quinta-feira, 19 de maio de 2016

Youssef Rakha: Escute Fayadh

A homenagem do Falas ao Acaso ao escritor e artista Ashraf Fayadh, cuja obra me foi apresentada pelo escritor Marcílio Farias, se encerraria ontem, após a publicação de cinco poemas seus: A Última Fila Para Descendes de Refugiados e Quatro Poemas Curtos e Tristeza Feita de Massa de Pão e Um Espaço no Vazio e O Nome de Um Sonho Masculino. Porém, ao ler uma recente postagem de Farias, no Facebook, decidi oferecê-la aos leitores, como um reflexivo bônus: Escute Fayadh, do premiado escritor egípcio Youssef Rakha.

"Escute Fayadh é a tradução livre de um Poema de Youssef Rakha em homenagem ao Poeta Palestino Ashraf Fayadh, cuja sentença de morte foi comutada para oito anos e 800 chicotadas. A nova sentença, fruto do clamor de alguns círculos intelectuais da Europa e dos Estados Unidos - ninguém no Brasil manifestou-se a respeito... - continua sendo uma afronta à liberdade de criação, característica de uma cultura desenvolvida a sombra da ignorância religiosa, da superstição de uma sociedade atolada na lama das tradições barbáricas, e no texto da intolerância típica dos falsos reinados." Marcílio Farias.


                     

ESCUTE FAYADH
um poema de Youssef Rakha
em tradução de Marcílio Farias *

Ashraf Fayadh, eu acredito mesmo
Que uma explosão está próxima e
Gostaria de deixar bem claro
Que a chuva está nesse momento
Fazendo piscinas em todas as casas ao longo da costa
Hoje eu vi um homem abraçando um refrigerador
Com as duas pernas dentro d’água
E sua mulher pulando de um
Candelabro para outro como a
Mulher de Tarzan.

A sua cabeça a prêmio, eu acredito,
Continua no seu corpo enquanto a
Bomba marca o tempo
Segundo após segundo enquanto
Cinco por cento do mundo
Não consegue suportar
Tanta estupidez.

Agora a explosão, Ashraf - e eu
Que achava poder escapar dos fragmentos
Pensando que os longos mantos brancos
Fossem fantasmas
Batendo asas para ídolos invisíveis
Num estrondo que
Talvez nos transformasse em
Peixes voadores e os
Prédios em garrafas de
Cerveja não alcoólica com a
Espuma escorrendo farta enquanto rachavam.

E a sua cabeça Ashraf, e a sua cabeça,
E o Homem brandindo a cimitarra sobre ela,
E os espectadores com suas roupas brancas como giz
E o Grande Vale silencioso em pessoa
Como uma espécie de palco
Onde os sem teto da vida
Encenam um texto para
Espantar os circunstantes que dizem

Estar em guerra contra o Terror. 

Ashraf, a explosão é na minha mente e
É estranho que não existe engenharia genética
Ou efeito estufa ou
Fissão nuclear, ou,
Também, qualquer homem com
Metade das pernas
Dentro d’água, água bastante

Para afogar esse mundo
Sem qualquer abrigo à vista no litoral...

* ilustração de Joba Tridente – 2016

* Nota de Marcílio Farias: O Grande Vale é a falha geológica que corta o Parque Nacional do Kuwait, atração turística internacional pelos seus “safaris” onde ricos e famosos matam elefantes e leões.


********
Listen Ashraf
A poem by Youssef Rakha for Ashraf Fayadh

Ashraf Fayadh, I do believe
the explosion is about to
and would like to make clear
that the rain’s now making
swimming pools of houses
down the coast
Today, I saw a man hugging a fridge
half his legs underwater and
his wife was leaping
from one chandelier to another
like Tarzan’s woman

Your head, I believe,
is on your body now
and the bomb ticks second by second-
sure! five percent of the world cannot shoulder
all this stupidity

Now the explosion, Ashraf,
and I, had I been out of range of fragments
would have thought
the white cloaks
ghosts
flapping at unseen things
Its bang
perhaps will make us into flying fish
and the buildings to bottles
of alcohol-free beer
foam spilling over as they clink

Your head, your head, Ashraf, and
the man bending with sword and
spectators shrubs of chalk and
the Great Rift itself
a kind of stage play
that the homeless on their pavement play
to scare the freeholders

Here, they say they are at war with terrorism

Ashraf, the explosion is
in my head, and
it is strange, I believe, that there is
genetic engineering
greenhouse effect
that there is
nuclear fission
and, too,
the man with half his legs
underwater

Water enough in the sky to drown the world
and no umbrellas at the coast

* esta versão inglesa está publicada em Qisasukhra
* o poema pode ser lido em árabe no site Yrakha


YOUSSEF RAKHA (Cairo, 1976-) é escritor, jornalista, crítico literário, fotógrafo e um dos poetas mais importantes do Egito, vencedor do Premio Larkin de poesia em língua inglesa e do Premio Chris Ayers de Filosofia. Rakha é o Editor-Chefe da revista egipcia Al-Ahram. Entre suas obras estão duas novelas recentes: Book of the Sultan’s Seal e The Crocodile. Para saber mais sobre o autor: al-bab, Yrakha, Words without Borders

MARCÍLIO FARIAS é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

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