domingo, 15 de março de 2015

Joba Tridente: Nem Posse Nem Pose

..., naquele março de 1985 rolou muita história (obscura) sobre o que “aconteceu” antes, durante e depois da “eleição” e não posse de Tancredo Neves (1910-1985) em Brasília, ilhota da teoria de todas as conspirações políticas e ufológicas. Assassinato? Sacrificado ao chegar e mumificado para ser enterrado no dia 21 de abril de Tiradentes, o Herói da Liberdade? ÔÔÔ! Ah, Brasília de belezas e malvadezas. Lá se vão trinta anos de ebulição política e sociológica no planalto de Dom Bosco (1815-1888). Eu estava lá naquele 15 de março de 1985 e o que vi está aqui, nesta carta que escrevi à minha mãe. Mas as histórias ainda quicam por aí...



Nem Posse Nem Pose
Joba Tridente: 15 e 16.03.1985

carta à minha mãe

No dia em que Tancredo perdeu a posse, foi como se o dia tivesse não amanhecido em Brasília. Ou como quando o Brasil perdeu a última Copa do Mundo. Pelas ruas não havia a balbúrdia programada. Não havia o riso esperado. Não havia o grito liberto. Não havia o desabafo solto. Tudo continuou guardado dentro do peito. Ou parado na garganta. Feito um . Feito impotente. Feito doente.

Não havia a euforia que fazia crer a televisão. Havia, apenas, uma estranha sensação de frustração no ar. Havia gente com bandeiras enroladas, embaixo do braço. Havia gente patética voltando cedo para casa. Havia crianças com bandeiras nas mãos, indo embora com os pais. Havia gente que estava entendo coisa alguma.

As crianças, ensaiadas, não cantaram. As bandas, ensaiadas, não tocaram. Os sinos, ensaiados, não repicaram na Praça dos Três Poderes. Porque Tancredo perdeu a hora da posse, por causa de uma irônica diverticulite.

E tantas bandeiras... E tanto verde-amarelo nas ruas... E tanta gente vestindo as cores da, hoje, Patriamada... Até o tempo enganou os meteorologistas e não choveu. Mas não adiantou. A alegria não era verdadeira. Os bailes-posse não aconteceram. Os camelôs reabastecidos venderam nada..., nada. E tanta caravana... E tanta propaganda..., euforia..., ufanismo... E tanta proclamação de democracia... Adiantou nada.

O carnaval esperado, mixou. O trio elétrico ficou mudo. Apenas se cantou o que “ouviram do Ipiranga” os parlamentares. Apenas passearam de carro oficial, alguns oficiosos. Para a euforia de uns poucos..., que não quiseram perder a viagem.  E tanta segurança... E tanta polícia... E tantas outras coisas... Por nada. Por nada.

Nas caras e bocas do povo, um certo receio. Um certo sabor amargo, pela esperança truncada. Ah, tantas e tantas outras coisas e tantos e tantos outros pensamentos e tantas e tantas outras vontades CONTIDAS aconteceram ou deixaram de acontecer no dia em que Tancredo perdeu a hora da posse, por causa de uma tal de diverticulite!

Aquele dia foi como quando, no meio duma transa, às portas do orgasmo..., toca o telefone ou a campainha e algum f.d.p., do outro lado, diz que foi engano.

*
Ilustração de Joba Tridente: 2015

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