sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Clarice Lispector : A Fruta Sem Nome


Nesta Semana da Criança estou postando, a cada dia, um texto diferente, em prosa e ou em verso, de autor brasileiro e ou estrangeiro. Hoje é sexta-feira, 12 de Outubro, Dia das Crianças e de Clarice Lispector. Pensei em postar a sua crônica Era uma vez, sobre a arte (ou sina?) de escrever. Mas então me lembrei de Como Nasceram As Estrelas - Doze Lendas Brasileiras (1987) e optei, é claro, pela lenda do mês de Outubro: A fruta sem nome. Sei que é uma lenda muito conhecida (com versão até de Monteiro Lobato em Histórias de Tia Nastácia: O Jabuti e a Fruta), mas também é perfeita para hoje.



O U T U B R O
A Fruta Sem Nome

Neste mês cai o Dia das Crianças. Além de brinquedos, por que não lhes contar sobre a fruta desconhecida?
No tempo de nossa tatatatataravó, simplesmente as árvores cresciam lindas mas sem dar frutas. Além do mais, não havia boas raízes para um repasto bom. Como se pode imaginar, a fome grassava entre os bichos.
Aí, como quem não quer nada, espalhou-se um boato: na floresta amazônica crescia uma árvore especial. Árvore com dom de encantamento.
- Dá fruta? perguntavam-se os bichos. A resposta veio da arara tagarela: dava fruta gostosa.
Havia, porém, um “mas”. Para colher a fruta era preciso conhecer antes o seu nome...
Os bichos pensaram, pensaram e pensaram. E resolveram perguntar o nome da árvore mágica a Tupã.
Este não se fez de rogado: — Olhem, é “muçá, muçá, muçá”.
A anta começou a repetir e a repetir o nome pelo caminho para não esquecer. Mas encontrou uma velha egoísta que queria comer sozinha todas as frutas.
- Anta, amiga minha, quer trazer para mim uma “mugá, mucungá, muculungá”?
A anta ficou pasma e atrapalhou-se quanto ao nome que vinha repetindo.
O jeito era outro bicho pedir a Tupã o nome da fruta. Mal pensaram e logo agiram, obtendo o quati o nome esquecido. Mas também encontrou a velha maluca e se atrapalhou para valer. Depois foi a vez do macaco que ameaçou a velha. Esta, contudo, disse um nome qualquer para a fruta - e adeus memória de macaco. O jacaré também caiu na cilada.
Chegou então a vez do jabuti que tem casco de tartaruga. Foi perguntar a Tupã o abençoado nome. Tupã quis desiludi-lo:
- Você não é de nada com sua vagareza, a velha te pega antes que você dê dois passos.
O jabuti, porém, não desanimou. Confiava na sua esperteza que era maior que sua lentidão. Além do mais, era bicho insistente. Aprendeu o nome e tocou a sua flautinha, repetindo o nome e depois a mesma melodia.
Aí a velha foi se achegando sabida e gritou:
- Filhinho, também quero uma “mugá, mucungá, muculungá”. Mas o jabuti continuou dizendo: “muçá, muçá, etc”. Quanto mais a velha queria atrapalhar, mais o jabuti repetia o nome certo. Fez-se de surdo e tocava a flautinha sem esquecer o que Tupã lhe ensinara...
A velha ficou danada da vida e começou a bater no seu casco. Mas embaixo do casco o jabuti cantava. Quem ficou atrapalhada foi a velha raivosa.
O jabuti é bicho bom e ensinou o segredo aos outros animais. A fruta era uma delícia e a comilança foi grande. E claro que o jabuti regalou-se. Mas tem uma coisa: ficou até hoje com o casco rachado por causa da surra que levou da velha.


Clarice Lispector (1920 - 1977), a voz feminina mais intensa e triste da literatura brasileira, transitava com a mesma beleza e melancolia pela literatura acessível ao leitor infantojuvenil: O mistério do coelho pensante (1967), A mulher que matou os peixes (1968), A vida íntima de Laura (1974), Quase de verdade (1978), Como nasceram as estrelas (1987) e ou adulto: Perto do Coração Selvagem (1943), O Lustre (1946), A Cidade Sitiada (1949), Alguns contos (1952), Laços de família (1960), A Maçã no Escuro (1961), A Paixão segundo G.H. (1964), A legião estrangeira (1964), Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres (1969), Felicidade clandestina (1971), Água Viva (1973), A imitação da rosa (1973), A via crucis do corpo (1974), Onde estivestes de noite? (1974), A hora da estrela (1977), Um Sopro de Vida - Pulsações (1978), A bela e a fera (1979).

Ilustração de Joba Tridente. 2012



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