sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Oralidade Africana: Passarinho, Crocodilo e Jacaré

Antes de conhecer Mia Couto eu conhecia a literatura africana.  Antes de saber que Mia Couto é branco eu sabia da literatura de autores africanos negros. Na cor, na pele, na voz, no grito do verbo dei de cara com a literatura africana nos “primórdios” da web, através de sites africanos que já foram soprados para longe.

Bons tempos aqueles em que a rede era um fascinante arquipélago com ilhotas pululando culturas deliciosamente estranhas. Foi mergulhando naquele admirável mundo novo que descobri a rica literatura em verso e prosa da África. Salvava uma coisa aqui e outra acolá. Muito se perdeu disquetes afora. Com o tempo aprendi a fuçar feito porco atrás de trufa. Nesse cavucar encontrei uma rara Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, a partir de arquivos esparsos na web. Para meu espanto a Antologia trazia algumas pérolas que admirara antes e, para minha felicidade, alguns dados biográficos de alguns autores.

Não sou muito ligado a datas. Para mim todo dia é dia de todo dia e do quê e de quem quiser o dia. Portanto, foi com o encerramento da Semana da Consciência Negra, no Brasil, que se iniciou a minha Semana da Literatura Africana, no Falas ao Acaso, (re)publicando alguns poemas de grandes autores africanos, como Pena e Fábula, de José Craveirinha, O menino negro não entrou na roda, de Geraldo Bessa, Serão Menino, de Viriato da Cruz e Castigo P’ro Comboio Malandro, de António Jacinto. Hoje, dois momentos lúdicos da oralidade africana: O passarinho e os outros animais (de Cabo Delgado) e A dança do jacaré (da Ilha de Moçambique). Amanhã tem mais...



O passarinho e os outros animais
(Cabo Delgado)

O elefante
o elefante passeia o passarinho
que lhe tira todos os bichinhos

A palapala
a palapala passeia o passarinho
que lhe tira todos os bichinhos

O crocodilo
o crocodilo passeia o passarinho
que lhe tira todos os bichinhos

O passarinho
o passarinho voa bem baixinho
come muito e volta para o seu ninho



***



A dança do jacaré
(Ilha de Moçambique)

Eu, Maria, fui lavar os pés
lá no rio onde mora o jacaré

Paro e vejo: quem vem dançar?
É mamã que traz o Tomé p'ra tocar

Toca, toca bem, primo Tomé
Quero ver como dança o jacaré

Ah! o bicho a água engoliu
deu a volta, saltou e logo tossiu

Ei! Já chega meu primo Tomé
Acabei de lavar agora o meu pé

*

Ilustração de Joba Tridente - 2016

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