Em 2016
foi lançando o livro Blasfêmeas -
Mulheres de Palavra, reunindo 64 poetas atuantes na literatura
contemporânea brasileira. Segundo a escritora Marília Kubota, que juntamente
com Rita Lenira de Freitas Bittencourt organizou a edição: “Com esta antologia, queremos apresentar um panorama de vozes poéticas
femininas, no qual percebemos a diversidade do que é “ser mulher”. Há vozes que
se alinham ao discurso modernista, com predominância do dizer fragmentário e do
tom coloquial, o tom da “poesia de mulher” de Adélia Prado; há o resgate de
formas clássicas, ao modo de Cecília Meirelles, e também as que dialogam com a
visualidade proposta pela poesia concreta. Grande parte destas autoras é de uma
geração que iniciou sua vida literária através da internet, escrevendo em
blogues ou sites; outras, começaram em áreas mais afins à literatura, como o
jornalismo, a publicidade, as artes visuais, as atividades acadêmicas. Minimalistas
ou verborrágicas, líricas ou satíricas, cotidianas ou metafísicas, elas compõem
o panorama que define a poesia de mulher contemporânea: a palavra, hoje, é
muito mais feminina.”
Das 64
autoras selecionei sete. Um poema de cada..., que você conhecerá em sete
postagens. Comecei com Branca envelhece na neve, de Adriane Garcia, segui com Canção para arrumar a mesa, de Ana Mariano, e A Cadela de Platão, de Bárbara Lia, e [e eu saboreio uma irish car bomb], de Lisa Alves, e Era dia e o sol iluminava a casa, de Nydia Bonetti, e Notas sobre os felídios selvagens numa página de Rimbaud, de Regina
Bostulim, e encerro com o poema (sem título) de Sabrina Lopes.
(sem
título)
Sabrina
Lopes
O
cordeiro morre silencioso, não se ouve sequer um perdoai-vos. Escorre uma lágrima:
nem ela sentimental. Corre por gravidade, na posição inédita de patas para
cima. Como o sangue do seu pescoço aberto.
Há
outros animais a elencar.
Porcos
morrem gritando que nem gente. Não é qualquer um que pode matar porco, aos escolhidos
pesa a sua própria coragem surda. A berradeira não é mística, começa com a
virada do bicho de pernas para o alto – e não um dia antes, de pressentimento.
Pés e mãos amarrados, o sequestro do porco termina com uma facada no coração.
O
gado também grita, um grito grave, tuba terrível, não porque se vê amarrado, o
que não estranha, mas porque logo vê jorrar o sangue da veia que lhe estouraram
na testa. Sangrado o boi.
São
Francisco abandonou suas roupas, mas não seu capital cultural.
O
gado se revoltou uma vez. Foi na presença do cadáver de uma vaca.
Reconheceram,
cheiraram. As centenas de cabeças cheirando e gritando seu grito grave, que
fazia o coração dos homens vibrar, e talvez a água. O touro, ao redor de todos,
correndo em círculos, dolorido. Um comício circular, um protesto acompanhado
pelo coro mais instintivo, a liderança periférica possível aos animais não
castrados. Da política, meu tio que era novo aprendeu uma lição: não confrontar
o gado com seu destino. As reses que se acreditem imortais.
Enterrar
os mortos.
*
ilustração:
joba tridente.2018
Sabrina Lopes
(Curitiba/PR, 1976) publicou poemas em Babel,
Rascunho, Medusa e Alforja, no
México, além da antologia Passagens
(Imprensa Oficial do Paraná). Manteve, de 2002 a 2010, blogues de literatura,
majoritariamente crônicas. Integrou o grupo de performance Galactodendron.
Excelente !
ResponderExcluirPena que acabou esta série.
..., grato Marina Seischi, por suas visitas e considerações. ..., por aqui é assim mesmo, apenas um aperitivo. ..., vamos dar tempo ao tempo, para novas postagens de novas autoras. ..., grande abraço. T+
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