terça-feira, 22 de novembro de 2016

Geraldo Bessa: O menino negro não entrou na roda

Antes de conhecer Mia Couto eu conhecia a literatura africana.  Antes de saber que Mia Couto é branco eu sabia da literatura de autores africanos negros. Na cor, na pele, na voz, no grito do verbo dei de cara com a literatura africana nos “primórdios” da web, através de sites africanos que já foram soprados para longe.

Bons tempos aqueles em que a rede era um fascinante arquipélago com ilhotas pululando culturas deliciosamente estranhas. Foi mergulhando naquele admirável mundo novo que descobri a rica literatura em verso e prosa da África. Salvava uma coisa aqui e outra acolá. Muito se perdeu disquetes afora. Com o tempo aprendi a fuçar feito porco atrás de trufa. Nesse cavucar encontrei uma rara Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, a partir de arquivos esparsos na web. Para meu espanto a Antologia trazia algumas pérolas que admirara antes e, para minha felicidade, alguns dados biográficos de alguns autores.

Não sou muito ligado a datas. Para mim todo dia é dia de todo dia e do quê e de quem quiser o dia. Portanto, foi com o encerramento da Semana da Consciência Negra, no Brasil, que se iniciou a minha Semana da Literatura Africana, no Falas ao Acaso, (re)publicando alguns poemas de grandes autores africanos, como José João Craveirinha, Geraldo Bessa, Viriato da Cruz. Os poemas Pena e Fábula, já publicados, são do moçambicano José Craveirinha (1922-2003). Hoje, lhe deixo com o emocionante poema O menino negro não entrou na roda, do grande poeta angolano Geraldo Bessa (1917-1985).



O menino negro não entrou na roda
Geraldo Bessa

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas - as crianças brancas
que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas, gargalhadas francas...

menino negro não entrou na roda.

E chegou o vento junto das crianças
- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.

O menino negro não entrou na roda.

Pássaros, em bando, voaram chilreando
sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor. Por fim,
bailaram seus voos, cantando seus hinos...

O menino negro não entrou na roda.

"Venha cá, pretinho, venha cá brincar"
- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
o menino branco já não quis, não quis...

O menino negro não entrou na roda.

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas. Desolado, absorto,
ficou só, parado com olhar cego,
ficou só, calado com voz de morto.

*
ilustração de Joba Tridente.2012
  

Geraldo Bessa Victor (1917-1985), escritor, poeta, ensaísta e jornalista angolano, é natural de Luanda, onde concluiu seus estudos. Na década de 1950, em Lisboa, licenciou-se em Direito e, além do exercício da advocacia, ganhou reconhecimento com a publicação de artigos e crónicas em vários jornais angolanos, entre os quais o jornal A Província de Angola, tendo feito parte do movimento "Cultura I" e da revista Mensagem. Geraldo Bessa cantou e exaltou a cultura africana e mais concretamente a angolana. O menino negro não entrou na roda e Kalundu foram os dois primeiros poemas selecionados para uma antologia, em 1958, por Mário de Andrade. Em 2001, a Editora Imprensa Nacional - Casa da Moeda compilou e editou toda a sua obra poética. Fonte: Wikipédia.

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