueiro; Rito do Irmão Pequeno... 

Num ano ainda pandêmico, que marca os 130 anos de nascimento de Menotti Del Picchia e os 100 da Semana de Arte Moderna, selecionei quatro poemas que encadeiam-se perfeitamente..., e cuja pertinência há de arrepiar a alma de quem ainda a conserva cálida nesses dias tão difíceis e de tanta maleficência no Brasil e no mundo: Noite; O Anjo; O Cadáver do Anjo; A Paz. Ilustrações: Fotos e Fotomontagens de Joba Tridente. Abertura: Fotos do Portal Casa Menotti.


                 


N O I T E

Menotti Del Picchia

 

As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.

Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.

 

Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.

 

Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.

 

Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.

 

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.

(O Deus sem rosto, 1968)

 

                                            


O  A N J O

Menotti Del Picchia

 

Terrível presença de asas.

 

Surges evocado pela angústia

do negado consolo.

 

No erro irresgatado

fica um rumor de rêmiges.

 

Revolta? Remorso? Esperança?

 

Largados sem perdão

– inútil Anjo –

apenas trazes mais viva

a certeza do impossível resgate.

 

Deixa-nos em paz, ó Anjo,

implacável evocador do destino.

 

És nossa frustração

a parte gorada de nós mesmos.

 

Quem nos redimirá

se apenas confirmas a certeza

do paraíso perdido?

(O Deus sem rosto, 1968)

 

               


O  CADÁVER  DO  ANJO

Menotti Del Picchia

 

Sob os destroços do avião estava esmagado o anjo.

 

Os homens de Canaveral

concluíram que era um habitante de um planeta morto.

 

As asas de penas e a estrutura de pássaro

eram porém de uma ave monstro

com o rosto de um jovem lindo

de olhos tão azuis como a poeira celeste

que envolvia seu fluido cadáver.

 

Os sábios se orgulhavam de haver destroçado o céu

e feito debandar os anjos.

 

Este, porém, viera protestar contra a invasão do seu

reino

e denunciar que os homens estavam assassinando

mitos e sonhos.

 

Batera na asa do jato supersônico que frechava para a

lua

 

e ambos

o Ícaro bélico e o Mensageiro dos deuses

rolaram no espaço

e se espatifaram na lama.

(O Deus sem rosto, 1968)

 

                                            


A  P A Z

Menotti Del Pichia

 

A alva pomba da paz voou aos céus serenos.

Embaixo homens se agitavam

entre gritos e tiros.

Paquidermes mecânicos

sulcavam fossos

rasgando trincheiras.

Cansada de librar-se nas alturas

a pomba da paz

buscou na terra um pouso

e flechou

num vôo reto

rumo a uma coisa imóvel

hirta e muda no raso campo verde.

E pousou

calma e triste

sobre as mãos cruzadas de um cadáver.

(site Menotti Del Picchia)

 

Paulo MENOTTI DEL PICCHIA (São Paulo-SP: 20/03/1892 - 23/08/1988): poeta, jornalista, político, romancista, contista, cronista e ensaísta. Fez os estudos ginasiais em Campinas-SP, e diplomou-se em Ciências e Letras em Pouso Alegre-MG. Cursou depois a Faculdade de Direito de São Paulo, publicando durante o curso seu primeiro livro de poesias, Poemas do vício e da virtude, em 1913. Foi agricultor e advogado em Itapira, onde dirigiu o jornal Cidade de Itapira e fundou o jornal político O Grito. Lá escreveu os poemas Moisés e Juca Mulato, ambos publicados em 1917. Passou a residir em São Paulo, onde foi redator em diversos jornais, entre os quais A Gazeta e o Correio Paulistano. Fundou o jornal A Noite e dirigiu, com Cassiano Ricardo, os mensários São Paulo e Brasil Novo. Colaborou assiduamente no Diário da Noite, onde por muitos anos manteve uma seção diária sob o pseudônimo de Hélios, seção que ele criara, em 1922, no Correio Paulistano, através da qual divulgou as notícias do movimento modernista. Com Graça Aranha, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e outros, foi um dos arautos do movimento, participando da Semana de Arte Moderna, de 11 a 18 de fevereiro de 1922. Com Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e outros, realizou o movimento Verdamarelo; depois, com Cassiano Ricardo e Mota Filho, chefiou o Movimento Cultural da Bandeira.

Além de jornalista militante exerceu inúmeros cargos públicos. Foi o primeiro diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado de São Paulo; deputado estadual em duas legislaturas, membro da Constituinte do Estado e deputado federal pelo Estado de São Paulo em três legislaturas. Presidiu a Associação dos Escritores Brasileiros, seção de São Paulo. Embora tenha incursionado por vários gêneros literários, é a sua poesia que destaca o sentido nacionalista do modernismo, do qual foi considerado precursor o seu poema Juca Mulato. A sua origem estética, no entanto, ainda se prende ao Parnasianismo, o que se percebe em sua poesia pela grandiloquência e floreios verbais. Em 1982, foi proclamado Príncipe dos Poetas Brasileiros, o quarto e último deste título que pertenceu anteriormente a Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Olegário Mariano. Em 1984, recebeu o Prêmio Moinho Santista na categoria poesia. Eleito em 1º de abril de 1943, na sucessão de Xavier Marques e recebido pelo Acadêmico Cassiano Ricardo, em 20 de dezembro de 1943, Menotti del Picchia foi o terceiro ocupante da Cadeira 28, da Academia Brasileira de Letras e recebeu o Acadêmico Luís Viana Filho. Fonte: Academia Brasileira de Letras - ABL.

Para saber mais: Portal: Casa Menotti; Bibliografia; AUN - Agência Universitária de Notícias: O contraditório Menotti Del Picchia e sua influência para o Modernismo Brasileiro; Flan - O Jornal da Semana (1953): Menotti Del Picchia Renega a Arte Moderna; Antonio Miranda: Paulo Menotti Del Picchia; Travessia: Menotti Del Picchia - Auto Retrato; PEPSIC: Paulo Menotti Del Picchia: sob um soslaio da psicanálise; Gilson Leandro Queluz: O Romance Cummunká, de Menotti del Picchia: Utopia e Modernismo Conservador; Daniela Spinelli: Considerações sobre a República 3000, de Menotti Del Picchia; Vanessa Konopczyk Amaral Ribeiro: Lealdade, ambivalência e rebeldia: as estratégias de relacionamento de Oswald de Andrade e Menotti del Picchia na construção de suas redes de sociabilidade; Nei Duclós: Menotti Del Picchia: As Muitas Faces do Poeta.; Wikipédia: Menotti Del Picchia.

Youtube: TV Cultura: Menotti Del Picchia; Baú da TV: Menotti Del Picchia fala da Semana de Arte Moderna (1959); Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP: Menotti Del Picchia, O Gedeão do Modernismo nas Crônicas do Correio Paulistano; Elaine Kutcher: Menotti Del Picchia; TV Cultura: Menotti Del Picchia.

 

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