..., do livro Antologia da Moderna Poesia Brasileira – Revista Acadêmica, de 1939,
em edição da Brasiliana USP Digital, a beleza desconcertante do poema Amphora (1919), Cecilia Meireles.
A M P H O R A
Cecília
Meireles
Quando
o oleiro febril te retirou do forno,
Em
forte desagrado enrugou-se-lhe a testa;
Achou-te
irregular na linha do contorno:
Granulações
aqui, mais adiante uma aresta.
És
frágil e imperfeita. A um baque, vai-se o adorno
Que o
artista suspendeu á curva ampla e modesta
Do teu
busto, ou o festão que tens do colo em torno;
Aos
ardores do sol, o esmalte se te enfresta.
— Que,
ao menos, quando à fonte a angélica menina
Te
levar na alva flor do ombro seu, tu, que, agora,
Tão
frágil e imperfeita, ainda és inútil e oca,
Te
enchas, aos borbotões, de uma água cristalina,
Água
clara e cantante, água fresca e sonora,
Para a
sede saciar de uma sequiosa boca !
*
Ilustração de Joba Tridente – 2015
“No
caminho da evolução poética de Cecilia Meirelles o marco inicial é um lirismo
de doçura tagoreana, que aponta para "Nunca mais" e "Poema dos
Poemas" e "Baladas para El-Rey", e o marco atual mais
característico é um desencanto de tudo a evolar-se num dorido desdém, num
ceticismo penetrante, que não é recurso ou atitude literária, senão que
constitui o resíduo final, ou melhor, a imanência de uma alma para quem não
apenas o céu, mas também a terra com os seus seres insignificantes e
circunstancias e com as suas cousas precárias e pobres - tudo afinal é vazio,
vazio... O intemporal, o que está além dos sentidos enganosos - eis o que
parece exercer maior fascinação sobre essa alma - chama aguda que mal tremula
aos sopros bravios do mundo contingente. (...) Contentemo-nos em dizer que —
assim em quantidade como em qualidade — a mensagem poética de Cecilia Meirelles
é das mais consideráveis e poderosas até hoje escritas em língua portuguesa.” A. R. - em Antologia da Moderna
Poesia Brasileira.
Cecília
Benevides de Carvalho Meireles
(Rio de Janeiro, 1901 – Rio de Janeiro, 1964). Escritora, professora e
jornalista. Em 1919, aos 18 anos, publicou Espectro,
o seu primeiro livro de poesia. Cecília
Meireles é autora de uma vasta obra onde se destacam: Criança, meu amor (1923), Nunca
Mais (1923), Poema dos Poemas
(1923). Batuque, Samba e Macumba
(1933), A Festa das Letras (1937), Viagem (1939), Olhinhos de Gato (1940), Vaga
Música (1942), Problemas de Literatura Infantil (1950), Romanceiro da Inconfidência (1953), Solombra (1963), Poemas de
Israel (1963), Ou Isto Ou Aquilo (1964).
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