sábado, 26 de novembro de 2016

Oralidade Africana: Uma Ideia Tonta

Antes de conhecer Mia Couto eu conhecia a literatura africana.  Antes de saber que Mia Couto é branco eu sabia da literatura de autores africanos negros. Na cor, na pele, na voz, no grito do verbo dei de cara com a literatura africana nos “primórdios” da web, através de sites africanos que já foram soprados para longe.

Bons tempos aqueles em que a rede era um fascinante arquipélago com ilhotas pululando culturas deliciosamente estranhas. Foi mergulhando naquele admirável mundo novo que descobri a rica literatura em verso e prosa da África. Salvava uma coisa aqui e outra acolá. Muito se perdeu disquetes afora. Com o tempo aprendi a fuçar feito porco atrás de trufa. Nesse cavucar encontrei uma rara Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, a partir de arquivos esparsos na web. Para meu espanto a Antologia trazia algumas pérolas que admirara antes e, para minha felicidade, alguns dados biográficos de alguns autores.

Não sou muito ligado a datas. Para mim todo dia é dia de todo dia e do quê e de quem quiser o dia. Portanto, foi com o encerramento da Semana da Consciência Negra, no Brasil, que se iniciou a minha Semana da Literatura Africana, no Falas ao Acaso, (re)publicando alguns poemas de grandes autores africanos, como Pena e Fábula, de José Craveirinha, O menino negro não entrou na roda, de Geraldo Bessa, Serão Menino, de Viriato da Cruz e Castigo P’ro Comboio Malandro, de António Jacinto e também algo da sua rica Tradição Oral, como O passarinho e os outros animais (de Cabo Delgado) e A dança do jacaré (da Ilha de Moçambique). Hoje você fica com esta divertida fábula do Folclore Africano: Uma Ideia Tonta.



Uma   Ideia   Tonta
Tradição Oral Africana

Um dia a hiena recebeu convite para dois banquetes que se realizavam à mesma hora em duas povoações muito distantes uma da outra. Em qualquer dos festins era abatido um boi, e sabe-se que hiena é especialmente gulosa.
 - Não há dúvida de que tenho de assistir aos dois banquetes, pois não quero desconsiderar os anfitriões. Também as oportunidades de comer carne de boi não são muitas... mas como hei de fazer, se as festas são em lugares tão distantes um do outro?
A hiena pensou, pensou... e, de repente, bateu com a mão na testa.
- Descobri! Afinal é simples... - disse ela, muito contente com a sua esperteza. 
Saiu à pressa de casa. Assim que chegou ao local donde partiam os dois caminhos que levavam aos locais das festas, começou a andar pelo caminho que ficava do lado direito com a perna direita e pelo caminho que ficava do lado esquerdo, com a perna esquerda. Pensava chegar deste modo a ambas as festas ao mesmo tempo. Mas começou a ficar admirada de lhe custar tanto caminhar dessa maneira. E fez tanto esforço, que se sentiu dividir em duas de alto a baixo.
Coitada, lá a levaram ao médico que a proibiu, desde logo, de comer carne de boi durante um mês. É muito tonta a hiena!


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Ilustração de Joba Tridente.2012

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