Quatro Poemas Encadeados
Quem costuma visitar o Falas ao Acaso sabe que, por aqui, as postagens nem sempre acompanham as datas comemorativas..., aquelas redondinhas de vida e ou de morte de algum(a) escritor(a) de verso e prosa. E também deve ter percebido que, de 2019 a 2021, diminui o número de postagens..., ocupado que estava com outros projetos. Espero tornar mais frequentes as publicações em 2022..., mas não garanto. Selecionar poemas, buscar dados biográficos e fazer ilustrações é um processo demorado.
Num ano ainda pandêmico, que marca os 130 anos de
nascimento de Menotti Del Picchia e
os 100 da Semana de Arte Moderna,
selecionei quatro poemas que encadeiam-se perfeitamente..., e cuja pertinência há
de arrepiar a alma de quem ainda a conserva cálida nesses dias tão difíceis e de tanta maleficência no
Brasil e no mundo: Noite; O Anjo; O Cadáver do Anjo; A Paz.
Ilustrações: Fotos e Fotomontagens de Joba
Tridente. Abertura: Fotos do Portal Casa Menotti.
N O I T E
Menotti Del Picchia
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em
surdina,
todas as luzes se apagam.
Há um grande aparato de câmara
funerária
na paisagem do mundo.
Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.
Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.
No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.
(O Deus sem rosto, 1968)
O A N J O
Menotti Del Picchia
Terrível presença de asas.
Surges evocado pela angústia
do negado consolo.
No erro irresgatado
fica um rumor de rêmiges.
Revolta? Remorso? Esperança?
Largados sem perdão
– inútil Anjo –
apenas trazes mais viva
a certeza do impossível resgate.
Deixa-nos em paz, ó Anjo,
implacável evocador do destino.
És nossa frustração
a parte gorada de nós mesmos.
Quem nos redimirá
se apenas confirmas a certeza
do paraíso perdido?
(O
Deus sem rosto, 1968)
O CADÁVER DO ANJO
Menotti Del Picchia
Sob os destroços do avião estava
esmagado o anjo.
Os homens de Canaveral
concluíram que era um habitante de um
planeta morto.
As asas de penas e a estrutura de
pássaro
eram porém de uma ave monstro
com o rosto de um jovem lindo
de olhos tão azuis como a poeira
celeste
que envolvia seu fluido cadáver.
Os sábios se orgulhavam de haver
destroçado o céu
e feito debandar os anjos.
Este, porém, viera protestar contra a
invasão do seu
reino
e denunciar que os homens estavam
assassinando
mitos e sonhos.
Batera na asa do jato supersônico que
frechava para a
lua
e ambos
o Ícaro bélico e o Mensageiro dos
deuses
rolaram no espaço
e se espatifaram na lama.
(O Deus sem rosto, 1968)
A P A Z
Menotti Del Pichia
A alva pomba da paz voou aos céus
serenos.
Embaixo homens se agitavam
entre gritos e tiros.
Paquidermes mecânicos
sulcavam fossos
rasgando trincheiras.
Cansada de librar-se nas alturas
a pomba da paz
buscou na terra um pouso
e flechou
num vôo reto
rumo a uma coisa imóvel
hirta e muda no raso campo verde.
E pousou
calma e triste
sobre as mãos cruzadas de um cadáver.
(site Menotti Del Picchia)
Paulo MENOTTI DEL PICCHIA (São Paulo-SP: 20/03/1892 - 23/08/1988):
poeta, jornalista, político, romancista, contista, cronista e ensaísta. Fez os
estudos ginasiais em Campinas-SP, e diplomou-se em Ciências e Letras em Pouso
Alegre-MG. Cursou depois a Faculdade de Direito de São Paulo, publicando
durante o curso seu primeiro livro de poesias, Poemas do vício e da virtude, em 1913. Foi agricultor e advogado em
Itapira, onde dirigiu o jornal Cidade
de Itapira e fundou o jornal político O Grito. Lá escreveu os poemas Moisés e Juca
Mulato, ambos publicados em 1917. Passou a residir em São Paulo, onde foi
redator em diversos jornais, entre os quais A Gazeta e o Correio
Paulistano. Fundou o jornal A
Noite e dirigiu, com Cassiano Ricardo, os mensários São Paulo e Brasil Novo. Colaborou assiduamente
no Diário da Noite, onde por
muitos anos manteve uma seção diária sob o pseudônimo de Hélios, seção que ele criara, em 1922, no Correio Paulistano, através da qual divulgou as notícias do
movimento modernista. Com Graça Aranha, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e
outros, foi um dos arautos do movimento, participando da Semana de Arte Moderna, de 11 a 18 de fevereiro de 1922. Com
Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e outros, realizou o movimento Verdamarelo; depois, com Cassiano
Ricardo e Mota Filho, chefiou o Movimento
Cultural da Bandeira.
Além
de jornalista militante exerceu inúmeros cargos públicos. Foi o primeiro
diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado de São Paulo;
deputado estadual em duas legislaturas, membro da Constituinte do Estado e
deputado federal pelo Estado de São Paulo em três legislaturas. Presidiu a
Associação dos Escritores Brasileiros, seção de São Paulo. Embora tenha
incursionado por vários gêneros literários, é a sua poesia que destaca o
sentido nacionalista do modernismo, do qual foi considerado precursor o seu
poema Juca Mulato. A sua origem
estética, no entanto, ainda se prende ao Parnasianismo, o que se percebe em sua
poesia pela grandiloquência e floreios verbais. Em 1982, foi proclamado Príncipe dos Poetas Brasileiros, o
quarto e último deste título que pertenceu anteriormente a Olavo Bilac, Alberto
de Oliveira e Olegário Mariano. Em 1984, recebeu o Prêmio Moinho Santista na
categoria poesia. Eleito em 1º de abril de 1943, na sucessão de Xavier Marques
e recebido pelo Acadêmico Cassiano Ricardo, em 20 de dezembro de 1943, Menotti
del Picchia foi o terceiro ocupante da Cadeira
28, da Academia Brasileira de Letras e recebeu o Acadêmico Luís Viana
Filho. Fonte: Academia Brasileira de Letras - ABL.
Para saber mais: Portal: Casa Menotti; Bibliografia; AUN - Agência Universitária de
Notícias: O contraditório Menotti Del Picchia e
sua influência para o Modernismo Brasileiro; Flan - O Jornal da Semana (1953): Menotti Del Picchia Renega a Arte
Moderna; Antonio
Miranda: Paulo Menotti Del Picchia; Travessia: Menotti Del Picchia - Auto Retrato; PEPSIC: Paulo Menotti Del Picchia: sob um
soslaio da psicanálise; Gilson Leandro Queluz: O Romance Cummunká, de Menotti del
Picchia: Utopia e Modernismo Conservador; Daniela Spinelli: Considerações sobre a República 3000,
de Menotti Del Picchia; Vanessa Konopczyk Amaral Ribeiro: Lealdade, ambivalência e rebeldia: as
estratégias de relacionamento de Oswald de Andrade e Menotti del Picchia na
construção de suas redes de sociabilidade; Nei Duclós: Menotti Del Picchia: As Muitas Faces do Poeta.; Wikipédia: Menotti Del Picchia.
Youtube: TV Cultura: Menotti Del Picchia; Baú da TV: Menotti Del Picchia fala da Semana de Arte Moderna (1959); Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP: Menotti Del Picchia, O Gedeão do Modernismo nas Crônicas do Correio Paulistano; Elaine Kutcher: Menotti Del Picchia; TV Cultura: Menotti Del Picchia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário